Urro de Ursa
Primeiro: estou sentindo o que chega com
uma força de ursa que também sou. Aquecida e irritável. Era sangue em massa de
força preso nas veias. Nas têmporas. Não urrei. Não soube abrir a boca ou
levantar os braços num grito legítimo de dor. E aquietei toda aquela massa
acomodando em veias frágeis o volume de um rio caudaloso. O silêncio é mais
mortal que venoso. O meu ao menos foi. Pensei que estaria morta no minuto
seguinte porque o sangue rompeu vasos e tornou se dores, na nuca e espinha
dorsal. Dorso de ursa de olhos fixos. Esbugalhados.
Mas o silêncio que mata consolida. Hoje
alivia aos poucos. A solidão do inverno ou do frio de bicho sem pêlos já
passou. Também não opto por hibernar. Saio pelos campos para ver a primavera
chegando de mansinho. Em cores leves, em tons suaves. Nude. Cenas em cores que
vejo até nos sonhos. E o extrativismo humano arregala olhos diante disso. A
minha crença ainda é vermelha. Mas sou gata azul no escuro, daí não assusto.
Choro lágrimas em letras pretas sobre pedras brancas que não me darão, por
isso, um ser possível, real. Meus olhos são porta para o novo, o tempo todo. Quem
os vê de perto não resiste e eu? Sofro. O novo agora é mais vivo em mim que
antes de dar esperanças de novo. Não apenas sonho. Vivo com imagens posteriores.
Meu pensamento, o tempo todo, transporta
para algum outro lugar. Abro portas numa fração de segundo e deixo a visão
chegar. Não importa se isso não é comum. Importa minha força em saber das
imagens e do pensamento em transportar. Não é transe, só uma capacidade de
sintetizar, visualizar. Deve haver uma palavra para isso. Não é somente imaginação. Tem também uma
espécie de materialização da imagem no meu pensamento, com uma força de coisa
real. Qual a palavra diria isso? Invenção?a
gente convencionou chamar avião de invenção e voou. As microondas
estavam ali e ganharam botão do play para aquecer moléculas de água.
Como a raiva que tenho agora. Esquenta meu
corpo, dá sintomas de ira, sangue que ferve e depois amolece. Fica doente. Não
quero esse roteiro para mim. Vou modificar com a mesma capacidade de pensar.
Não interessa o que esperam do meu jeito ingênuo e, às vezes, pueril. De pessoa
cheia de esperanças mesmo. Vou mudar meu pensamento e fazer outras imagens. De
viagens. Afinal, sou muito boa nisso.
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