Lugar da delicadeza com o outro e com a própria Liberdade.
Onde se está de acordo com o único modo do humano de ser feliz
Friday, July 14, 2006
CAFÉ PEQUENO
por "Geórgia Alves", em 2001
Dia claro ! Fazia um sol fácil de traduzir. Seria intenso no início da manhã e escaldante a partir do meio - dia. O ourives olhou distraído pela janela. Ao perceber que aquele sábado começava bem, um sorriso profundo escapou de sua alma. Gostava de se aventurar em dias de folga, e aquele era perfeito para se descobrir um bom livro...tinha mesmo o hábito de percorrer livrarias em busca de exemplares raros ou mesmo lançamentos de que soubesse pouco, mas que, por algum motivo, provocassem nele algum tipo de atração imediata, uma certa empatia. Percorreu os primeiros lugares sem muito empenho e acabou indo parar no Centro Cultural que há meses havia eleito seu refúgio. Antes de continuar a busca, resolveu tomar um café, comprara apenas o jornal.
- Alguma coisa, senhor ? O garçon interrompia seus pensamentos...
- Sim, por favor, o expresso !
O cardápio estava na mesa. O curioso é que por sobre um volume familiar. Era um livro ! Que acaso... embora não acreditasse nisso. Seria bom ? Se fosse, não teria sido esquecido e deixado por sob um cardápio. Não custava uma olhada. Pensava.
(..)
Antes ou depois do menu ? Somente depois. O garçon chegaria logo e não se daria por satisfeito enquanto não houvesse cumprido o ritual. Dito e feito. Ele já chegava com o café. Preto e forte. Com um pouco mais de açúcar que de costume. Teria sido, como sempre, adoçado na medida certa, não fosse a pressa em desvendar o título do livro. Estava pela contra capa. A foto de trás fora bem escolhida e isso não lhe dizia nada. O garçon ia levá - lo. Reconhecê - lo por tê - lo visto ali. Ficou imóvel. Quase prendia a respiração. Alívio! ... De forma alguma, foi como se para o garçon o livro fizesse parte do cenário. Apressou - se em fazer o pedido.
- Bolachas com pasta de queijo, o branco !
- O senhor quer dizer torradas...
- Sim, foi o que eu disse.
- Bolachas, em todo canto se acha ! (E sorriu com elegância num canto da boca)
Ele entendeu, mas nem ligou, nem respondeu, interessado que estava no livro, por ele, indevassado. Passada a agonia, estava impressionado com o que sua curiosidade fora capaz de provocar. Por que não havia, simplesmente, contado ao rapaz sobre o achado ? Por que tinha a estranha sensação de que não era mesmo ao acaso (que é Deus, sabia disso !) que estivesse por ele esperando em sua mesa de sempre, justo no sábado em que não havia encontrado nenhum que lhe tivesse agradado ? Que situação para um bonito dia de sol... Só então notou uma pontinha de papel Kodak. Uma foto marcava as páginas. Tinha dono, claro ! Seria um presente esquecido por uma namorada desatenta ? Ou uma briga do casal fez com que o apaixonado esquecesse aquele pedaço em comum, com um close da amada para que alguém se aventurasse no caso que dava por perdido...Puxou, lentamente, a foto. Um beijo e muita luz. Uma troca iluminada ! Admirou. Depois, chocado, certificou - se : tinha até o endereço. Ficou pasmado.
Era a vez do livro, virou num gesto distraído. Pegou em suas mãos e a alma se fez tremer, por alguns segundos. Nesse momento, ouviu ao longe uma gravação...
João Gilberto falava: "Tom, e se você fizesse agora uma canção / que possa nos dizer/cantar o que é o amor ?"
Tom: "Olha, Joãozinho, eu não saberia / Sem Vinicius pra fazer a poesia..."
Vinicius: "Para essa canção / se realizar / quem dera o João para cantar..."
João Gilberto (com voz quase severa): "Ah, mas quem sou eu ? Eu sou mais vocês...Melhor se nós cantássemos os três"
Os Três: "Olha, que coisa mais linda, mais cheia de graça..."
Era demais. Não conseguia acreditar ! O coração estava aos pulos num misto de culpa dele e do inusitado. Só então viu a capa do livro. A Arte de Amar, de Erick Fromm. Agora, restava resolver consigo mesmo o velho dilema de quem rouba. Não iria devolver ao verdadeiro dono. "Afinal, achado não é roubado", dizia um lado da consciência. "É... mais o certo seria ter mostrado ao garçon". Retrucava o outro lado.
- Que "garçon" ?! Estamos no Brasil - escapou em voz alta. Disfarçou : "Oh, rapaz, por favor, me traz a conta". "Rápido".
Depois de "pagar", saiu carregando, cuidadosamente, entre as páginas do jornal o tesouro encontrado às custas de outras buscas muito menos afortunadas.
Subscribe to:
Post Comments (Atom)
2 comments:
identify yourself!
Conto completo agora.Foto que Bruno Pedrosa descobriu. Muito bom gosto, senhor Bruno. Eu grata! Beijo com café e notícias suas,
Post a Comment