Um bom vinho
Ali
na prateleira estava seu sonho. Seu vinho português preferido: Carcavelos. Não por
acaso, produzido numa das menores regiões demarcadas de Portugal. Ainda, localizada
na costa de Estoril, próxima da Foz do Tejo. Ex – Costa do Sol. Distante apenas
dez quilômetros de Lisboa. Tudo na história daquela garrafa interessava a
Marta.
Interessava,
por exemplo, que Carcavelos fora demarcada em 1908, que fora o Marquês de
Pombal seu principal defensor. Seu modo de estar, plenamente, rodeada de
urbanizações. Mas, principalmente, pelo fato de produzir um vinho generoso.
Feito em bica - aberta. Tal como outras regiões esta corre sérios riscos de
extinção.
Marta
era uma mulher severa e muito sozinha. Tinha hábitos que remetiam as pessoas
mais antigas. De uma organização simples, quase franciscana. Mas com este
requinte. Gostar de origens. Ter um apego às coisas com significados e
tradições. E coincidências como datas. Quer saber uma que pegou Marta? Ela
nasceu no mesmo dia em que a região de Carcavelos foi demarcada. Exatos dois
séculos depois que o Marquês do Pombal, enviou vinho da sua quinta Oeiras, para
a corte de Pequim, na China.
Isso
foi em 1752. Ela se pergunta se, naquela época, era mais fácil conseguir uma
garrafa. Por ser uma região ocupada pela vinha muito pequena, e, por esta razão,
o Carcavelos dificilmente se encontrar no mercado. Para que todos entendam
melhor a grande afeição de Marta, preciso dizer que trata-se de vinho licoroso,
de graduação alcoólica com variação de 18º a 20º e que alguém já tomou como
melhor indicado enquanto aperitivo ou vinho de sobremesa, pelo grau de doçura.
Assim
como é a própria Marta, que produz mais pensamentos livres de impurezas que
doçura, em suas dores caladas. Por empenho e força de buscar as infindáveis
características da bebida preferida feita em uvas pisadas. Sobre seu vinho,
costuma dizer para amigos que carrega suavidade em tema e paladar aveludado. Só
esconde saber do seu envelhecimento rápido. Pelo tempo de dois anos em casco,
bastante para introdução da rolha e para que seja engarrafado. Selado.
Identificado por uma família com rótulo. Para, então, ser comercializado.
Carcavelos
vem com ligeiro tanino e é rico em álcool natural. Tudo que aprendi com Marta.
Que conheceu Carlos, por intermédio de Fátima, depois de Marta lhe apresentar
ao vinho. Formam, hoje, dois casais. Completos em suas essenciais parcerias
para todo o sempre.
Como
no último final de semana em que estivam juntos. Marta, Carlos, Fátima e uma
rara garrafa de Carcavelos. Conversaram muito, ajudando a compreender seus
mistérios. A preencher seus vazios. Reviram aflições que só solidões despertam.
Numa daquelas interações de seres mais completos. Foram duas noites
indescritíveis. Como fossem pintadas por Monet. Uma bela lua, vento soprando
cabelos na varanda. Até o vinho Carcavelos, presente fisicamente em todos. Nos
copos e nos corpos, deixaram espreguiçadeiras balançando, em direção à leve
noite de sono. Em abraço ampliado.
No
sonho de Fátima, sem qualquer explicação, estava a imagem de Carlos. Não como o
amigo de sempre, porque nunca esteve interessada amorosa ou sexualmente nele.
Marta despertou estranhando a sim mesma. E serviu um café da manhã, mais forte
que o de costume, para existências agora incompletas e confusas, espectros
difusos.
Chegou
à conclusão de que, embora gostasse muito da amiga Fátima, naquela troca,
tomaram muitas liberdades. E que agora, o melhor mesmo seria uma amizade à
distância. Para que o vazio deixado, Fátima fará que seja preenchido por novos parceiros.
Escolhidos para a ocasião, como vestidos, ou como são, por Fátima, os vinhos.
Ambas sentem falta de ponderações ajuizadas em cumplicidades de amizade de tão
longa data. Mas, ao mesmo tempo, tanto para Marta quanto para Fátima ficou a
lição, de que não se pode ter tudo, ao mesmo tempo na vida. Ou bem um homem, ou
bem um bom vinho.
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