Lugar da delicadeza com o outro e com a própria Liberdade.

Onde se está de acordo com o único modo do humano de ser feliz

Tuesday, December 18, 2012

Um pequeno trecho da página 28, do romance A Maçã no Escuro, faz refletir sobre quem são os personagens da trama de Clarice:

"O pássaro tremia todo (no parágrafo anterior confessara que seria negro e estava pousado num ramo baixo, à altura de seus olhos) na concha da mão sem ousar piar. O homem olhou com uma curiosidade grosseira e indiscreta a coisa na sua mão como se tivesse aprisionado um punhado de asas vivas. Aos poucos o pequeno corpo dominado deixou de tremer e os olhos miúdos se fecharam com uma doçura de fêmea".

O parágrafo continua. Mas eu precisava vê-lo encerrando aqui. Mas continua:

"Agora, contra os dedos extremamente auditivos do homem, somente a batida diminuta e célere do coração indicou que a ave não morrera e que o aconchego a resignara enfim a descansar".

Mais ainda. Sempre para o alto:

"Espantado com a perfeição automática do que lhe estava acontecendo, o homem rosnou olhando para o pequeno bicho - a satisfação fê-lo rir alto, com a cabeça inclinada para trás, o que fez sua cara defrontar o grande sol. Depois deixou de rir como se isso tivesse sido uma heresia".

Certo. Estou acompanhando serenamente:

"E compenetrado com sua tarefa, a mão semicerrada deixando de fora apenas a cabeça dura e aguda da ave, o homem recomeçou a andar com muita força tomando conta do companheiro. A única coisa que nele pensava era o ruído dos próprios sapatos ecoando na cabeça que o sol agora tranquilamente incendiava".

Se não estar a pensar na plenitude do ser. Na completude do espírito, sobre o quê Clarice está a perscrutar?

"E em breve, com a sequência dos passos, de novo o gosto físico de estar andando começou a tomá-lo, e também um prazer mal discernido como se ele tivesse ingerido uma droga afrodisíaca que o fizesse querer não uma mulher, mas responder ao tremor do sol".

Vamos compreender agora o valor que está no humano e para além do humano:

"Nunca estivera tão perto do sol, e andava cada vez mais depressa segurando à frente de si a ave como se fosse levá-la antes que o correio fechasse. A vaga missão o inebriava. A leveza que vinha da sede, de repente tomou-o em êxtase:

- É, sim! disse alto e sem sentido, e parecia cada vez mais glorioso como se fosse cair morto".

Já na página 29, sinto que brinca comigo:

"Então repetiu com inesperada certeza: "é sim!" Cada vez que dizia essas palavras estava convencido de que aludia a alguma coisa. Fez mesmo um gesto de generosidade e largueza com a mão que segurava o passarinho, e magnânimo pensou: "eles não sabem a que estou me referindo".

(riu Clarice - risos)

Monday, December 03, 2012

Reflexo dos Górgias (Editora Paés, 2012)


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Górgias e a Retórica (por Sócrates)


IV — Sócrates — Então, comecemos. Já que te apresentas como entendido na arte da retórica e também como capaz de formar oradores: em que consiste particularmente a arte da retórica? Assim, por exemplo, a arte do tecelão se ocupa com o preparo das roupas, não é verdade?
Górgias — Sim.
Sócrates — E a música, com a composição do canto?
Górgias — Sim.
Sócrates  — Por Hera, Górgias! Tuas respostas me agradam; mais concisas não poderiam ser.
Górgias — Eu também, Sócrates, acho que estou respondendo como é preciso.
Sócrates — Dizes bem. Então, responde -me da mesma forma a respeito da retórica: Qual é o objeto particular do seu conhecimento?
Górgias — Os discursos.
Sócrates  — De que discursos, Górgias? Porventura os que indicam aos doentes o regime a ser seguido para sararem?
Górgias — Não.
Sócrates — Logo, a retórica não diz respeito a todos os discursos.
Górgias — É claro que não.
Sócrates — No entanto, ela ensina a falar.
Górgias — Sim.
Sócrates — E, por conseguinte, também a compreender os assuntos sobre que ensina a falar.
Górgias — Como não?
Sócrates — E a medicina, a que nos referimos há pouco, não deixa também os doentes capazes de pensar e de falar?
Górgias — Necessariamente.
Sócrates — Sendo assim, a medicina, ao que parece, também se ocupa com discursos?
Górgias — Sim.
Sócrates — Os que se referem às doenças?
Górgias — Exatamente.Sócrates — E a ginástica, não se ocupará também com discursos relativos à boa ou má disposição do corpo?
Górgias — Sem dúvida.
Sócrates — O mesmo se dá com as demais artes,  Górgias, ocupando-se cada uma com
discursos relativos ao objeto de que seja propriamente arte.
Górgias — É evidente.
Sócrates — Então, por que não dás o nome de retó rica às outras artes, se todas ela s se
ocupam com discursos, e chamas à retórica arte dos discursos?
Górgias — É porque nas outras artes, Sócrates, todo o conhecimento, por assim dizer,
diz respeito a trabalhos manuais ou a práticas do mesmo tipo, ao passo que a retórica nada
tem que ver com a atividade das mãos, sendo alcançados por meio de discursos todos os seus
atos e realizações. E por isso que eu considero a retórica arte do discurso, e com razão,
segundo penso.

(...)


Górgias — O fato de por meio da palavra poderem convencer os juízes no tribunal, os senadores no conselho e os cidadãos nas assembléias ou em toda e qualquer reunião política. Com semelhante poder, farás do médico teu escravo, e do pedótriba teu escravo, tornando-se manifesto que o tal economista não acumula riqueza para si próprio, mas para ti, que sabes falar e convencer as multidões.

VIII — Sócrates — Quer parecer-me, Górgias, que explicaste suficientemente o em que consiste para ti a arte da retórica. Se bem te compreendi, afirmaste ser a retórica a mestra da persuasão, e que todo o seu esforço e exclusiva finalidade visa apenas a esse objetivo. Ou tens mas alguma coisa a acrescentar sobre o poder da retórica, além de levar a persuasão à alma dos ouvintes?

Fonte: http://www.cfh.ufsc.br/~wfil/gorgias.pdf

Thursday, August 23, 2012

A espera e a recompensa


Dia de sol é injeção de ânimo. A alma, quando percebe toda a luz e energia brilhante que se espalha lá fora das quatro paredes onde se mora, fica acesa e iluminada também. Então sai assim. Colorida, com os ombros de fora, hidratei e protegi a pele para a caminhada até o de trabalho. Blusa branca, esvoaçante, espécie de mini vestido, sobre o jeans surrado. Sapatos confortáveis, cabelos soltos e brincos de palhinha dourada. Um mimo. E eu tão alegre a tagarelar tolices.

Feliz por entender estar construindo algo novo. Um sonho de novo lar, com mais espaço, mais história, mais tons que o preto e branco de agora. Cometi um erro apenas. Uma bobagem: Tão confiante que estava na harmonia promovida pelos raios solares. Crente de que todos os outros seres humanos estariam também investidos dessa energia positiva. De tanta fé na vida, não escondi o entusiasmo por estar viva.

Para minha surpresa, não havia explicação para as esquisitices que sucederiam, já a partir da primeira esquina: Um passarinho morto, de asas fechadas, na calçada em que caminhava. Como pode um ser que voa, que habitualmente se encontra nos céus ou galhos de árvores, ali no chão, como algo empalhado. Talvez tenha sido pelo eletrocutado ao pousar distraído na fiação de alta tensão. Estranha comunicação aquela do Universo. O que Deus estaria querendo dizer com aquilo?

Logo depois, uma senhora, de idade, cabelos grisalhos, numa distinção de sabedoria negra, fazia repetidas vezes o sinal da cruz voltada para a Estrada do Encanamento. Debaixo da sombra das árvores do Sítio da Trindade. Como poderia decifrar, ainda estava sob efeito do espanto, a desconexão entre seres tão livres quanto pássaros, embora mortos, e o sincretismo religioso daquela senhora negra como a noite mais feliz?

O fato seguinte, foi abordagem de um senhor de olhar confuso, perguntou sobre acesso ao "Espinhadeiro". Seria o bairro do Espinheiro? Questionei sem esperanças, na expectativa de poder ajudar tola e superficialmente indicando trajeto à Tamarineira, impregnada pelo efeito da palavra e pela confusão que vi nos olhos dele. Se as letras estavam trocadas, imagine quantas ideias o confundiam. A forma de perguntar foi tão pouco convidativa, com mãos e braços exasperados em minha direção, para voluntária ajuda a um estranho, que dessa vez não parei. Com medo e a certeza do fracasso, desculpei a mim mesma porque não ter a informação.

