Lugar da delicadeza com o outro e com a própria Liberdade.
Onde se está de acordo com o único modo do humano de ser feliz
Wednesday, December 01, 2010
Sunday, October 03, 2010
Monday, August 30, 2010
Tuesday, August 24, 2010
...
Quem sabe vou soltando grãozinhos?
Na mesa de cada dia o abandonado pão
Quem sabe até deixo escapar um suspiro?
Ou, de surpresa, um sorriso. Aos pedacinhos...
...
No simples gesto de virar para cima
Passo seguinte, troco o olhar cansado
Por um mais animado, sem os incômodos palitos
De fósforo, nas minhas pálpebras ainda apoiados
...
Tenho pra mim, em palpite simples, que
Se tivesse dançado uma música apenas
Na última festa junina, terias sussurrado
Cantado baixinho em meus ouvidos,
Que melhor que prender passarinho
É vê-los piando e voando felizes.
Friday, August 20, 2010
24 horas passageiras
05h05. Em frente ao Maksoud Plaza. No Hotel informam que o próximo ônibus para o Aeroporto passa em 15 minutos. Sabia que o brinde da última coletiva no Banco do Brasil, um dia ia servir. Primeira folha do bloquinho! Essa despedida antecipada não estava nos planos. A noite passada foi estranha! Tudo tão confuso que é melhor não processar agora. 05h10. Difícil conseguir pensar. Só com café. Expresso, de preferênicia. A essa hora da manhã consigo um pretinho forte, amigo?
05h07. O moço parou uns segundos para entender a frase. Até que o olhar perdido desapareceu quando enxergou meus dois dedinhos naquele gesto clássico que a propaganda de alguma marca de café ajudou a eternizar.
05h10. Chic não? Pensar que meus pais se hospedaram aqui e eu já era nascida. Contaram com riqueza de detalhes: entre os hóspedes o humorista Juca Chaves em seus chinelos e camisão branco. A atriz Sônia Braga. "Pequeninha ela. E na tela a gente sempre via aquele mulherão", comentário da minha mãe. Foi café com croissant. Podia ser a despedida. Dali ia fazer mais o quê? Aquela dificuldade de raciocinar direito de novo. Nada. Pago logo a conta.
05h20. Preciso correr. Como assim? Embarco no ônibus (posso dizer isso?). Ninguém ajuda com os pacotes. Eu poste. Vou desequilibrar e cair. Preciso insistir com o bilheteiro: "Uma mão?". "Não, obrigado. Não sou parte interessada...Tudo bem, tudo bem! Seguro para você essa caixinha de presente". Ele está certo. Três sacolas numa mão, uma mala enorme na outra. Quem mandou ser consumista? Preciso voltar pro Recife. Como se a frase pudesse apressar o relógio..
05h25. Paulista é pontual. Isso eu aprendi. E rápido. O mínimo dizer que a expressão "vamos em boa hora", que a gente transformou em "vamos embora", eles minimalisticamente tornaram "vamu!". E eu fui. Pro Aeroporto numa distância de apenas mais algumas paradas. Até ali, em dez dias, não tinha aberto os livros que levei. Foram exposições, lojas de design, passeio na Praça Benedito Calixto. Uma loucura a FNAC! A Rua 25 de Março, o Ibirapuera. As fotos!? Tudo aqui.
05h30. Abro o primeiro deles. "O Processo", de Kafka. Aquele começo... Com todo o existencialismo Sartreano e a ajuda das frases de Beauvoir, minha querida Simone, antes parecia confuso. Agora não.
Vou devorando cada página e me envolvendo na trama e no drama de K. Difícil é começar, mas depois que as linhas se cruzam e vão engendrando você a angústia é maior, o ceticismo também. E os sustos simplismente desaparecem. Nada sobressalta mais. Atravessei aquela porta.
06h20. "Chegou moça! Não vai descer". O motorista do ônibus já gritando. Quase em transe, numa espécie de andar mais alto, despenquei caindo na real e descendo os degraus em tropeço. Agora que notei como essa mala pesa.
06h40. Meu Deus é caótico. Não era. Sempre acreditei na sorte. No Divino Espírito Santo. E agora, com esse materialismo todo que me é jogado na cara, onde vou encontrar algum perdão? Continuo. Não consigo mesmo parar. Deve ter um lugar para guardar essa mala. Basta o tanto que minha cabeça já pesa.
