Lugar da delicadeza com o outro e com a própria Liberdade.

Onde se está de acordo com o único modo do humano de ser feliz

Por Alexandre Furtado

Não é segredo a amizade e admiração que tenho pelo professor e doutor em Literatura, Alexandre Furtado. Conheci Xande ainda na Cultura Inglesa quando tínhamos menos de duas décadas completas. Logo depois, para minha alegria em surpresa, na Faculdade de Direito do Recife. De Tobias Barreto, e outros grandes. Como Alexandre. Professor da Fafire, da Universidade de Pernambuco e autor do livro, de ruas e inti-nerários, editado pela Companhia Editora de Pernambuco. Entre os vários motivos da minha admiração pelo amigo, aqui vai um:

Pára-raios


Que nada, meu amigo!

Céu de brigadeiro? Que nada! Anos atrás, o inverso deste inverno. Em junho e julho tudo costumava ser cinzento, quando não mesmo escuro. Na verdade, as primeiras ausências dos dias ensolarados começavam já no final de maio. Aquilo sim era inverno, mas uma diferença: até onde sei, não havia muitos desastres, alagamentos monumentais, perdas de carros, desabamentos e quedas. Outro Brasil nos setenta. Talvez as coisas ficassem no lugar, a natureza mais ou menos intocada protegendo a cidade que, por sua vez, não era tão verticalizada, barulhenta, engarrafada e violenta. De todo, naqueles dias, dava até ter medo sair de casa, as condições pluviométricas densas nos deixavam imaginar que todo o céu cairia em nossas cabeças, eram outras as lendas urbanas. A escola? Distante demais pra mim! E por que? Pois, ficava no centro, hoje me divirto com as noções de lugar, é que criança acha tudo distante e demorado, mas o caminho era molhado, claro, aliás a umidade pesava o ar, e o pior, não tínhamos chuveiro elétrico, era luxo, o banho ficava na base da tora e da coragem mesmo.


Assim, Recife debaixo de uma chuvinha demorada me fez pensar na vida, enquanto tentava fechar as janelas da casa de repente, digo do apartamento, para não molhar o interno. Pensei na casa em que morávamos, quintal com pitangas e goiabas, e no longe, no pé do muro lodoso, uma mangueira grandalhona, e no cumprido, os jasmineiros, que vieram junto às tardes em que ficávamos no terraço encolhidos com o barulho das calhas. A vida e suas voltas espiralares, condicionando as noções do hoje, e tudo passado? Que nada, meu amigo! O que achamos ser ontem enrosca-se pelas pernas, pela cabeça e pelo coração que ainda é de um vivo vermelho. Enquanto houver jeito, a gente vai se inventando, sobrevivendo às perdas, pois não era Sêneca que dizia que aprender a viver é aprender a morrer?






Pois, vamos então, sem desistir, aprendendo e convivendo com o vivido, desmascarando a falsa ideia de que o existido vale tão somente o quanto pesa, e o peso das coisas mede-se pelo momento. Mas aí, eu indago, vestido de que o momento iria ao samba? A depender do convite, o momento comparece com a roupa que tem, não é bem a roupa, mas o convite que importa, espero agora não desaprovar nosso querido Noel, mas minha conduta, querendo mesmo me aprumar, enaltece a conversa, sem menosprezo ao instante, o que não deixa de ser uma verdade, mas que não é a única, nem a última. Embora importante o minuto, o passado existe, não porque a gente insiste, muito menos por ser melhor.






O Gil em alcance nos alenta, o melhor lugar do mundo é aqui e agora, onde o indefinido agora que é quase quando, mas esse melhor, pelo tudo, trava com o mundo a essência do que somos e o que somos vem como soma, somos soma, sem nada sumir, nem exceder, somos soma do agora e o ainda agora e do antes e tudo isso junto é que faz a diferença humana entre outros bichos, por isso é que temos que nos centrar, escolher um ponto qualquer, e um de boa cepa é aquele que nos mostra ideal no agora, é esse instante, sem se esquecer de quantas somas e subtrações são parte da mesma equação.






Fechando a janela, abria portas, mundos, àquela percepção de que tanto falava Blake, mais tarde Huxley e os Doors, entre os pingos levados com os ventos, entre–lugares, entre e entre, eu pedia para entrar sem bater, digo eu ao que chamo de passado, como convite sem cerimônias ao que se chama de presente, e como é interessante o diálogo de ambos, como é curioso ver o bairro em que moro hoje, de longe, quando antes as copas das árvores.






Os invernos nos molham, sem chorumelas, e trazem uma saudade que é saúde. É que os invernos de agora são outros, apenas isso, talvez mais leves, nada daquelas imagens de chuva forte, torrencial, de meses a durar, a impressão de criança, que pressentia que toda e qualquer chuva é sinal de vida, por outro lado, o que tenho em mente não foge, e comigo mesmo é que corro, sem sustos, e não me venha achando que vivo nu ou no passado, que nada, o presente me encanta, mesmo com chuvas ácidas, mesmo com céus ensolarados em julho, que nada meu amigo! Tudo com direito, como Arnaldo Antunes em seu poema A chuva, nesses últimos dias, em pleno verão antecedendo folias carnais, o Carnaval, a chuva mesmo murmurou o meu nome.






Alexandre Furtado

No comments: