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Tuesday, April 17, 2012

Violência não é somente uma coisa explícita. Que se possa constatar num exame de corpo delito. Nem todo ato violento provoca hematomas. Marcas sim, reais e invisíveis. Há um outro tipo de agressão, de intimidação que fica num intervalo de espaço/tempo. Preso em algum lugar da gente. Algum ponto do cérebro que não identificamos de imediato. Violência que vem revestida e brota como medo. Atitudes de recuo, reações ilógicas e impensadas. Nem sempre são, devidamente, processadas pelo nosso consciente. É como um sentimento que ultrapassa compreensão. E a maioria de nós, não enxerga em si mesmo. Não percebe quanto está sendo vítima desse medo, gerado pela violência, motivado por uma atitude de intimidação.

Posso dizer que venci o medo, nessa idade adulta, porque sobrevivi tantas vezes! Tive que confrontá-lo para continuar trabalhando (como repórter cobri três rebeliões), educando meus filhos, fazendo companhia a ambos. Também outros parentes e amigos. Em resumo, continuar vivendo. Hoje, eu consigo identificar sensação prévia ao buraco negro que é o medo. Reconheço, quando mais silencioso, mais sinto como violência brutal, porque o intuito é a intimidação. E como tímida, posso dizer: não é bom. Todo o meu sistema consciente, depois de outras experiências e terapia, identifica de imediato as reações promovidas pela violência sofrida e intimidação promovida, logo no dia seguinte.

Estava ontem, no Cinema da Fundação. Brincava com duas amigas de ocupar a beira do rio, em frente ao estacionamento. Sem medo de qualquer interferência ou abordagem indesejada. Forramos um edredon, compramos cappuccino, cigarros e cervejas. E ficamos relembrando sensação do domingo mais incrível de nossas vidas, ali no Cais José Estelita. Conversamos até começar o filme e subimos sorrindo, felizes, escadas do prédio até a sala de exibição. No término da película, a notícia: "Apagaram tudo. Passaram uma pá de cal nas pinturas, ilustrações, figuras, intervenções e frases escritas".

Meu corpo reconheceu na hora. A frase tinha a força de uma bala, efeito imediato. O corpo mudou de temperatura, o sangue correu para algum outro lugar que não o dele. Em geral me escorre para os pés. "Que desejo de nos intimidar! Se acham que passar cal vai tirar da visão das pessoas o que pensamos e sentimos, estão tão enganados". Nenhum tinta pode apagar da nossa memória o que pensamos e vivemos, nem tinta de jornal. Nem o que nossos descendentes já sabe o que entendemos de tudo isso e dessa violência, que ficou impregnada agora. Nem que memória guardaremos desse Prefeito, que, visivelmente, favorece a situação. Igual a tantas outras repudiadas por pessoas do partido dele. Ações pelo que foi desfeito do Recife, por essas pessoas que pensam que poder não se perde. Perde sim.

Nenhum galão de tinta consegue tapar o sol que amanheceu ali, naquele domingo quinze. De um abril solar! Porque o que vai na gente hoje, não duvidem, vai também nos nossos filhos nascidos e que estão por vir. Ainda somos maioria, tal como egoísmo dessa elite permite. Que de tão centralizadora e excludente resume a pouquíssimos. Podem usar a força. Cobrir tudo. Tentar apagar o que foi vivido ali. Essa tinta só vai servir para avivar nosso desejo de transformar e colorir tudo de novo.

De ensinar outro mundo para os nossos filhos. E continuar fazendo a nossa parte de não deixar para depois. Intervir agora, protestar, debater, explicar nossos motivos de maioria excluída de projetos megalomaníacos como este. Não foi para isso que criei esse espaço. Vejo agora escrevendo palavras que nunca estiveram por aqui que meu medo surtiu efeitos maiores, do que eu mesma dimensionaria. Não consigo criar em minha mente a ideia de seres humanos diferentes, nesses conceitos reducionistas de bons ou ruins, certos ou errados. Para mim são apenas sempre únicos. Isso é tudo. Cada um a seu modo. Por seus motivos. E acredito mesmo que cada visão de mundo pode sempre acrescentar algo novo.

Como aprendi com meu DNA grego do dedo vizinho do pé maior de todos. O que não entendo nesse caso é: se somos moradores da mesma cidade, porque uns parecem egoistas que querem fazer os outros se passarem por tolos? Já ouvi tanta coisa inventada sobre esse povo, que sou eu, que está envolvido nessas ocupações e manifestações em defesa de Estelita, que virou o mais frequente motivo de risada. 

...

Passou. Pelo parágrafo escrito posso de dizer: a frase que estorou ontem em meu ouvido, surtiu outro efeito que não o medo. O gosto amargo no estômago pelo gesto intimidador, já passou. O que não vão conseguir é apagar as histórias que temos agora para contar. É bom lembrar a esse povo, que sou eu, que a mobililazação apenas começou.

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