06h49. Que bebê bonito! A família passa por mim com dois carrinhos. Na volta só vejo o bebê nos braços. Livraram-se das malas? Quem? Como? Quando? Onde? Volto pelo caminho de onde veio aquela família. Que bom que inventaram o "malex".
06h50. "Sim senhorita. Temos um guarda volumes no primeiro andar. A taxa é R$7,00". O cidadão do serviço de informações é bem mais gentil. Embora as últimas palavras soaram mais duras: "A senhorita só tem que perguntar lá por quantas horas". Pensei que fosse pelo dia todo. Imagina quanto não cobram de pernoite no estacionamento! Conhecer uma cidade grande tem seu preço. Agora não é só a cabeça. A idéia de sair do apartamento daquela ex-amiga pesa também no bolso. Lá vai de novo o cartão de crédito na maquininha...
07h00. Uma da tarde preciso voltar aqui. Vou ter descansado as costas. Tirado um cochilo e aí carrego a mala comigo. Um cyber, lógico. Com jeitão bem paulista. Todo moderno. Básico. O último cenário colorido foi na Benedito Calixto. Deu pra checar caixa de e-mail do yahoo e arrumar tudo em pastinhas. E não sai muito em conta a distração. Melhor voltar pro livro. Daqui a pouco vou sentir outra fome.
08h00. Voltam todos os conflitos de K. Cada detalhe do seu cenário. Do quarto de onde foi detido. A sala dos jurados. O clima denso e frio do livro. Engraçado... A frase pareceu grudar no entorno. Foi como se tivesse sido feita para aquele local onde todos estavam de passagem, exceto eu, o cara da limpeza, do balcão de informações, a moça do banheiro feminino. E todos aqueles garçons e garçonetes das lanchonetes com feições tão tristes. Ao menos não arriscavam palpites sobre de onde eu vim pela completa ausência em mim de algum sotaque. Sei que ainda posso morrer afogada por isso como adverte aquela piada das antigas.
09h00. Eu pedindo desculpas por nada. Morre-se assim a cada dia. Sinto-me a pior das criaturas. Ainda dizem que sou uma "privilegiada".
09h40. Descobri que cheking só se faz horas antes do vôo. Agora somos poucos por aqui. Vou ter que dormir com um olho aberto?
10h00. Preciso ir ao banheiro e isso é para hoje! Cometo o pecado de entrar no que é reservado para pessoas com necessidades especiais. Eu não sou assim. Nunca desrespeito uma regra, mas era o único que dava pra entrar com a mala e as sacolas e tudo. Que alívio...
10h20. Alguém com tantos pacotes quanto eu. Confortavelmente sentado. Deve ser rei. Ou deputado. Consegue até ler esse "gênio"! Tá pesado. K. do meu lado. Confiro as malas e pacotes. Firmes no carrinho. O mais próximo possível. Abro livro de uma das sacolas. Fecho a bolsa prefiro para não olhar para a cadeira. Sinto náusea.
10h39. Descubro um jeito de trocar de roupa. Visto uma blusa cor de prata. Na boca, caneta de alumínio.
11h00 - O fluxo de pessoas é menor. Grupos de negros americanos. Mãe irlandesa com filhinho de uns 3 anos. Homens com a mão no bolso, pensando. Começa uma missa. Será que o pároco se incomoda que eu entre? "Não é lugar pra malas". Nunca imaginei que o reencontro com o divino seria num aeroporto. E interrompido pelo excesso de malas.
12h00. Por que essa voz no alto falante não para? Volto a ler "O Processo". Náusea de novo. É cedo e tudo vai ficando escuro. Deve ser (blackout). Fome. Lembrei que não comi.
13h00. Cumprimento um outro casal "países nórdicos" com um bebezinho. Outra família... As malas!
14h08. Portal aberto. Caixa eletrônico. Nada!. Nient! Nothing! Fora do ar. Não tem remédio que dê jeito numa dor de cabeça dessas. É duro. É Kafka.
15h18. Como o mundo é cheiro de gente. Quantos circulam por aqui? "222 milhões 300 mil pessoas
embarcaram e desembarcaram pelos terminais".
16h33. Um casal comprando souvenir. Se leva um pedaço de algum lugar?
17h45. Fome começando a apertar. Dá-lhe pão a metro.
18h59. No final do corredor tem um restaurante para abastardos. Melhor nem olhar muito.
19h00. Vamos conhecer as instalações...
21h30. Duas revistas devoradas. Para tirar da cabeça as imagens tristes de Kafka. Virei figurinha conhecida. Alguns já acenam.
22h00. Na sala vizinha ao restaurante dá para dormir. Um cachorro entra na igreja. Porque a porta estava aberta.
23h01. Aquela risadinha foi comigo...
22h16. Seria muito pedir para fazerem silêncio.
23h56. Meu Deus, K. foi embora. Pode voltar para embalar meu sono. Só quero conseguir dormir.
00h00 - Tem gente na rede. Que bom inventaram Internet!!!
01h30. Pausa para um café. Se o sistema eletrônico permitir.
02h44. No ar!!! Não inventaram cheiro tão bom. Café, café, café!!! Toledo: tirei lição dessa marca.
03h00 - Pena que os paulistas não conhecem tapioca. Tudo bem, pão de queijo e croissant. Nunca mais pão a metro.
04h55. Tem um garoto que também durmiu nessa salinha.
05h10. Fiz meu primeiro amigo na viagem. Paulista sabe ser correto. E simples. Não sei por que, mas gosto muito disso. Em Brasília, os dois taxistas perguntaram pra mim: A senhora é Paulista? Não mais "moça", não mais "senhorita". Senhora vendo no espelho alguma elegância paulista.
06h06. Faltam treze minutos. Contagem regressiva para o avião.
06h36 Atravessei!?
Thursday, August 12, 2010
No cantinho ao lado do quarto encostei com vista para a janela meu sofá, que agora é branco. Branco como os outros móveis: da tevê, das roupas, do escritório, a palhinha das cadeiras (a mesa é de vidro)... e lá está em branco: a adega de vinhos. Brancos são o quadro de Rosinha, da série "as cidades" e daquela famosa fotografia de David Allen, uma homenagem às operárias queimadas. Chama-se Women on the Rise. Também a estante de livros, a torre de cds e as prateleiras, inclusive uma maior que ampara a outra janela onde estão porta retratos e o calendário, o de folhinhas prateadas...
Alguns detalhes são coloridos. Com uma rara predominância em celebração de azul. Uma ararinha de madeira, um oratório com Nossa Senhora da Conceição, minha Nossa Senhora azul, num chão de miçangas como o mar, azul! e a foto de uma grande diva... Em preto e branco são as xilografias que ganhei de Jota Borges, Antônio Filho e Dani Acioli.
Hoje falta um jardim, de inverno claro. Porque jardinzinho zen já faz tempo que eu tenho. Esse outro vai ter vasos branquinhos de cerâmica perfeita. E um aparador verde com jarrinhos verdes com salsa, coentro, cebolinha, hortelã, manjericão e outras folhinhas.
Mas voltando ao prateado, ele está na cozinha e deve ficar. Penso até em substituir o fogão por um top clean chef, porque cozinho pouco. Raramente ouso uma boa massa. É que depois da sanduicheira e forninho tudo ficou tão mais fácil!
A geladeira é uma relíquia: uma brastemp série prata, antiga como eu ... com um congelador enorme, ela toda tem quase dois metros de altura! E um pinguim lá no alto. Ah, ela é também uma espécie de vitrine para duas tops prateadas como os amuletos presente do Mestre Galdino.
Fácil compreendê-los. Muito mais que as manequins de meio corpo. (Escapou um sorriso), com toda graça são lembranças de um tempo de saraus com música e moda. Como a carranca e os quadros em preto, vermelho e amarelo. Lembram postais antigos. Na verdade são gravuras da Collezione Bellé Epóque, com senhorinhas num Caffé Espresso Servizio Istantaneo e una Distillerie Italiane Sezione Apparechi Milano Via Torino e Apparecchi a Gas D'Alcool, que avisa: Economia sul petrolio. É preciso dizer que chegando em casa numa quinta feira típica desta cidade que só sabe chover, ainda me chama a atenção a gravura com uma inesquecível bailarina. Garota propaganda mais antiga de uma cervejaria. Vez por outra vejo que ela dança sobre a torneira da pia de um fortíssimo jato d'água...