Continuei caminhando refletindo sobre a tal quinta-feira tão ensolarada e, ao mesmo tempo. treze. Carregada de símbolos que não compreendia, nem decifro agora mesmo. Depois do que achei, seria tudo, três homens queriam tomar de assalto, sobre o viaduto. A construção liga o bairro do Parnamanirim à Torre e onde foi erguida para favorecer supermercado de nome francês. Dou a eles ouvidos moucos, talvez porque levava comigo  a única máquina que restou nos últimos anos de trabalho. Nela mais de 300 textos, contra três míseros homens? Barbada. Não pensei duas vezes. Nem hesitei em atravessar o lugar reservado aos carros. Não dei não a bolsa.

Dei de ombros àquela ordem com um desdém danado, dizendo "dou nada" e expressando a minha fúria com uma deselegante exibição do meu dedo de dimensão máxima. Arrisquei sim, durante o ocorrido, por duas vezes, a vida e o resultado de tantos anos de dedicação e escrita talhada em teclas suaves, num teclado como este, circunscritas. Primeiro por ter cruzando a pista, sem olhar se os carros vinham. Depois pela ousadia de chegar tão perto, tentando apressando o passo deles com o barulho de um jornal sobre a mão ora aberta ora fechada.

O que eu sabia, e eles nem desconfiavam, é que ali, naquela bolsa, estava a década que não foi perdida. Um dos homens, achando que eu temeria uma frase, praguejou: "vai morrer atropelada". Não foi dessa vez. Não morri porque não me usurparam ali, no viaduto, sob o sol das dez da manhã, de uma quinta treze linda, a máquina e o celular com infinidade de contatos irrecuperáveis e mensagens guardadas. Voltei pra casa. Acomodei em local mais seguro a bolsa com a máquina. Renascida e motivada pela violência, voltei a escrever. Depois de estar tão morta por meses, que pareceram anos, pelo menos para mim.

O final desta história é ainda mais feliz e justo ao saber que eles ficaram esperando que eu atravessasse novamente o viaduto, para na segunda vez bem suceder no assalto. Vão esperar para sempre, porque o medo de encontrá-los novamente, fez afinal minha mente se convencer de abrir mão das caminhadas em quintas-feiras ensolaradas e descobrir horário e ponto de partida do coletivo que diariamente faz viagens  com passageiros talvez mais avisados do que eu, com o mesmo destino que escolhi. Se não descobri isso antes, foi por impaciência mesmo. Porque se as empresas divulgassem o trajeto dos ônibus e horários certos da passagem pelas paradas, tudo seria bem mais simples. E seguro.

Tuesday, June 19, 2012

Sobre o amor    
                            
O fato é que é preferível a verdade, faça sofrer ou não, que qualquer "bem intencionada" mentira. Até mesmo porque o Amor só existirá no instante depois. Pelo menos é o que preferimos nós filósofos. Sobre o amor, Barthes já observava: o amor é um assunto mais obsceno, para nossos contemporâneos, do que o sexo. Mais incômodo. Mais íntimo. Mais difícil de dizer, de mostrar, de pensar. Digamos que a sexualidade tornou-se uma espécie de regra, à qual não há como não se submeter. O amor seria antes uma exceção. A sexualidade faz parte de nossa saúde. O amor seria antes uma doença, em todo caso um distúrbio. A sexualidade é uma força. O amor seria antes uma fraqueza, uma fragilidade, uma ferida. A sexualidade é uma evidência; o amor, um problema ou um mistério. Pode-se duvidar, inclusive, de sua existência ou, no mínimo, de sua verdade: e se fosse apenas um sonho, uma ilusão,uma mentira? Se por toda parte existisse apenas o sexo e o egoísmo?

Se o amor só existisse, como sugeria La Rochefoucauld , na medida em que falássemos dele? (…) Amar é poder desfrutar ou regozijar-se de algo ou de alguém. É, portanto, também poder sofrer, já que prazer e alegria dependem aqui, por definição, de um objeto exterior, que pode estar presente ou ausente, dar-se ou recusar-se. “Em relação a um objeto que não é amado, escreve Espinosa, nenhuma querela nascerá; não sentiremos tristeza se vier a perecer, nem ciúmes se cair em mãos de outro, nem temor, nem ódio, nem perturbação da alma…”, Estamos longe disso, e basta dizer que o amor nos prende como a ele nos prendemos. Se nada amássemos, nem nós mesmos, nossa vida seria mais tranqüila do que é. Mas é que também já estaríamos mortos.

Não se pode viver sem amor, explica Espinosa, já que é o amor que faz viver: “Em razão da fragilidade de nossa natureza, sem algo de que gozemos, a que estejamos unidos e por que sejamos fortalecidos, não poderíamos existir.” O amor é uma potência – potência de gozar e de regozijar-se – mas limitada. Por isso ele marca também nossa fraqueza, nossa fragilidade, nossa finitude. Poder gozar e poder sofrer caminham juntos, como a alegria e a tristeza, e é o que significa e ao temor, ao gozo e à falta, enfim ao trágico e à insatisfação. (…) O que é o amor? Espinosa dá esta bela definição: “O amor é uma alegria acompanhada da idéia de uma causa exterior.” Amar é regozijar-se de. Mas, e se a causa faltar? Resta, então, apenas a mágoa ou a falta. É onde se pode pensar a relação entre duas definições do amor, que dominam toda a história da filosofia.

Há a de Espinosa, que já era, no essencial, a de Aristóteles: “Amar, dizia este último, é regozijar-se.” E há em seguida a de Platão, que parece dizer bem o contrário. O amor, para Platão, não é primeiramente um alegria. O amor é falta, frustração, sofrimento: O que não temos, o que não somos, o que nos falta, eis os objetos do desejo e do amor.” São dois amores diferentes, que os gregos designavam por duas palavras diferentes: philia, para a alegria de amar, e eros, para a falta.(…) A falta e a alegria, Eros e philia, não são menos diferentes um do outro. Eros é primeiro, claro, já que a falta é primeira: vejam o recém-nascido que busca o seio, que chora quando lho retiram. É o amor que toma, o amor que quer possuir e guardar, o amor egoísta, o amor passional; e toda paixão devora. Te amo: te quero. Como este amor seria feliz? É preciso amar o que não temos, e sofrer com essa falta; ou então ter o que não falta mais (já que o temos) e que por isso amamos cada vez menos (já que só sabemos amar o que falta). Sofrimento da paixão, tédio dos casais. Ou então é preciso amar de outra maneira: não mais na falta, mas na alegria, não mas na paixão mas na ação – não mais em Platão mas em Espinosa.

André Comte-Sponville descreve longamente, sobre o amor, deseperadamente: "Te amo: sinto-me feliz porque existes". Todo casal feliz, e apesar de tudo existem alguns, é uma refutação do platonismo. Eros é a falta e a paixão amorosa: é o amor que prende ou quer prender. Philia é a potência e a alegria duplicada pelas do outro: é o amor que regozija e compartilha. Olhem a mãe e o filho. O filho toma o seio: é Eros, o amor que toma, é a própria vida. E a mãe dá o seio: é philia, o amor que dá, graças ao qual tudo continua e muda. Pois a mãe foi primeiro um filho: como todos, começou tomando. Mas aprendeu a dar, pelo menos a seus filhos, e é o que se chama um adulto. No início existe apenas Eros (há apenas o isso, como diz Freud), e talvez disso não escapemos: cada um começa tomando e não pára nunca. Mas, enfim, trata-se de aprender a dar, ao menos um pouco, ao menos à vezes, ao menos àqueles que amamos àqueles que nos fazem bem ou nos regozijam (…) Dar sem tomar? Regozijar-se sem querer possuir nem guardar?

Seria philia liberada de Eros, seria o amor liberado do eu, a alegria da falta, e foi o que os primeiros cristãos- quando foi preciso traduzir para o grego a mensagem do Cristo – chamaram ágape, que pode ser traduzido indiferentemente por amor ou caridade. É o amor liberado do eu, e por isso sem fronteira, sem margem, sem limite. Que deles sejamos capazes, duvido muito. Mas, enfim, isso indica pelo menos uma direção, que é a do amor: o amor não é o contrário do egoísmo; é seu efeito, sua foz - como um rio se lança no mar -, enfim seu remédio ou, como diria Espinosa, sua salvação. Vais passar toda tua vida a buscar um seio, ou a querer guardá-lo, ou a dele sentir saudades, quando há um mundo inteiro a ser amado? Nunca se ama demais. Ama-se mal e mesquinhamente. O amor é falta ou plenitude?"

Amor e demência




      Amor é uma espécie de demência. É preciso abstrair opiniões sobre fatos para amar alguém. Porque a pessoa não virá em constituição de leis, artigos, emendas. Ela virá incompleta e imperfeita, sem seguir qualquer regra, por mais disciplinada que seja. Porque demência, ao pé da letra, quer dizer diminuição da mente. Perda progressiva da capacidade cognitiva. E, pelas anotações que faço, por puro reflexo condicionado, posso identificar que é contagioso. Sempre que sinto, mesmo sem querer, repasso.

