(um, dois, três, quatro, cinco)
Oito da manhã, domingo quinze. Vinte e cinco mil pessoas - ou mais - despertam. Amanheceu um dia lindo! Quantas com o cais na cabeça? Como estão as bicicletas? Tudo em cima para começar uma nova era. Toalha e roupa de banho. Garrafa d'água, isopor com gelo, guarda sol, piscina de bom tamanho, tinta e camiseta. Fava no pote de sorvete. Alguns descartáveis, porque é o jeito. Deviam fazer copinhos de papel reciclado ou biodegradáveis. Depois, cada um junta seu lixo, isso é importante mesmo! Pelo celular, quem falta chegar? Chama Joana, Juana, Fabiana, Andrea, Ana, Cristina, Mariana, Adriana, Margarida e Guida, Maria, Alice e Luci. Eu disse que chegaria cedo. Alguém conhecido é sempre um ponto. Um lugar pra ficar. Vamos.
(um, dois, três, quatro, cinco, seis)
Quais são os ônibus que passam por lá? Os mesmos do terminal de Santa Rita? Não sei, vamos perguntar. Criança exige um cuidado extra para chegar. Elas estão lindas! Chapéu, roupa clara, muito protetor solar. Melhor ir de carro? Tivesse a cidade um desenho urbano coberto por linhas de ônibus não precisava mais combustível queimado em circulação num domingo. Vão criticar! Deixa falarem. Esse povo que fala sem saber de nada precisa dispersar a raiva sem focar. Daí acaba sempre mirando para dentro, para onde não devia mirar. Não tem coragem de uma crítica direcionada, nem de se informar para não ter o trabalho de pensar. Pois nós vamos e levamos nossos filhos, para entenderem melhor como se faz uma cidade. Nosso protesto é para termos mais lugares onde conviver. Ninguém aguenta prisão forçada em lares. Vidas suspensas. Inventamos um novo Ibirapuera, Luiz! É, ocupação das avenidas. No alto mesmo, só pipas coloridas! O céu azul, limpo. Adultos, adolescentes e crianças brincando. Uma liberdade linda. Os armazéns e o Cais Estelita.
(um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete)
Olha o chapéu para proteger do sol e do desânimo com os gastos, bora todo mundo dando contribuição para faixas e tintas. Transporte dos equipamentos. Ainda bem que uma emissora local deu apoio. Para empresa é sempre mais fácil. Claro, porque sempre tem despesa. Vamos deixar contribuição para o dono da casa que cedeu a energia. O banheiro acertamos cinquenta centavos pelo gasto de água. A casa ainda tem coqueiros, pareceu casa de praia. Nem sabia que ainda moram pessoas por aqui. Imagina! Esse vento, o tempo todo. No coração da cidade. O muro é alto, claro. Esse medo que isola as pessoas. Blinda vidros e separa. Cada vez mais separa. Alguém trouxe piscina plástica. Vamos encher, com botijão de vinte litros e um balde maior serão oito viagens. Carros pipas? Desistimos. Ficaria caro. Fez um dia lindo. O calor é o de sempre, só que os armazéns foram pensados de um jeito que a sombra aumenta com o passar das horas. Proteção para mais gente, porque foram chegando, e chegando, e chegando.
(um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete, oito)
Os Jacarés trouxeram cabos, mesa de som, microfones. Agora o mais difícil vai ser armar a lona. Não vem com manual de instruções. Risos. Foi difícil não. Junta um e dois, três e quatro, cinco e seis. E esse nove aqui? É o seis invertido, fazendo pirueta. Que bacana essa galera acrobata em malhas! E os ocupantes da bacia do pina? Pois é, tem que intervir na outra faixa, assim só quem está indo para a praia vai reparar na mobilização. Ainda tem jogo hoje. Dois, na verdade. Então, vai ter menos gente por isso? Não acredito nisso não. Quem quer estar aqui e está envolvido em debater a cidade vai vir. Mesmo que seja decisão. Tem gente que longe, feito João, Brasília, não para de comentar na rede. Bom, esse João (Valadares) é bom! Buhr! Karina também fez barulho danado. Procura saber. Se informa aí, quantas palavras precisar.