Sunday, August 08, 2010
Saturday, August 07, 2010
Pausa. Chovia pequenos riscos lá fora. Pode olhar pela janela enquanto investigava o mundo e suas redes. Suas simulações. Pausa. Pensou uma segunda vez. Seus colegas que criavam frases e cenas num discorrer franco do pensamento deles. Pausa. Criou aquela pequena coragem de levantar-se da cadeira, perturbando toda imobilidade, para esticar o corpo lá fora.
- Vou dizer olá à chuva!
Não esbolçaram reação. Nem riram, como esperava... Apenas olharam em silêncio. Arranhando rodinhas no chão liso afastando as cadeiras, abrindo espaço.
Desceu a escada, espaçosa, no ambiente de pé-direito alto, com posters originais de filmes incríveis, e atravessou a porta. Bastou-lhe o intervalo do pequeno toldo para espichar o corpo, equilibrar-se na ponta dos dedos e tocar a lona. Uma gotinha despretensiosa escorreu por sua mão alongada. Foi o gesto de ligar-se - mesmo que tão suavemente - à cobertura, que fez dela aquela gotinha, depois de percorrer distâncias, chegar até ali.
Logo essa tontura passa. Voltou aos amigos que criavam incansavelmente novos espaços. Voltou-se ao seu espaço real.
Thursday, August 05, 2010
- Atire! Bem aqui. – E abriu o plexo, apontando para o peito.
O assaltante congelou. Por um segundo reviu todas as mortes de sua autoria... Todos os dias milhares morrem assim. Ela era só mais uma. A diferença é que essa aí, na sua frente, queria.
- Por favor, eu lhe peço, aperte logo o gatilho... Meta logo. Vamos com isso!
Um movimento de dedo apenas e ela cairia estendida. Não respondeu. Não quis dessa vez.
- Lapa de doida... Onde já se viu? Passava vinte reais. Dá vinte pedras, sabia? Disse o comparsa.
- Matar a pedido sai mais caro, dona. – E foi baixando o cano.
- E por que não mata? Vai ser menos um jornalista.
- Até matava de graça. Mas já que a senhora pediu, só pagando.
- Vamos embora daqui. – Olhou para ela como quem reconhecia – É aquela mulher da televisão... Deixa pra outro. Ela é cana certa.
- Covardes!
- E a senhora é lá corajosa...?
Ironia. Foram embora não sem olhar para ela nos olhos.
...
- Não levaram sequer os vinte reais?
- Era tudo o que tinha. Dinheiro, aliás, que acabamos de beber depois de mais essa cerveja...
Já estava na mesa do bar de sempre e repassava o episódio entre conhecidos. Sua ‘mesura’ não saia da cabeça. Onde foram parar as ligações que tinha. O amor que sentia pelos filhos adolescentes, ainda, e pais em idade avançada? Não sabia. Tudo que sabia é que não conseguia voltar para casa. O dinheiro era para o taxi. E não mais o tinha. Não teria também onde morar dali a dois meses. Morar na casa dos pais nessa idade? E todos os horários de colégio, atividade extraclasse, terapia...?
Estava n’outro beco sem saída muito pior que aquele de onde os assaltantes evadiram. Onde sua morte não se deu. E não virou notícia de pé de página de algum jornal da cidade. Ainda não compreendera o desprendimento, tamanho desapego e aquela ousadia... O certo é que funcionou errado. Diferente do que queria. Ia ter que enfrentar a mudança. As contas e o imposto de renda até o final do mês que nunca soube mesmo, no seu caso, para que servia.