     Porque amar é um estágio de demência. Ele passa, mas enquanto dura pode fazer tudo funcionar ao contrário do esperado. Vide Romeu e Julieta. Não entendeu? Eu explico, acompanhe comigo: É provável que o objeto amado ganhe mais nuances em cores berrantes das imperfeições ou incompletudes do que almeja, justo porque seu olhar sobre ele seja assim rigoroso e atento a tão mínimos e pequenos detalhes. Por isso que, quando se quer amar a mesma pessoa, é preciso sentir, mas quando vir, não olhar. Expliquei ou falei do contrário? Será que estou por amores a você?

     Amar exige essa espécie de demência. Porque o demente não percebe o ambiente em tudo que ele representa. Talvez atenha, inclusive, a um detalhe que lhe agrada e amplie na tela como se faz agora com polegar e indicador juntos nos aparelhos mais espertos. Tem que olhar a ética que o outro inventou para ele. e suportar, aceitar. Mas isso já não seria amar. Porque se amor é admiração, como se pode amar sem admirar? Então a gente quer opinar, corrigir e isso já não é mais amor. Não quando se quer mudar. Fazer ouvido de mercador - para negociar depois - às frases extremistas, radicais, invertidas, subversivas, carregadas de boicotes em si mesmas. Tem que fazer vista grossa aos maus humores. Talvez por isso interesse você, que eu amo, nem gostar de mim.

     Amar amar mesmo, em dedicação contínua de atenção, exige um bocado de demência, de limitação. Acredito por leitura, e opinião amalgamada por experiência e conveniência, que tenha mesmo apenas três anos de duração esse efeito. As reações químicas por todo o cérebro e corpo não duram para sempre. Agora, que passou um ano, posso dizer que amor é o tipo de demência que se instala na pessoa e sai quando quer, porque não entende qualquer ordem ou obediência. Amar é uma demência. Que seja passageira. Porque amor mesmo, é o que vem depois.

Um bom vinho

Ali na prateleira estava seu sonho. Seu vinho português preferido: Carcavelos. Não por acaso, produzido numa das menores regiões demarcadas de Portugal. Ainda, localizada na costa de Estoril, próxima da Foz do Tejo. Ex – Costa do Sol. Distante apenas dez quilômetros de Lisboa. Tudo na história daquela garrafa interessava a Marta.
Interessava, por exemplo, que Carcavelos fora demarcada em 1908, que fora o Marquês de Pombal seu principal defensor. Seu modo de estar, plenamente, rodeada de urbanizações. Mas, principalmente, pelo fato de produzir um vinho generoso. Feito em bica - aberta. Tal como outras regiões esta corre sérios riscos de extinção.
Marta era uma mulher severa e muito sozinha. Tinha hábitos que remetiam as pessoas mais antigas. De uma organização simples, quase franciscana. Mas com este requinte. Gostar de origens. Ter um apego às coisas com significados e tradições. E coincidências como datas. Quer saber uma que pegou Marta? Ela nasceu no mesmo dia em que a região de Carcavelos foi demarcada. Exatos dois séculos depois que o Marquês do Pombal, enviou vinho da sua quinta Oeiras, para a corte de Pequim, na China.
Isso foi em 1752. Ela se pergunta se, naquela época, era mais fácil conseguir uma garrafa. Por ser uma região ocupada pela vinha muito pequena, e, por esta razão, o Carcavelos dificilmente se encontrar no mercado. Para que todos entendam melhor a grande afeição de Marta, preciso dizer que trata-se de vinho licoroso, de graduação alcoólica com variação de 18º a 20º e que alguém já tomou como melhor indicado enquanto aperitivo ou vinho de sobremesa, pelo grau de doçura.
Assim como é a própria Marta, que produz mais pensamentos livres de impurezas que doçura, em suas dores caladas. Por empenho e força de buscar as infindáveis características da bebida preferida feita em uvas pisadas. Sobre seu vinho, costuma dizer para amigos que carrega suavidade em tema e paladar aveludado. Só esconde saber do seu envelhecimento rápido. Pelo tempo de dois anos em casco, bastante para introdução da rolha e para que seja engarrafado. Selado. Identificado por uma família com rótulo. Para, então, ser comercializado.
Carcavelos vem com ligeiro tanino e é rico em álcool natural. Tudo que aprendi com Marta. Que conheceu Carlos, por intermédio de Fátima, depois de Marta lhe apresentar ao vinho. Formam, hoje, dois casais. Completos em suas essenciais parcerias para todo o sempre.           
Como no último final de semana em que estivam juntos. Marta, Carlos, Fátima e uma rara garrafa de Carcavelos. Conversaram muito, ajudando a compreender seus mistérios. A preencher seus vazios. Reviram aflições que só solidões despertam. Numa daquelas interações de seres mais completos. Foram duas noites indescritíveis. Como fossem pintadas por Monet. Uma bela lua, vento soprando cabelos na varanda. Até o vinho Carcavelos, presente fisicamente em todos. Nos copos e nos corpos, deixaram espreguiçadeiras balançando, em direção à leve noite de sono. Em abraço ampliado.
No sonho de Fátima, sem qualquer explicação, estava a imagem de Carlos. Não como o amigo de sempre, porque nunca esteve interessada amorosa ou sexualmente nele. Marta despertou estranhando a sim mesma. E serviu um café da manhã, mais forte que o de costume, para existências agora incompletas e confusas, espectros difusos.
Chegou à conclusão de que, embora gostasse muito da amiga Fátima, naquela troca, tomaram muitas liberdades. E que agora, o melhor mesmo seria uma amizade à distância. Para que o vazio deixado, Fátima fará que seja preenchido por novos parceiros. Escolhidos para a ocasião, como vestidos, ou como são, por Fátima, os vinhos. Ambas sentem falta de ponderações ajuizadas em cumplicidades de amizade de tão longa data. Mas, ao mesmo tempo, tanto para Marta quanto para Fátima ficou a lição, de que não se pode ter tudo, ao mesmo tempo na vida. Ou bem um homem, ou bem um bom vinho.

Saturday, June 16, 2012


Bloomsday!!: 


Para além dos Dublinenses, livro pouco comentado de Joyce, no Brasil, é a coletânea de contos, pela Coleção de Clássicos Modernos, da Ediouro, com tradução de Hamilton Trevisan. Apenas quatro deles apenas: A pensão, Os Mortos, Eveline e Arábia. 

O mais comovente e envolvente, na minha opinião, é mesmo o primeiro, sobre o drama da personagem Polly, filha de madame Mooney, ex-mulher do açougueiro e dona da pensão. Mas neste dia, gostaria de ressaltar trecho do segundo conto. E destacar da história trecho da conversa entre dois personagens do animado e controverso grupo participante da quadrilha - dança típica irlandesa. Molly havia-se dito "envergonhada" ao descobrir de quem se tratava o pseudônimo G.C. E, em tom sério, toma satisfações sobre o amigo de longa data escrever para um jornal "anglófilo": 

"Gabriel estava perplexo. Era verdade que escrevia a resenha literária semanal do Daily Express recebendo para isso quinze xelins. Mas, por certo, não fazia dele um traidor. Os livros que recebia para comentar davam-lhe muito mais prazer que o ínfimo cheque. Gostava de sentir as capas e virar as páginas dos livros acabados de imprimir.

(...) 

Não sabia com enfrentar aquele ataque. Queria dizer que a literatura estava acima da política, mas eram amigos a muitos e muitos anos e suas carreiras - primeiro na Universidade, depois como professores - tinham sido paralelas: não poderia arriscar uma frase grandiosa com ela. Continuou a piscar os olhos," 

(Contos, Os Mortos, James Joyce, tradução: Hamilton Trevisan). Boa leitura!


Nota de rodapé: na foto, que bem serviria para anunciar o dia de homenagens a James Joyce, é um instantâneo (anterior ao instagram) de autoria de João Valadares, na companhia do amigo de longa data, também jornalista, não colaborador de algum jornal "anglófilo", que eu saiba, Lula Portela. http://www.ufrgs.br/proin/versao_2/joyce/index.html

Tuesday, May 29, 2012

Que verdade inventar?



É preciso maestria ao inventar uma verdade. Mesmo agora, que espero apenas reconhecer incompletudes do mundo, a verdade precisa ser completa e escolher para que lado vai caminhar. O mais preenchedor de todos, de preferência. Fico incomoda por demais quando sou dada a tolices, como desperdiçar o tempo na companhia de pessoas que não são de verdade. Aquelas que contentam com superfícialidades e querem tornar o mundo mais parecido com elas, porque não sabem nadar, não entendem de mergulhos e querem que a conversa se dê sempre no nível mais raso, porque temem se afogar. Não há nada mais mesquinho que querer tocar uma verdade apenas para torná-la uma mentira. Mesquinhez é sinônimo de desconfiança, sabia? Outra coisa que não tenho mais idade, nem paciência para lidar são as inversões. Prefiro as imersões.


Quando a  invenção é egoísta e precária não merece atenção. É tudo tão imediato e vai morrer, sucumbir tão rápido, que não vale a pena dar atenção. Ainda mais porque há outro fato que incomoda, como nota dissonante, soa falso. Tanto que promove um nervosismo de fazer rir. É vergonha alheia. Lamento, porque é triste dar ao trabalho tão grande de inventar uma verdade que não convence. Por outro lado, me pergunto o que é uma verdade completa e que faz bem? Onde está o contrário dos egoísmos tão visíveis, como impulsos naturais, animais. Como é que faz com arte a invenção de uma verdade completa, não apenas uma parte?

Monday, May 28, 2012


Salve Samuel

     Samuel está muito preocupado. Esteve insone durante toda a noite. Está cheio de conjecturas e preocupa-se muito com a paz mundial. Samuel gosta de falar em bravuras. É dado a bravatas. Brigas internas, no trabalho e em casa. Discutiu com toda a família. Nem com o pai ou a mãe mais fala. Mas ele está muito preocupado com a paz mundial.

     Samuel é um rapaz generoso. Pensa em todos. Preocupa-se com todos. E preventivamente se afasta quando julga que pode magoar alguém. Não gosta de ferir ou ser ferido. Por isso prefere uma distância regulamentar. Por segurança. E para não prejudicar ainda mais a frágil estrutura da paz mundial.

     Samuel é um moço bom e dedicado. Disciplinado. É capaz de estudar os mais difíceis pensadores para chegar a conclusões que ajudem a melhorar o mundo. Quer transformar a todo custo. E se empenha para entender o que ninguém ainda enxergou.


    É capaz de mover montanhas para salvar uma vila da enxurrada. Mas não levantará um dedo para resolver os próprios problemas como ter casa, comida e roupa lavada. Samuel sou eu em minha paz mundial.

Tuesday, May 22, 2012

Espectroscopia


Do ultravioleta ao infravermelho. Nem toda transferência de energia é cheia de força e cor. Há o momento de um filamento incolor. Ainda mais quando fragmentamos e foi exaustivo o dia. Nossa luz interna se modifica e na emissão ficamos de uma forma mais neutra, você entende? Talvez nem eu mesma entenda. Li e absorvi por aqui informações sobre espectroscopia. Sempre me intriga tanto o surgimento do arco-íris. Ainda mais imaginar que já desenvolvemos uma máquina capaz de encontrar o logaritmo de uma taxa que pode medir a quantidade de absorbância. A intensidade de um feixe e outro. E tantas outras coisas sobre a luz visível e os raios UV. Mas tudo não passa de uma troca não é mesmo? E da transformação das substâncias - às vezes apenas em suas superfícies - pela troca. 

Imagine que ainda trocamos sem nem perceber que estão ali outras microondas, raios x e gama, ondas de rádio e tevê. Claro, tem mais ainda o celular. Talvez, o mais importante da Espectroscopia seja perceber que alguns materiais são ultrapassados, outros modificam no contato e que para luz UV é preciso invólucro de quartzo, porque o vidro e o plástico modificam. Nunca gostei mesmo de plástico. Outra premissa, para entender essa carta, é que essa luz atravessa mundo e rompe distâncias infinitas. Talvez nem existam mais as estrelas que enxergamos hoje. O que importa é que elas estarão para sempre, de alguma forma, em nós. E que o essencial não é invisível a todos os olhos. Assim como já há como escolher da cartela de cores do infravermelho à ultravioleta. Não sou boa conselheira, como você. Mas sinto que perder a verdade em si mesmo é uma fragmentação dispensável. Talvez só para medir a intensidade, pode-se usar uma máquina, não um ser humano.

Agora que está nas alturas, a decolar, tudo parece um pouco triste. Estaremos mais distantes um do outro. Depois, quando voltar ao lugar, estará tudo de volta ao material de antes. De alguma forma, mesmo que modificado e buscando outra intensidade de energia. Então, esse momento nas alturas será o melhor de todos. Para perceber o que faz bem. O que dá sorte e o que nos recupera em essência, depois de tantas transformações e análises.


Monday, May 21, 2012

Mau humores. Assim como os rumores.
Começo de ano deixa mesmo este sentimento na gente: Um quê de quem avalia. Fecha para balanço. Olha em detalhes, vê em minúcias. Eu analiso. Foi um ano cheio. E promissor. Fiz tanta coisa. Tudo aquilo que decidi fazer. Porque a gente só realiza quando faz assim.
Muita coisa pode mudar em pouco tempo. O cheiro do café já não é mais o mesmo. Porque escolho o melhor pó do mercado. Como num ritual sagrado. Já plantei os grãos, colhi e torrei eu mesma. Café semeado para, depois de moído, ser torrado. O cheiro agora anima toda a vila, tempera minha vida. Acompanhando tapioca e  pão italiano assado. Bebo o preto das minhas lembranças.

Monday, May 14, 2012

Felicidade sem espera





"Se o filósofo puder optar entre uma verdade e uma felicidade - felizmente, o problema nem sempre se coloca nesses termos, só às vezes - ele só será filósofo, ou será digno de sê - lo, se optar pela verdade. Mais vale uma verdadeira tristeza do que uma falsa alegria."


A felicidade, desesperadamente
André Comte - Sponville

Leio há dez anos sobre a felicidade, o amor, a paixão, a filosofia e temas correlatos que interessam ao pensamento que busca respostas mais essenciais. Que, na minha opinião, é o justo o que alimenta mais no ser humano o seu espírito natural e divino. Esse substrato do pequeno livro da Martins Fontes sempre me intrigou um pouco. Por isso, talvez, precise reler em momentos diferentes da vida para entrar num acordo com um autor e comigo mesma.

Invariavelmente, o que ela provoca em mim, é um sentimento de que, não tenho tão fácil aceitação de uma tristeza, mesmo que ame a verdade, e conheça a transcendência alcançada com a mesma. O fato é que a falsa alegria está mesmo fora de cogitação, a ela tenho chamado de tolerância impraticável, porque só nos aproxima mesmo é do sofrimento, da subordinação a sentimentos tolos, difusos e que, em geral, serão nos cobrados depois tal qual um ato movido pela cegueira, pela burrice, ou por quem desconhece seus limites, e, como um infante, precisa se lançar no obscurecido pela necessidade de experimentar.

Acredito, com o tanto de reflexão que tenho empenhado ao confrontar esse pensamento com os sentimentos formados em mim, que acabo sempre envolvendo a esperança e o desejo de transformação da falsa alegria em alguma verdade, embora saiba da força dos fatos e das naturezas imutáveis. A minha natureza quer transformação. O que gera outro dilema: atinar para a valorização do desejo. Porque não há nada mais ingênuo que sobrepor a fantasia à realidade. Não se trata disso. Menos ainda de empregar inúmeros esforços para modificar ambientes com identidade distinta àquela projetada.

O que André Comte - Sponville chama de "felicidade malograda", ou "armadilhas da esperança", quando se está submetido ao desejo de felicidade como um enforcado. Usando para explicar com as palavras de Pascal que "todo homem busca a felicidade. Até mesmo o que vai se enforcar". Não se trata de subverter valores, como que dando ouvido às rebeldias, para encontrar explicação e motivação para aproximar tanto na falsa alegria quanto na vedadeira tristeza algum elemento que caracterize "uma sabedoria da felicidade, da ação e do amor". E estará mesmo apenas quando a felicidade for compreendida como meta da filosofia e não norma.

Precisamos ainda superar a sensação da dialética entre desejo e sofrimento, segundo Schopenhauer. Porque "quando desejo o que não tenho, é a falta, a frustração, o sofrimento. E quando o desejo é satisfeito, não é sofrimento, já que não há falta, embora não seja felicidade, uma vez que já não há desejo". É o tédio. Então, como que nos encaminhando para uma armadinha confeccionada com propriedade, nos dirigimos para a incompletude do vazio. O único modo de compreender e valorizar a alegria que está incompleta pela ausência de verdade é oferecer a ela os elementos para que transponha o lugar onde está.

Da mesma forma que compreender a tristeza vai exigir empenho de formação para aceitação prévia ou alguma compreensão do fato que vai aprisioná - lo porque gera a dor. Talvez seja necessário descobrir que não se alcançará a divindade ou a beatificação senão como os antigos deuses gregos, a exemplo de Hércules, Odisseu, Perseu. O bando de eus. O entorpecimento não está em questão aqui. Embora compreendido como bálsamo da vida moderna, não há, nessa consideração, abstração do que pode significar a inadequação dessas palavras enquanto relato significante da realidade. Já não quero mais falar tão a sério sobre o assunto. Apenas ler um pouco mais e seguir adiante.   