O repórter pede ajuda para reconhecer pessoas que mobilizaram o grupo. Brinca que depois quer ser apresentado aos meus "amigos cineastas". Olha, vem pessoa física, deixa o jurídico na emissora e seja você mesmo, sugiro. Não pareceu boa ideia para ele. Quando jornalista não pode expressar o que sente, estamos mesmo perdidos. Mas depois das redes sociais a tevê aberta perdeu o monopólio das opiniões. Tempos bons. Voltando ao moço, o danado é que o profissional vai depender da pessoa que vai dentro dele. Ser objetivo e justo com a história, o tempo, é o melhor que pode fazer numa tevê privada. Isso se for bom seu repertório de palavras. Como é no caso de Ivan Moraes Filho. Que é isso, companheiro? Para aquele repórter não. Impera a lei do cão. É. Ali estavam cineastas, sim! Jornalistas, sim! Arquitetos, sim! Designers, sim! Professores universitários, sim! Sociólogos, sim! Músicos, sim! Artistas, sim! Blogueiros, sim! Ativistas de sofás no meio da rua! E muito mais que um nome e uma profissão. Estavam pessoas de todas as áreas do conhecimento, com alguma coisa em comum, personalidade! Opinião e senso crítico, e vontade de mudar o jeito, transformar coisas que não cativam mais nem atendem às necessidades de quem é exigente mesmo, claro. Por que não? E os filhos, como ficam se a gente não consertar tudo hoje mesmo? Obrigação da gente conhecer bem e interferir no Recife.
(um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, dez)
Foram mais de doze horas, de pintura, música, banho de piscina, fotos, intervenções artísticas, manifestações coletivas de apreço pela cidade. As crianças pintando o sete. Numa liberdade de dar gosto. Brincaram com o megafone, comeram uva, tomaram banho. Foi tanta vontade guardada de um lugar e um dia como aquele que fizemos do Cais José Estelita nosso ancoradouro de boas ideias. Frases criativas, instagram de uma luz perfeita. Imagens inimagináveis no tempo dos nossos pais. Houve sim protesto. Buzinadas contra e a favor da gente. Houve quem destruiu as torres de papelão. Porque a vista é de encher a alma de ânimo novo. E não pode ser para alguns poucos. Porque ali foi um lugar escolhido há séculos para se armazenar. Guardar para tempos difíceis. Ficou estampado no rosto pintado da moçada que alegria de viver a cidade tem que ser para todo mundo. E tem a bacia ali. Aquela bahia. Encontro do rio com o mar. Aquele pôr do sol de deixar absorto.
.... (Confesso que em 1995 eu já fui até fazer um filminho recitando poesias. Escolhi porque sempre achei o lugar mais bonito da nossa praieira cidade...)
As conversas continuaram e continuarão para além do fim do dia. Daquele dia quinze de abril de dois mil e doze. OcupeEstelita virou a marca dos nossos sonhos de consumo, lugar onde todo mundo se encontra para fazer quase nada, a não ser como diriam os italianos, com talento, o "dolci far niente". A não ser, como diria Chico Science, "ficar pensando melhor". Ali, descascando laranja, tomando raspa raspa, tirando fotos, escalando paredes, ganhando altura, levantando cartazes estávamos sendo! Cidadãos que participam. Seres humanos que fazem algo importante, ser na cidade. Da cidade e para a cidade. Sonhar uma cidade e acordar fazendo esse sonho real. Ou alguém achou que a gente dessa cidade não tem um? Tem sim, e fomos ali para dizer às senhoras autoridades desautorizadas: "Ei, este assunto é com a gente, aqui! A cidade é nossa. Da gente mesmo. Vocês não receberam com voto, tutela para fazer o que bem querem com o bem que é nosso".
.... (Confesso que em 1995 eu já fui até fazer um filminho recitando poesias. Escolhi porque sempre achei o lugar mais bonito da nossa praieira cidade...)
As conversas continuaram e continuarão para além do fim do dia. Daquele dia quinze de abril de dois mil e doze. OcupeEstelita virou a marca dos nossos sonhos de consumo, lugar onde todo mundo se encontra para fazer quase nada, a não ser como diriam os italianos, com talento, o "dolci far niente". A não ser, como diria Chico Science, "ficar pensando melhor". Ali, descascando laranja, tomando raspa raspa, tirando fotos, escalando paredes, ganhando altura, levantando cartazes estávamos sendo! Cidadãos que participam. Seres humanos que fazem algo importante, ser na cidade. Da cidade e para a cidade. Sonhar uma cidade e acordar fazendo esse sonho real. Ou alguém achou que a gente dessa cidade não tem um? Tem sim, e fomos ali para dizer às senhoras autoridades desautorizadas: "Ei, este assunto é com a gente, aqui! A cidade é nossa. Da gente mesmo. Vocês não receberam com voto, tutela para fazer o que bem querem com o bem que é nosso".
(um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, dez, onze)
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