Nenhum bem. O carro vendeu para pagar outras dívidas há uns de sete anos. Divorciada. Porque é mais chic que ser separada. Dois filhos e uma coleção de relações desastrosas. Findas em noites de discussões descabidas. Ainda tinha que terminar de empacotar os livros. Depois de dez caixas preenchidas, havia mais. Discos, um mesa, um computador. Uma tevê dos bons tempos. Um guarda-roupa novo, do ponto vermelho. Fogão e geladeira da época do casamento. E uma tuia de quadros, fotos, álbuns, recortes de jornal e coleções de revistas de moda e decoração. Fortuna nenhuma. Poupança nenhuma! Esperava pelo seguro desemprego e pela primeira vez estava há quatro meses sem nenhum ‘trampo’. Nenhum ‘freela’. Nada que pagasse a subsistência. E se pintasse algum talvez sobrasse para pôr comida na dispensa, pagasse a conta da luz e os cigarros que cada vez consumia mais e mais.
Em outras épocas, depois de uma situação daquelas, loucamente ligaria para os filhos. Diria: “Como estão meus amores, mainha pensa muito em vocês”. E com a voz disfarçando o medo, segurava o choro e o desespero porque no fundo queria mesmo estar viva para vê-los formados, trabalhando no que escolheram. Quem sabe até encontrando um amor de verdade. Vestiria azul nos quinze anos da filha. Ou calçaria havaianas na festa de enlace que fariam à beira mar em homenagem a Lorelai. Não pensou em nada disso.
- Vamos logo com isso. – Lembrou que insistiu.
- Ia precisar de algumas sessões de terapia para compreender seu impulso. Seu desapego chegara nesse nível? Por quê? Quais os motivos? Não deveria ser uma questão isolada. Se fosse, teria assumido essa dimensão na sua vida para querer dar fim a ela? Não justifica reagir a um assalto... Quanto mais pedir para ser morta. Ainda bem que estava sozinha. Não comprometera a vida de ninguém mais. Alguém que, certamente, nunca a perdoaria.
- O que torna tão difícil estar viva?
A terapeuta perguntava sem grandes entusiasmos pela aventura que a paciente acabara de contar.
- Ou ainda, do que você está querendo fugir?
- Não sei mais o que pode dignificar ou corresponder ao que já fui um dia.
- Não me diga que não tem mais nenhum sonho. Não preparou seu plano?
- Talvez não. Talvez seja um sonho de brasileiro mediano. Como esperar pelo carnaval e pintar o rosto. Talvez pintar a cara da morte na minha cara triste.
- Não me parece totalmente triste. Sua ousadia é destrutiva, um bocado, mas isso é porque acha que pode. É sua aposta. Muito alta, mas é uma aposta.
- Não foi por empáfia. Saiu como um bicho de dentro de mim. Um animal sem controle.
- Embora isso tenha lhe oferecido o controle da situação...
- Ainda não havia pensado por este lado. Daí dizerem que os humilhados serão exaltados. Ação e reação e direito de réplica, tréplica...
- A ofensa é movida pela descrença na reação do outro.
- Talvez esteja também ansiosa?
- Posso saber pelo quê? Se o desejo era a morte, o que estaria esperando?
...
Saudade do futuro? Desejo de reencontrar o passado. Perder a linha é como ser devorado por seu próprio Minotauro.
- Por que, às vezes, o que era estrada vira labirinto? Não minto que deixei para depois. E fui ficando sem o olhar que é meu mesmo. Adotei o do outro, que nem sempre compreende. Atire-se, deveria ter sido a frase. Ao invés disso...
- Atiro-me!
*texto que espero ver publicado no portal http://www.interpoetica.com/
Tuesday, August 03, 2010
Sempre me perguntam, quando sabem da minha afeição pelos escritos de Clarice, se li também Cecília. Sim, bem menos do que gostaria, é verdade, mas fiquei pálida e opaca muitas vezes diante de suas franquezas. É límpida, para dizer o mínimo. E inspira.
Gosto, em particular, da idéia de não se reconhecer diante do espelho e das crônicaas "Ilusões do Mundo":
Moça procura emprego em particular.
"A história (que) começa no sertão com um casamento de amor. O homem é um ingrato, na verdade, mas é a fina flor da elegância e da sedução jamais desabrochada léguas e léguas em redor... Dessa perfeição de homem lhe nascem muitos filhos, dos quais sobram apenas uns dois ou três barrigudinhos, que ela não pode alimentar nem vestir, porque o pai não se considera responsável pelas despesas da casa. O que ganha gasta consigo, pois é pessoa muito exigente: só anda de terno branco, muito bem engomado, chapéu Panamá, sapatos de camurça e óculos ray-ban..."