Saturday, May 12, 2012

O beija - flor voltou. Veio acompanhado agora. Não belisca mais o vidro da janela. Pousa na tela de proteção da varanda vizinha. Minha varanda não tem disso. Então, o beija - flor, enquanto brinca com seu amor, de soslaio me olha. No sítio vizinho, outro tipo de passarinho, bica um cacho de bananas amarelinhas.

Friday, May 11, 2012

Felicidade e Virtude

"Não há felicidade sem virtude"
Denis Diderot

"Gallione, irmão meu, todos os homens desejam a felicidade mas nenhum consegue perceber o que faz a vida tornar-se feliz. É meta tão difícil de conseguir que, em se tornando o caminho errado, quanto maior a pressa, maior a distância do objetivo. Quando o caminho conduz à direção diversa, a velocidade amplia a distância."

Cada gesto apressado nós afasta do rumo certo, no mínimo, cem metros. Como é delicado e como exige tanta atenção viver bem. E de bem, consigo mesmo. Como, na vida, tudo é tão precioso e merece que nossa ação seja cuidadosa e medida, pensada, em cada fração de segundo.

      Preciso nunca esquecer de inverter a lógica do espelho, que reflete sem pensar. A vida de quem é real é tão mais simples, que rezo todos os dias porque tive a chance de conhecer essa simplicidade. De conviver com ela e estar junto, lado a lado, circunstância a circunstância, todos os dias.

      Posso não parecer alguém feliz. Claro, sofri e sofro, de certo sofrerei desiluções nessa vida. Tenho, ainda, com todo esforço e dedicação, muita tristeza em mim. Mas, sim, estou sempre acordando um estado dessa simples e terna felicidade de uma vida normal e sem luxos. Algo que seja dacordafelicidade. Como alguém que observa e enxerga o real. Sendo uma pessoal real. No mundo.
Sorte ou Azar?

      A gente é capaz de tanta coisa difícil. Às vezes consegue star em dois lugares ao mesmo tempo, de algum modo. Mas, descobri hoje, um tanto triste, que não se pode ensinar certezas. Muito menos a quem quer aprender com a dúvida. Ainda mais quando a maior de todas as certezas é lidar justo com ela (ela mesma: a tal da dúvida), o tempo todo, uma vida inteira.

     Então, está combinado. A única coisa - de verdade - a fazer é estar certo de onde quer chegar. O caminho que quer seguir. Por alguma fé no que chamam de amor. Fazer uma escolha e apostar nela. Sem parar. Depositar no número preto ou vermelho, par ou ímpar, todas as fichas. Esperar a bolinha rodar, no girar da roleta, e cair. Independe qual seja o número? Tem que emanar boas energias. E creditar à sua aposta, toda fé que puder. Ter crença naquilo que está surgindo.

     Quem sabe a força do seu pensamento não é capaz de influenciar a bolinha. Vai que é isso que chamam de sorte. Vai que a vida se faz inteira assim: no pensamento. Que isso que a gente chama de coração está bem aqui, acima dos olhos, por baixo do couro cabeludo.

      E não é mesmo o cérebro quem guarda tudo? As experiências podem ser negativas ou positivas, depende do modo com que minha razão vai enxergá - las. A gente confunde sorte ou azar com a falta de vontade de ganhar.
Preciso um grito

       Algum grito que me erga. Logo, aconteça. O grito pelo fim de uma espera. Grito que desperte outros sentidos. Grito que acenda chamas e espante, como a mosquitos, qualquer ato mesquinho que me entristeça. A melhor condição de espera é a que não te adormeça. Não trave portas, pelo contrário, abra caminhos.

       Desempeça passagem do fluxo dos pensamentos, dos impulsos, em velocidade alfa, gama ou beta. Permita criar nova tragetória, lugar que esteve, todo esse tempo, à minha espera. Que não fora experimentado pelo bloqueio de um cérebro ou gasto em promessas.

      O que estimula o pensamento não é apenas o sentimento? A afirmação de si próprio? Não é apenas a força e o poder da experimentação do mundo? É aquilo que existe de inusitado em mime e é novo, qualquer que seja a sua direção.

      Está no mesmo caminho. Não evito mais a perda por outros medos como da solidão e do vazio. Preencho com minhas palavras, a página em branco e, logo, estarei bem diante dos olhos, como uma escrita natural em si mesma. Apenas por seguir o próprio fio.
Sobre a Felicidade

A Felicidade, segundo Robert Misrahi, é o questionamento mais original e mais concreto, mais vasto sobre os sentidos de orientação e significação. Também o questionamento de conteúdos que queremos dar às nossas vidas, às nossas existências. E isso é, precisamente, o que se chama de ética.

Aristóteles (384 - 322 a.C.) - filósofo grego, discípulo de Platão - dos grandes filósofos do mundo, criou a terminologia usada pela ciência e pela filosofia até os dias atuais: Ética. E fez a associação: "A Felicidade consiste em fazer o bem".

Por que fazer essa reflexão? Para que serve se perguntar sobre a ação e a existência de Ética?Ainda de acordo com Misrahi, primeiro porque é 'a própria liberdade de ação que justifica a interrogação sobre os fins da ação".

E, por conseguinte, a expresssão "futuro melhor". E explica seus efeitos práticos: "O que é concretamente almejado, através da idéia de uma vida melhor, é a experiência contínua de uma vida substancial".

O autor do livro "A Felicidade", acredita ainda que "essa experiência qualitativa implica ao mesmo tempo à densidade de um prazer espiritual e existencial e à transparência de uma consciência capaz de reflexão que se caracterize pela adesão à sua própria vida e às suas próprias escolhas".

E que, a experiência qualitativa, "que é a da plenitude e do sentido, perderia toda sua substancialidade, toda sua espessura existencial e dinâmica se ela fosse apenas passageira". A Felicidade, escreve ele, para merecer realmente esse nome, implica a duração e a permanência da experiência que a constituiu.

Essa experiência de ser não é a experiência mística de um ser transcendente que pudéssemos aprender na noite da inteligência e no êxtase da alma; ela não é a experiência do ser, mas sim a experiência de ser.

Good bye, Good  Mr. Autumn.

Thursday, April 26, 2012

Just a little dance


Only a little time to dance. Choose one and dance. Just for a few time. Take your soul before choosing. And dance with happiness in your eyes. Dance with some warm in your heart. Dance to hold hands. And change some old ideas. Transform, in someway, the way you're thinking. Modify some feelings about yourself and the perspectives of your life. And be happy, one more time.

Friday, April 20, 2012


Urro de Ursa

     Primeiro: estou sentindo o que chega com uma força de ursa que também sou. Aquecida e irritável. Era sangue em massa de força preso nas veias. Nas têmporas. Não urrei. Não soube abrir a boca ou levantar os braços num grito legítimo de dor. E aquietei toda aquela massa acomodando em veias frágeis o volume de um rio caudaloso. O silêncio é mais mortal que venoso. O meu ao menos foi. Pensei que estaria morta no minuto seguinte porque o sangue rompeu vasos e tornou se dores, na nuca e espinha dorsal. Dorso de ursa de olhos fixos. Esbugalhados.
    Mas o silêncio que mata consolida. Hoje alivia aos poucos. A solidão do inverno ou do frio de bicho sem pêlos já passou. Também não opto por hibernar. Saio pelos campos para ver a primavera chegando de mansinho. Em cores leves, em tons suaves. Nude. Cenas em cores que vejo até nos sonhos. E o extrativismo humano arregala olhos diante disso. A minha crença ainda é vermelha. Mas sou gata azul no escuro, daí não assusto. Choro lágrimas em letras pretas sobre pedras brancas que não me darão, por isso, um ser possível, real. Meus olhos são porta para o novo, o tempo todo. Quem os vê de perto não resiste e eu? Sofro. O novo agora é mais vivo em mim que antes de dar esperanças de novo. Não apenas sonho. Vivo com imagens posteriores.
     Meu pensamento, o tempo todo, transporta para algum outro lugar. Abro portas numa fração de segundo e deixo a visão chegar. Não importa se isso não é comum. Importa minha força em saber das imagens e do pensamento em transportar. Não é transe, só uma capacidade de sintetizar, visualizar. Deve haver uma palavra para isso.  Não é somente imaginação. Tem também uma espécie de materialização da imagem no meu pensamento, com uma força de coisa real. Qual a palavra diria isso? Invenção?a  gente convencionou chamar avião de invenção e voou. As microondas estavam ali e ganharam botão do play para aquecer moléculas de água.
     Como a raiva que tenho agora. Esquenta meu corpo, dá sintomas de ira, sangue que ferve e depois amolece. Fica doente. Não quero esse roteiro para mim. Vou modificar com a mesma capacidade de pensar. Não interessa o que esperam do meu jeito ingênuo e, às vezes, pueril. De pessoa cheia de esperanças mesmo. Vou mudar meu pensamento e fazer outras imagens. De viagens. Afinal, sou muito boa nisso.

