Lugar da delicadeza com o outro e com a própria Liberdade.

Onde se está de acordo com o único modo do humano de ser feliz

Tuesday, October 13, 2015

De uma paz domada a gás


O objeto dançante que estava diante dos meus olhos felizes era feito daquele mesmo material elástico, que causava tanto asco na infância. Meu corpo estava exaurido, embora tranquilo pelo dever cumprido. O espírito ainda retomando um fôlego de reencontro com a alma. Calma. Sim, é preciso muita calma em todas as horas da vida. Eu respirava do mesmo ar que preenchera o balão para buscar de volta minha alma. Ela ficara para trás diante da velocidade impressa e necessária à caminhada. Os olhos, ainda que felizes, também estavam exautos, mas não prescindiram da visão do balão branco, dançando na avenida, livrando-se dos carros em indiferente velocidade. Pensei logo que aquele objeto era eu em poesia concreta traduzida pela imagem em movimento. 

Você deve ter vivido momentos assim. Momentos em que até parece que aquele detalhe, alheio à sua narrativa, distante dos compromissos, rotinas e leituras, vem dizer justo o que precisava entender e estava difícil. Aquilo que nenhuma frase conseguiu dizer, chegando-lhe até os ouvidos. Sim, são nestes detalhes alheios que enxergamos uma expressão do Deus de Espinosa, que é também o meu. O divino que está no detalhe da dedicação e da delicadeza em que narramos nossa história. O que o balão branco vinha me dizer, é que nem mesmo a velocidade dos carros poderia atingir sua superfície lisa. Seu natureza e forma não seriam fatalmente confrontadas aos faróis ou pneus. Nada daquilo viria a lhe causar o mais terrível dos danos: Explodir. Estourar, como também bem poderia acontecer a um dos pneus daqueles carros. Para um ou outro objeto o verbo, que nem pede complemento, seria de uma fatalidade irreversível. Mais ainda no caso do balão branco, que dos pneus tão noite quanto pretos. 

Aquilo que vi na dança do balão, ele mesmo ainda mais indiferente que os motoristas que guiavam os faróis e pneus. Preciso dizer que havia ruído naquele atrito gravitacional dos veículos contra o asfalto. O que aprendi com o balão branco é que ele não temia sua explosão tomada como certa por meu olhos e por meu coração aflito. Não. O balão continuou com seu balé concreto, desfilando na avenida, sem qualquer pressentimento do fim como o que me atormentava e afligia. Finalmente, entendi, apenas observando o espetáculo do balão, que também devo me comportar assim. Sem medo de ser fatalmente atingida. Mesmo em meio a carros velozes, minha superfície lisa vai me salvar do impacto e do iminente atrito. Eu posso atravessar a avenida em meu balé feliz, sem render meus impulsos à ira. Manter-me no estágio criança e não regressar aos outros estágios de vida. Por trás do recado, uma frase gritava no meu pensamento. Espalhe o bem por aí. Somente depois descobri que  também estava escrita, num desses gritos de luz,
ao longo da avenida.