E continua:
"Um tipo irresistível. As mocinhas correm atrás dele, desfolham-se aos seus pés. Ninguém acredita que não seja rapaz solteiro".
Vamos com essa franqueza até na conclusão do perfil da personagem em questão.
"Mas esse homem fabuloso, que até parece um artista de cinema, é injusto e desigual: fora de casa, todo açúcar, fala tão bonito que parece um doutor. Dentro de casa, espanca a mulher e os filhos que, afinal, apavorados, mal o vêem assomar ao longe, pulam a janela para se esconderem no mato".
E vaí por aí, nessa simplicidade, o enredo da tal moça que cansa dos saltos, entrega as crianças a avó e passagem num caminham. Acaba indo pro Rio, onde consta há empregos para todo mundo e arranha-céus de graça para os pobres. Que ela não encontra para si, mas lugar um moço da sua terra, muito bonzinho e não tão elegante, mas que trabalha de dia num bar e estuda numa escola noturna. Casa à moda dos pobres, sem papéis ou cerimônia. Por derradeiro tem como qualidade aceitar os filhos do outro.
Mais que motivo para ela botar dinheiro em casa. Consegue contando sua história a ajuda de uma dona que aposta na sua sinceridade e devoção aos barrigudinhos e de quem não quer abusar da bondade do marido. Logo descobre que tudo naquela terra difere do seu sertão de onde adquiriu o costume de ir "munida de um embrulhinho amarrotado, com a sua farrinha-d'água: como se fosse para uma expedição. Só não traz a carne de cabrito 'ainda pulante' porque não é coisa que se encontre por aqui". Enquanto trabalha comendo sua "bendita farinha" dá-se a quebrar bicos de bules e asas de xícaras, beiras de copos epratos...". Ainda tem por defeito, no auge do entusiasmo, assoviar... Resultado:
No fim do mês já penas em pedir férias pois está morta de saudade. Passaram-se somente duas semanas e tudo está mudado... "A carne de cabrito já não era pulante; o café sabia a ferrugem; a farinha
"Só as crianças continuavam amarelas e barrigudinhas. A velhota muito cansada. E o marido, a viajar pelos sertões, namorando sempre, à sombra do chapéu e dos seus óculos..."
Ao final, Cecília, nessa simplicidade e franqueza conclui descrevendo que segue a vida voltando ao serviço pensando em ir para a escola noturna aprender a ler melhor, e arranjar um emprego público. Todos lhe dizem que é o emprego melhor e mais fácil do Brasil!
Esta é a doce e terna professora Cecília.
Monday, August 02, 2010
Quer que eu reflita: E se eu desaparecesse? Se a água da chuva derretesse minhas moléculas frágeis de açúcar. Piada! São sempre duas moléculas de Hidrogênio para uma de oxigênio. Conheço essas pausas... Já fui dada a passes de mágica. Ia compreender. E se era uma armadilha para tentar me entender, complicou ainda mais.
Não quer dizer que não queira chegar a algum lugar. Ou a lugar nenhum... Como na canção dos Beatles. Significa apenas que entendo de passes de mágica e de mais a mais, é comigo que sei conviver. Com você descobriria - usei um passado sem querer - o que é difícil, porque requer aprender. Deve ser porque meu sol está na 12a casa que permite o Aprendizado... Tão terna C.L. que brota da liberdade em experimentar os fenômenos da Natureza.
E as duas feras estão duelando agora em mim. Diferente do sonho de Sabino, as minhas têm nome: solidão e liberdade. Essa coragem louca de continuar olhando para frente. Sempre. Isso que também pode ser chamado de força e de "uma alegria difícil, mas que chama - se Alegria", querida Clarice. Força que José Castello acredita estar no sol desse cantinho mais ao Nordeste do país. Ah... O sol.
Não preciso entender de nuances da dor. Conheço-a em toda sua ausência de cor e estorvo é pior que duelo de titãs. Acredito tanto no direito que tenho de ser feliz que não duvido de mim. Nem me peça qualquer coisa que esteja relacionada a sentimento de culpa. Essa palavra horrível que aboli aos 30 e nem consigo repetir.