Wednesday, April 18, 2012


Efeito Borboleta


Quanto tempo vive uma borboleta livre? Depende, varia com a espécie. Em média, uma borboleta vive, ao certo, duas semanas mais ou menos. Incertamente, pode durar em história, muito mais. Ou muito menos. Uma espécie da Costa Rica vive dois dias. As espécies tropicais vivem de seis meses a um ano. A penas. Duras penas.

E as asas, por sim? Se morre tão rápido, por que borboleta tem asas tão coloridas? Porque as cores, de fato, são importantes para machos e fêmeas reconhecem um ao outro como sendo da mesma espécie. Da mesma família. As cores brilhantes servem para avisar aos predadores, em geral pássaros, que há substancia tóxica. Portanto, não toque nessas que brilham até no escuro.

Outras borboletas e mariposas, embora não sendo tóxicas, podem ter cores que mimetizando espécies tóxicas e para proteger dos predadores. Fingem gostar do mesmo gênero. Adquirem modos de homologação de si mesmas ou deles mesmos por proteção. Algumas borboletas disfarçam e assim passam a vida em cores semelhantes às cores do ambiente. Camufladas e, portanto, menos visíveis ao próprio entorno. Tal perigoso lugar que as cerca.

Como é longa a busca! Simplifico e respondo: Quantas borboletas e mariposas existem e onde elas são encontradas? As borboletas e as mariposas são encontradas em todos os continentes, exceto na Antártida. Não se confundem com dois dedos de água e muito gelo. Os cientistas acreditam que haja aproximadamente entre 12 e 15 mil espécies de borboletas e de 150 a 250 mil espécies de mariposas no mundo. No Brasil, lugar do qual se apropriam, há mais de 3.500 espécies de borboletas já descritas. No cerrado, existem aproximadamente mil espécies de borboletas e de 5 a 8 mil espécies de mariposas. Milhares de espécies ainda estão por serem descobertas e descritas pelos cientistas e encontradas soltas, flutuando entre montanhas.

Para que se facilite o encontro, falemos da diferença entre borboletas macho e fêmea. Em muitas espécies de borboletas, as cores das asas dos machos são diferentes das fêmeas e assim é possível saber quem é quem. A maneira mais segura, no entanto, é analisar o abdômen. As fêmeas com abdômen mais arredondado e possuem uma abertura também arredondada na pontinha. Os machos possuem uma pequena abertura vertical também. Mas é possível distinguir de longe.

É seguro tocar uma lagarta ou borboleta? Algumas lagartas são recobertas por pêlos urticantes que podem causar desde um ligeiro desconforto até queimaduras leves. A maioria das lagartas são inofensivas. Crisálidas e borboletas são extremamente delicadas e podem ser danificadas facilmente, mas são inofensivas ao toque. As asas das borboletas são recobertas por escamas. Essas escamas se soltam formando pó, que pode irritar os olhos como qualquer tipo de poeira.

Por fim, a melhor forma de aprender sobre esses insetos é observá-los em seu ambiente natural. O mais importante e que precisa ser dito, é que trata - se de borboleta. Sempre. Não mariposa, nem lagarta. A força está na sua fragilidade e delicadeza. E no jeito leve de compreender a beleza da vida.

Agora, se me pergunta o que é preciso fazer para criar uma borboleta? Primeiro, é preciso encontrá - las na fase lagarta. Em plantas de construção de um jardim. Às vezes se perdem em quintais ou terrenos baldios. O mais importante é detê - las pelo pé. Nunca abordagem direta, tê - las na mão. Mas pegar a folha ou galho da planta onde você a encontrou. Se a planta não estiver em um local fácil, pegue uma quantidade maior de folhas e guarde-as em um saco plástico na geladeira... O frio às domina. Não suportam e cedem.

Passo a passo dito: Colocar a presa num amontoado de folhas frescas, e vidro com furos na tampa. Não há mal que seja caixa de sapato cortada ao meio. Troque folhas velhas por outras frescas e jogue fora fezes, diariamente. Depois de alguns dias, a lagarta vai parar de comer, ficar quietinha e se transformar em uma crisálida. Aí é só esperar mais alguns dias para ver a borboleta esticar e secar as asas antes de sair voando. Você pode fotografar antes de soltá-la. Não hesite. Seja ágil e tenha êxtase raro. Será finito.

Tropicalismo

"Da cama não via o jardim. Um pouco de bruma entrava pelas venezianas abertas, o que se denunciou ao homem pelo cheiro de algodão úmido e por uma certa ânsia física de felicidade que a cerração dá".
Clarice Lispector, A Maçã no Escuro, pág. 16.

Faltam doze meses para ser novamente abril, Solar. Cadê a sorte que abril pariu? É quase tempo inteiro, completo, que ocupa meu pensamento. Sim. Porque preciso dizer sim ao sim, e não ao não. Sendo assim, aí está o direito que reivindico. Do adeus. Eu tenho sim um nome. Pode ser que me chamem por  algum grego. Etérea, de fato, sou eu. Como e por quê, não entendo? O nome que chamam em uso constante é Geo. Foi então que amalgamou a versão terra adubada. Porque em mim tudo brota! Qualquer fantasia, projeto, ideia iluminada. Não vejo do contrário, mas pelo avesso. Por dentro. Não sou adubo, muito menos aceitar de qualquer ruminante sua proposta.

Agora não estou mais com medo. Estou mais com Pedro, que com medo. Deus me livre de ter medo agora. Bem junto da porta está São Pedro, bem no fundo do mundo do mês de São Jorge e logo no ano do Dragão. Foi para dar fim ao medo e à paralisia. Fim da apatia. Se houver, de novo, pode haver panis et circensis? Só no fim do mundo. No fim da vida. Minha vontade é a de todo mundo, do mundo inteiro, até o fim do mundo. Se eu me despeço agora, no fim de tudo, é porque não tenho medo do que não quero que eu seja agora.

De onde eu vim o tempo corre lento. Na verdade, é. Tudo carece de pressa, antecipa a poeira da estrada. Esta é a imagem que acalenta meu espírito: as retas incompletas que pontuam a estrada. Tudo é incompleto e interrupto. E se houve "Novos Baianos", há novos manos. Há poeira cósmica em tudo o que penso. E se realiza é porque houve impulso e certeza. E não há sangue pulsando que encontre seu lugar em veias frágeis quando o endereço certo não é o plexo do peito de Pedro com medo.

É perigoso saber de tudo e assim eu morro cedo. Não é Amor se não for confuso e incerto. Não é amizade se for difuso e certo. Não cego, nunca mais perco o meu ponto de vista: livre e novo. Arrebatado, solto no espaço, de ponto perdido no Cosmos. E neste jardim psicodélico, sou Ninfa. Tenho medo de Dragão, mas isso não é tudo. Há mais o que investigar entre o céu e a terra. Há mais mistérios e toda essa filosofia fã me cansa. Fadigo, e não digo o que penso para não partir e soltar partículas de mim.

Há luz. Eu vejo o fim do túnel, depois do fim do mundo. O reino de seres que a Terra liberta. O inventário é teu, o inventivo espírito céu é meu e teu. No ponto em que são: do alto do céu, no canto do chão. A música não espera. Encontra em becos escuros e frequencia não autorizada o seu rumo, sua estrada. Como num sonho, a voz entra em casas, barracos, botecos, fiteiros, ruas, vielas estreitas e chega até o fim do mundo do coração dos que ouvem e preenche o dia morto, o canto de chão. Sei não, mas ninguém pode frear um carro em alta velocidade com um simples puxão. Sei não.

Funciona mudar a marcha menor em alta velocidade? Estoura a caixa, dos peitos, da marcha. Ré? Não reconhece! Ele nem sabe que existo ao tocar Blues. Disse e tomei nota: são três lições. Ouço ainda alguma cítara no ar, é puro reflexo, como era meu sorriso, nesse período tão sem nexo. Se foram, os dois navegantes sóis ao pôr - do - sol, no mesmo mar, não no mesmo barco. Marco Polo, grito! Guia por outro roteiro, esse deixa homem aflito. Fala das cidades que descobriu e contarias em detalhes pra mim. Deslizarei feita melodia. Suave, suave. Eu não nasci para ser som, nasci no fim da luz.

Se também foi assim com você é pura circunstância do destino, estarmos aprendendo juntos morrer um pouco mais a cada dia. Não é objeto vivo, não é desejo morto, não é segredo torto, não é suspeita feita, ou história que deleita corações vazios de paixão. É. Hoje serei toda - ouvidos e canto de baleia, até me desfazer em espumas remetidas às areias vermelhas por um mar histérico por uma bola de fogo e um céu aberto.

