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Wednesday, April 18, 2012

Woody bebeu Foucalt

O homem é uma invenção recente que a modernidade criou na esfera do saber. É o que diz Foucault. Análise que é feita utilizando discursos de cada época, com o suporte da arqueologia e que identifica uma ruptura entre saberes a partir do século XIX. Novas formas de racionalidade que serão operadas pela episteme, explica Foucault.  Com foco nos discursos praticados em cada época, no filme "Meia-noite em Paris", o cineasta Woody Allen vai encontrar uma fala comum entre homens e mulheres desses diferentes períodos da história: A ideia de remeter-se ao passado, em busca de um certo brilho perdido, não conservado pelas eras posteriores. 

Diante das escolhas feitas pelo pensador americano do século XXI em seu roteiro, podemos supor algumas reflexões feitas a partir do discurso de cada época em sua afirmação e negação de alguns valores.  Uma das primeiras preocupações de Gil, em seu confronto com admiráveis nomes da Literatura, Artes Plásticas e Cinema, é o debate sobre coragem, virilidade e entrega amorosa que ele entabula com o aventureiro Hemingway. Entre conflitos tão diferenciados os dois personagens estarão em interlocução sobre os temas mais importantes (amor, morte, destino, fidelidade) até o ato final de passagem desse californiano até a época inaugural dos pensadores modernos. Um dos melhores momentos, quando estão no carro que permite a transposição pelo tempo, o escritor nascido no século XIX vai impregnar o colega escritor, que mal era nascido, com o pensamento de que somente uma mulher em grande paixão é capaz de fazer um homem perder o medo da morte por instantes. 

Com Gertrude Stein, a inteligentíssima e amiga de Picasso, Matisse, Elza Pound, Joyce e outros dos "Tempos Loucos", Gil Pender (Owen Wilson) vai compreender que seu romance precisa ousar mais. Que é preciso dizer algo que está além dele mesmo e que vai encorajar as pessoas. E o roteirista de Hollywood, trabalhador e operário do cinema, em sua aspiração de tornar-se escritor com uma obra talvez relevante, quem sabe memorável, que permanecerá em tempos tão perecíveis acaba oferecendo a compreensão de que é preciso rever a visão sobre as coisas em seus valores. Como caminhar pelas ruas de Paris quando chove. Ser lembrado por gostar de Cole Porter, e fazer escolhas que distam de uma rotina de homem comum como o casamento com uma mulher com quem nada tem em comum, que conhece tão pouco, somente por admirar seu humor e por ela ser "pretty hot". 

Merece menção o valor que o cineasta oferece à personagem vivida pela atriz Marion Cotilard e seu relato, em forma de livro. Uma bela francesa que o atrai para aquele outro período da história. Que tortura Pablo Picasso, um artista passional e que precisa tratar como uma criança. A personagem, Adriana, acaba por fugir com Ernest Hemingway para África. E, segundo previsões de Gertrude Stein, voltará arrependida. Em estilo narrativo, de testemunho dos fatos, espécie de diário, Adriana abre o portal por onde parece ter transposto o argumento do roteiro. O relato, por sua vez, é editado apenas em francês, portanto fora do alcance de Gil, de forma que precisa procurar a guia turística, interpretada por Carla Bruni, para ter acesso aquelas palavras e memórias. Adriana acabará por fazer a mesma escolha que tanto perturba Gil, deixar o seu tempo por uma época anterior, que lhe parece tão cheia do brilho que se perdeu na década em que vive.

Allen propõe uma revisão das tendências do pensamento contemporâneo. Desde de uma mudança radical de comportamento, nessa episteme pór-moderna, tão impregnada da importância ao capital, boçalismos, falsos intelectualismos e troca do desejo de ser, pelo desejo de ter até o que está no ser um artista. Por outro lado, é possível de dizer, vendo o filme, que a inteligência real sobreviveu entre os valores mais preciosos a despeito da época, do tempo que vivemos.


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