Era isso que você esperava? Que eu bradasse, esperneasse, xingasse até tirar um fio de cabelo meu do lugar pelo seu sentimento. Isso eu não sei fazer. Empenho um esforço danado em ser responsável e isso já é muito. Pelo menos é real. Tem palavra que não digo porque só faz esvaziar a verdade do sentimento. O que se sente é o que é. Pronto e ponto. Parágrafo....
...Na outra linha. No outro lado da rua enxergo meu refúgio. Meu canto. Eu canto sabia. Toda vez que sinto o vento soprando notícia eu canto. E danço entre as paredes do meu quarto. Minha música é suave e repousa meus ouvidos cansados de discursos antigos.
Nada é novo debaixo do sol desse país tão tropical onde chove. E se na música dos Beatles você e eu usamos capas de chuva e deitamos sozinhos ao sol, num solo triste, à noite, o guarda - chuva curioso e transparente se torna abrigo para a dúvida e a certeza de quem jogou. Jogou mal. É difícil suportar uma verdade. Mas impossível mesmo é construir algum sentimento que seja plantando palavra que não arrisco escrever...
Monday, July 26, 2010
Em geral, passarinhos me despertam. Ou é um beija-flor atrevido que faz toc-toc à janela. Dessa vez foi a sintonia fina de uma música rara que trouxe-me até aqui. Romeu do alto de pouco mais de meia dúzia de anos, sentenciou a única ausência da noite.
Afinal, como diria o outro Romeu: "É triste a dor de partir e eu te direi boa noite até que seja dia" ou seria "Boa noite, boa noite, boa noite! A despedida é dor tão doce que ficarei aqui te dizendo boa noite até que seja dia".
Thursday, July 22, 2010
Na mesa de cada dia o abandonado pão
Quem sabe até deixo escapar um suspiro?
Ou, de surpresa, um sorriso. Aos pedacinhos...
No ato seguinte, troco o olhar cansado
Por um mais animado, sem incômodos palitos
De fósforo, nas minhas pálpebras ainda apoiados
Se tivesse dançado uma música apenas
Na última festa junina, terias sussurrado
Que melhor que prender passarinho
É vê-los piando e voando felizes.
Enquanto não compreendo o que a afastou tanto de assim não faço mais perguntas sem nenhuma ordem ou sentido, como: Me dá um cigarro. Hoje não. Hoje são flores que trago.
Tente uma resposta...
Nunca esqueço uma canção quando solfejam para mim. Estou sempre inteira no tempo presente. Não levo comigo o passado, apenas boas lembranças e o que entendo como parte de mim. É minha grande busca. E preservo os melhores instintos para os momentos de escuridão. Mas serei sempre solar porque choro ao menor sinal de ausência do sol... Respondi?
Saturday, July 17, 2010
Monday, June 14, 2010
Uma réstia de sol
Entre os sombreiros
Corpo envolto solteiro
Rede de cor de abóbora
Ela esquecida da hora..
Protegia olhos claros castanhos
Ainda em avesso torpor estranho
Por entre fios espessos trançado farto
Espiava a balançar para folhas e galhos
Numa tarde mansa que desfilava calma
Naquele canto, em seu estado de alma
O vento batia aqui e ali enquanto escutava
Tilintar dos mensageiros, de nome tão meigo
E a tarde, então, se cumpria assim: Vazia.
Agora há pouco tecera um balanço
De cordas brancas e madeiras fininhas
Há instantes estava a paginar o calendário
Contando doze dias do início do ano.
Foi neste momento que ouviu
A cantoria das avezinhas do lugar
Dois passarinhos: um bem-te-vi e um sabiá
Um deles de lá dizia:
Estou daquì a te espiar...
Ao que o outro respondia:
Eu bem sabia! Eu bem sabia!
Friday, June 11, 2010
Nome: Mistério
Idade: Aprox. seis anos - dos meus...
Cor: Pelagem branca
Endereço: Marquise
Plano: Sair daqui
Música que toca: "hooome lesss, hapyness my caastle the staaars and the sea..."
Monday, June 07, 2010
Requisitos a serem cumpridos no recebimento deste selo:
1 - exibir a imagem do selo em seu blogue;
2 - postar um link para o blogue que o escolheu;
3 - escolher outros quinze blogues a quem entregar o prêmio;
4 - avisar aos escolhidos.