Já fui jogada ao vento, já sou folha solta e outono de um amarelo triste. Perdi o verso num verão romântico e tudo o que sei é que ninguém se liga no mar. No seu reino, ninguém se liga no mar. Quer loucura mais triste que viver sem a busca de ser feliz? Sem sequer pensar em ver o mar? Abstrair do pequeno Universo o mar? Já no meu reino real, o mar brota de mim. O tanto de bruma que entra pelas brechas de espaços abertos, logo denuncia o jeito de ser feliz e ânsia física de felicidade, dia e noite, noite e dia. Em dia branco, em noite escura. Em todas as cores e mesmo na ausência de todas. Meu modo é da cor da felicidade. Estou de acordo, com o ser feliz. Pronto e ponto. No outro blog!                                                              

Woody bebeu Foucalt

O homem é uma invenção recente que a modernidade criou na esfera do saber. É o que diz Foucault. Análise que é feita utilizando discursos de cada época, com o suporte da arqueologia e que identifica uma ruptura entre saberes a partir do século XIX. Novas formas de racionalidade que serão operadas pela episteme, explica Foucault.  Com foco nos discursos praticados em cada época, no filme "Meia-noite em Paris", o cineasta Woody Allen vai encontrar uma fala comum entre homens e mulheres desses diferentes períodos da história: A ideia de remeter-se ao passado, em busca de um certo brilho perdido, não conservado pelas eras posteriores. 

Diante das escolhas feitas pelo pensador americano do século XXI em seu roteiro, podemos supor algumas reflexões feitas a partir do discurso de cada época em sua afirmação e negação de alguns valores.  Uma das primeiras preocupações de Gil, em seu confronto com admiráveis nomes da Literatura, Artes Plásticas e Cinema, é o debate sobre coragem, virilidade e entrega amorosa que ele entabula com o aventureiro Hemingway. Entre conflitos tão diferenciados os dois personagens estarão em interlocução sobre os temas mais importantes (amor, morte, destino, fidelidade) até o ato final de passagem desse californiano até a época inaugural dos pensadores modernos. Um dos melhores momentos, quando estão no carro que permite a transposição pelo tempo, o escritor nascido no século XIX vai impregnar o colega escritor, que mal era nascido, com o pensamento de que somente uma mulher em grande paixão é capaz de fazer um homem perder o medo da morte por instantes. 

Com Gertrude Stein, a inteligentíssima e amiga de Picasso, Matisse, Elza Pound, Joyce e outros dos "Tempos Loucos", Gil Pender (Owen Wilson) vai compreender que seu romance precisa ousar mais. Que é preciso dizer algo que está além dele mesmo e que vai encorajar as pessoas. E o roteirista de Hollywood, trabalhador e operário do cinema, em sua aspiração de tornar-se escritor com uma obra talvez relevante, quem sabe memorável, que permanecerá em tempos tão perecíveis acaba oferecendo a compreensão de que é preciso rever a visão sobre as coisas em seus valores. Como caminhar pelas ruas de Paris quando chove. Ser lembrado por gostar de Cole Porter, e fazer escolhas que distam de uma rotina de homem comum como o casamento com uma mulher com quem nada tem em comum, que conhece tão pouco, somente por admirar seu humor e por ela ser "pretty hot". 

Merece menção o valor que o cineasta oferece à personagem vivida pela atriz Marion Cotilard e seu relato, em forma de livro. Uma bela francesa que o atrai para aquele outro período da história. Que tortura Pablo Picasso, um artista passional e que precisa tratar como uma criança. A personagem, Adriana, acaba por fugir com Ernest Hemingway para África. E, segundo previsões de Gertrude Stein, voltará arrependida. Em estilo narrativo, de testemunho dos fatos, espécie de diário, Adriana abre o portal por onde parece ter transposto o argumento do roteiro. O relato, por sua vez, é editado apenas em francês, portanto fora do alcance de Gil, de forma que precisa procurar a guia turística, interpretada por Carla Bruni, para ter acesso aquelas palavras e memórias. Adriana acabará por fazer a mesma escolha que tanto perturba Gil, deixar o seu tempo por uma época anterior, que lhe parece tão cheia do brilho que se perdeu na década em que vive.

Allen propõe uma revisão das tendências do pensamento contemporâneo. Desde de uma mudança radical de comportamento, nessa episteme pór-moderna, tão impregnada da importância ao capital, boçalismos, falsos intelectualismos e troca do desejo de ser, pelo desejo de ter até o que está no ser um artista. Por outro lado, é possível de dizer, vendo o filme, que a inteligência real sobreviveu entre os valores mais preciosos a despeito da época, do tempo que vivemos.


Tuesday, April 17, 2012

Violência não é somente uma coisa explícita. Que se possa constatar num exame de corpo delito. Nem todo ato violento provoca hematomas. Marcas sim, reais e invisíveis. Há um outro tipo de agressão, de intimidação que fica num intervalo de espaço/tempo. Preso em algum lugar da gente. Algum ponto do cérebro que não identificamos de imediato. Violência que vem revestida e brota como medo. Atitudes de recuo, reações ilógicas e impensadas. Nem sempre são, devidamente, processadas pelo nosso consciente. É como um sentimento que ultrapassa compreensão. E a maioria de nós, não enxerga em si mesmo. Não percebe quanto está sendo vítima desse medo, gerado pela violência, motivado por uma atitude de intimidação.

Posso dizer que venci o medo, nessa idade adulta, porque sobrevivi tantas vezes! Tive que confrontá-lo para continuar trabalhando (como repórter cobri três rebeliões), educando meus filhos, fazendo companhia a ambos. Também outros parentes e amigos. Em resumo, continuar vivendo. Hoje, eu consigo identificar sensação prévia ao buraco negro que é o medo. Reconheço, quando mais silencioso, mais sinto como violência brutal, porque o intuito é a intimidação. E como tímida, posso dizer: não é bom. Todo o meu sistema consciente, depois de outras experiências e terapia, identifica de imediato as reações promovidas pela violência sofrida e intimidação promovida, logo no dia seguinte.

Estava ontem, no Cinema da Fundação. Brincava com duas amigas de ocupar a beira do rio, em frente ao estacionamento. Sem medo de qualquer interferência ou abordagem indesejada. Forramos um edredon, compramos cappuccino, cigarros e cervejas. E ficamos relembrando sensação do domingo mais incrível de nossas vidas, ali no Cais José Estelita. Conversamos até começar o filme e subimos sorrindo, felizes, escadas do prédio até a sala de exibição. No término da película, a notícia: "Apagaram tudo. Passaram uma pá de cal nas pinturas, ilustrações, figuras, intervenções e frases escritas".

Meu corpo reconheceu na hora. A frase tinha a força de uma bala, efeito imediato. O corpo mudou de temperatura, o sangue correu para algum outro lugar que não o dele. Em geral me escorre para os pés. "Que desejo de nos intimidar! Se acham que passar cal vai tirar da visão das pessoas o que pensamos e sentimos, estão tão enganados". Nenhum tinta pode apagar da nossa memória o que pensamos e vivemos, nem tinta de jornal. Nem o que nossos descendentes já sabe o que entendemos de tudo isso e dessa violência, que ficou impregnada agora. Nem que memória guardaremos desse Prefeito, que, visivelmente, favorece a situação. Igual a tantas outras repudiadas por pessoas do partido dele. Ações pelo que foi desfeito do Recife, por essas pessoas que pensam que poder não se perde. Perde sim.

Nenhum galão de tinta consegue tapar o sol que amanheceu ali, naquele domingo quinze. De um abril solar! Porque o que vai na gente hoje, não duvidem, vai também nos nossos filhos nascidos e que estão por vir. Ainda somos maioria, tal como egoísmo dessa elite permite. Que de tão centralizadora e excludente resume a pouquíssimos. Podem usar a força. Cobrir tudo. Tentar apagar o que foi vivido ali. Essa tinta só vai servir para avivar nosso desejo de transformar e colorir tudo de novo.

De ensinar outro mundo para os nossos filhos. E continuar fazendo a nossa parte de não deixar para depois. Intervir agora, protestar, debater, explicar nossos motivos de maioria excluída de projetos megalomaníacos como este. Não foi para isso que criei esse espaço. Vejo agora escrevendo palavras que nunca estiveram por aqui que meu medo surtiu efeitos maiores, do que eu mesma dimensionaria. Não consigo criar em minha mente a ideia de seres humanos diferentes, nesses conceitos reducionistas de bons ou ruins, certos ou errados. Para mim são apenas sempre únicos. Isso é tudo. Cada um a seu modo. Por seus motivos. E acredito mesmo que cada visão de mundo pode sempre acrescentar algo novo.

Como aprendi com meu DNA grego do dedo vizinho do pé maior de todos. O que não entendo nesse caso é: se somos moradores da mesma cidade, porque uns parecem egoistas que querem fazer os outros se passarem por tolos? Já ouvi tanta coisa inventada sobre esse povo, que sou eu, que está envolvido nessas ocupações e manifestações em defesa de Estelita, que virou o mais frequente motivo de risada. 

...

Passou. Pelo parágrafo escrito posso de dizer: a frase que estorou ontem em meu ouvido, surtiu outro efeito que não o medo. O gosto amargo no estômago pelo gesto intimidador, já passou. O que não vão conseguir é apagar as histórias que temos agora para contar. É bom lembrar a esse povo, que sou eu, que a mobililazação apenas começou.

Monday, April 16, 2012

Ô Estelita, foi o futuro chamando...


(um, dois, três, quatro, cinco)

Oito da manhã, domingo quinze. Vinte e cinco mil pessoas - ou mais - despertam. Amanheceu um dia lindo! Quantas com o cais na cabeça? Como estão as bicicletas? Tudo em cima para começar uma nova era.  Toalha e roupa de banho. Garrafa d'água, isopor com gelo, guarda sol, piscina de bom tamanho, tinta e camiseta. Fava no pote de sorvete. Alguns descartáveis, porque é o jeito. Deviam fazer copinhos de papel reciclado ou biodegradáveis. Depois, cada um junta seu lixo, isso é importante mesmo! Pelo celular, quem falta chegar? Chama Joana, Juana, Fabiana, Andrea, Ana, Cristina, Mariana, Adriana, Margarida e Guida, Maria, Alice e Luci. Eu disse que chegaria cedo. Alguém conhecido é sempre um ponto. Um lugar pra ficar. Vamos.

(um, dois, três, quatro, cinco, seis)

Quais são os ônibus que passam por lá? Os mesmos do terminal de Santa Rita? Não sei, vamos perguntar. Criança exige um cuidado extra para chegar. Elas estão lindas! Chapéu, roupa clara, muito protetor solar. Melhor ir de carro? Tivesse a cidade um desenho urbano coberto por linhas de ônibus não precisava mais combustível queimado em circulação num domingo. Vão criticar! Deixa falarem. Esse povo que fala sem saber de nada precisa dispersar a raiva sem focar. Daí acaba sempre mirando para dentro, para onde não devia mirar. Não tem coragem de uma crítica direcionada, nem de se informar para não ter o trabalho de pensar. Pois nós vamos e levamos nossos filhos, para entenderem melhor como se faz uma cidade. Nosso protesto é para termos mais lugares onde conviver. Ninguém aguenta prisão forçada em lares. Vidas suspensas. Inventamos um novo Ibirapuera, Luiz! É, ocupação das avenidas. No alto mesmo, só pipas coloridas! O céu azul, limpo. Adultos, adolescentes e crianças brincando. Uma liberdade linda. Os armazéns e o Cais Estelita.

(um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete)

Olha o chapéu para proteger do sol e do desânimo com os gastos, bora todo mundo dando contribuição para faixas e tintas. Transporte dos equipamentos. Ainda bem que uma emissora local deu apoio. Para empresa é sempre mais fácil. Claro, porque sempre tem despesa. Vamos deixar contribuição para o dono da casa que cedeu a energia. O banheiro acertamos cinquenta centavos pelo gasto de água. A casa ainda tem coqueiros, pareceu casa de praia. Nem sabia que ainda moram pessoas por aqui. Imagina! Esse vento, o tempo todo. No coração da cidade. O muro é alto, claro. Esse medo que isola as pessoas. Blinda vidros e separa. Cada vez mais separa. Alguém trouxe piscina plástica. Vamos encher, com botijão de vinte litros e um balde maior serão oito viagens. Carros pipas? Desistimos. Ficaria caro. Fez um dia lindo. O calor é o de sempre, só que os armazéns foram pensados de um jeito que a sombra aumenta com o passar das horas. Proteção para mais gente, porque foram chegando, e chegando, e chegando.

(um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete, oito)

Os Jacarés trouxeram cabos, mesa de som, microfones. Agora o mais difícil vai ser armar a lona. Não vem com manual de instruções. Risos. Foi difícil não. Junta um e dois, três e quatro, cinco e seis. E esse nove aqui? É o seis invertido, fazendo pirueta. Que bacana essa galera acrobata em malhas! E os ocupantes da bacia do pina? Pois é, tem que intervir na outra faixa, assim só quem está indo para a praia vai reparar na mobilização. Ainda tem jogo hoje. Dois, na verdade. Então, vai ter menos gente por isso? Não acredito nisso não. Quem quer estar aqui e está envolvido em debater a cidade vai vir. Mesmo que seja decisão. Tem gente que longe, feito João, Brasília, não para de comentar na rede. Bom, esse João (Valadares) é bom! Buhr! Karina também fez barulho danado. Procura saber. Se informa aí, quantas palavras precisar.

(um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove)

O repórter pede ajuda para reconhecer pessoas que mobilizaram o grupo. Brinca que depois quer ser apresentado aos meus "amigos cineastas". Olha, vem pessoa física, deixa o jurídico na emissora e seja você mesmo, sugiro. Não pareceu boa ideia para ele. Quando jornalista não pode expressar o que sente, estamos mesmo perdidos. Mas depois das redes sociais a tevê aberta perdeu o monopólio das opiniões. Tempos bons. Voltando ao moço, o danado é que o profissional vai depender da pessoa que vai dentro dele. Ser objetivo e justo com a história, o tempo, é o melhor que pode fazer numa tevê privada. Isso se for bom seu repertório de palavras. Como é no caso de Ivan Moraes Filho. Que é isso, companheiro? Para aquele repórter não. Impera a lei do cão. É. Ali estavam cineastas, sim! Jornalistas, sim! Arquitetos, sim! Designers, sim! Professores universitários, sim! Sociólogos, sim! Músicos, sim! Artistas, sim! Blogueiros, sim! Ativistas de sofás no meio da rua! E muito mais que um nome e uma profissão. Estavam pessoas de todas as áreas do conhecimento, com alguma coisa em comum, personalidade! Opinião e senso crítico, e vontade de mudar o jeito, transformar coisas que não cativam mais nem atendem às necessidades de quem é exigente mesmo, claro. Por que não? E os filhos, como ficam se a gente não consertar tudo hoje mesmo? Obrigação da gente conhecer bem e interferir no Recife.

(um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, dez)

Foram mais de doze horas, de pintura, música, banho de piscina, fotos, intervenções artísticas, manifestações coletivas de apreço pela cidade. As crianças pintando o sete. Numa liberdade de dar gosto. Brincaram com o megafone, comeram uva, tomaram banho. Foi tanta vontade guardada de um lugar e um dia como aquele que fizemos do Cais José Estelita nosso ancoradouro de boas ideias. Frases criativas, instagram de uma luz perfeita. Imagens inimagináveis no tempo dos nossos pais. Houve sim protesto. Buzinadas contra e a favor da gente. Houve quem destruiu as torres de papelão. Porque a vista é de encher a alma de ânimo novo. E não pode ser para alguns poucos. Porque ali foi um lugar escolhido há séculos para se armazenar. Guardar para tempos difíceis. Ficou estampado no rosto pintado da moçada que alegria de viver a cidade tem que ser para todo mundo. E tem a bacia ali. Aquela bahia. Encontro do rio com o mar. Aquele pôr do sol de deixar absorto.

.... (Confesso que em 1995 eu já fui até fazer um filminho recitando poesias. Escolhi porque sempre achei o lugar mais bonito da nossa praieira cidade...)

As conversas continuaram e continuarão para além do fim do dia. Daquele dia quinze de abril de dois mil e doze. OcupeEstelita virou a marca dos nossos sonhos de consumo, lugar onde todo mundo se encontra para fazer quase nada, a não ser como diriam os italianos, com talento, o "dolci far niente". A não ser, como diria Chico Science, "ficar pensando melhor". Ali, descascando laranja, tomando raspa raspa, tirando fotos, escalando paredes, ganhando altura, levantando cartazes estávamos sendo! Cidadãos que participam. Seres humanos que fazem algo importante, ser na cidade. Da cidade e para a cidade. Sonhar uma cidade e acordar fazendo esse sonho real. Ou alguém achou que a gente dessa cidade não tem um? Tem sim, e fomos ali para dizer às senhoras autoridades desautorizadas: "Ei, este assunto é com a gente, aqui! A cidade é nossa. Da gente mesmo. Vocês não receberam com voto, tutela para fazer o que bem querem com o bem que é nosso".

(um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, dez, onze)

Pode parar de contar? Parece até quem fica numerando torres. Até porque foi todo mundo do mundo que eu quero construir! Acha que uma pessoa não é o bastante? não consegue mudar? Pois faz diferença, sim. E dependendo de quem for, mais ainda. Foram mil pessoas, seguramente. E que mil pessoas! Como disse Beto Azoubel, "se Recife continuar uma cidade assim, onde posso encontrar pessoas dessa qualidade, eu fico por aqui". Eu tive lá acenando no calendário da história. E vi no olho de cada um e cada uma: não vão nos ignorar não. E isso já é um bom começo. Porque quando no céu pinta um arco-íris, pode escrever: vem vindo mudança grande por aí.