Agradeço a Keila Costa que anunciou seus escolhidos:
1 - "Damaria"
2 - "Sabe de uma coisa"
3 - "Specullum"
4 - "Marcas d’água"
5 - "Borboletas de Fevereiro"
6 - "Num Café Pequeno"
7 - "Suprasensorial"
8 - "Eu e mim mesma"
9 - "Rudaricci"
10 - "Sara-evil"
11 - "Da Cor da Felicidade"
12 - "Michelfm"
13 - "Freiregari"
14 - "Curto Circuito Literário"
15 - "Poros"
Aqui estão minhas indicações:
1 - "Raimundo Carrero"
2 - "Estuário"
3 - "Era o Dito"
4 - "O Mundo Circundante"
5 - "Fabrício Carpinejar"
6 - "Entre Lugares"
7 - "Manual de Astronomia"
8 - "NósPós"
9 - "Cronicax"
10 - "Cronópios"
11 - "Escritoras Suicidas"
12 - "Linguagem Guilhotina"
13 - "Rosinha Campos"
14 - "Belas Coisas e Simples"
15 - "Diana Stereo"
Friday, May 28, 2010
Memória que eu tenho, entre as tantas, é da risada de Irene, a levada! Titia Irene era aquela tia que sempre trazia de presente pra gente uma piada nova. Um a tirada dos fatos corriqueiros que ela dizia e a gente ficava. Com a sacada e a risada de Irene. Risada boooa, Sonora! Zunindo no ouvido.
Como quando era chegada a hora do banho da criançada. Ela dizia: "minha filha, vai dar banho na borboleta, não?" E não tinha como não abrir um meio sorriso de surpresa, enquanto ela franzida a sobrancelha, se ria... E a risada zunia enquanto a sugestão se cumpria.
Consigo ouvi-las agora mesmo. As risadas. E lembrá-las. Memoráveis tiradas de Irene. No último dia das mães, ela ali sentada miudinha com seu humor enorme, de repente teve um passamento. O primeiro dia foi de susto. Os outros seguidos de tormento.
Enquanto era levada para o hospital, titia Irene fazia esforço para levantar os olhos e fitar os sobrinhos netos a carregá-la, às pressas. Eles a socorriam e ela recobrava os sentidos. Foi só resgatar-se um pouco e logo que perguntaram "tá melhor tia, tá sentindo alguma dor?". Ela ainda pálida, abatida, respondia: "só no olho do porco. E aquele batimento na perseguida".
Borboleta de Irene, ali estremecida, foi mesmo perseguida por Severino. E acabou sendo por ele "possuída", como dizia titia. Fugiram juntos aos poucos anos de vida. Ali, naquele momento em suspenso, Tio Severino em seus passos lentos fez todos os movimentos na direção de Irene. Corpo espichado, braços e mãos estendidas. Seus olhos pareciam perguntar: "para onde estão levando a minha alegria?" Até que da boca sai a frase afinal: "me levem junto, me levem com Irene".
A cena partiu o coração do parente mais indolente. Enquanto esperava para ser atendida na emergência do hospital Irene se refazia. Mas o humor não perdia: "pra quê tanto sangue seu moço, da veia dessa velha tia? Vai fazer uma cabidela é?" E o enfermeiro - até então absorvido pela correria - se ria: "essa vai sair logo daqui. É só dar um jeito na anemia"... A gente também tinha certeza que irene logo dali sairia, em dois ou três dias. Tempo previsto para exame que - segundo o médico - diria se Irene corria ou não risco de novo infarte.
N'outro lugar do mundo titia Irene não esperava. Mas como foi tudo mesmo por aqui, o tempo que demorou numa cadeira na emergência Irene fez os pacientes esquecerem suas dores e tristes memórias recentes. Se lá vinha mais uma injeção, em seguida vinha mais uma tirada de Irene: "tá bom enfermeiro, não tem mais nem onde furar. Só onde meu velho já passou e aí eu não dôo". E a risada se ouvia. Um instante de alegria feito tábua de salvação naquele rio de dor perene.
Quando foi, finalmente, transferida para um leito na enfermaria, a emergência do hospital, que nem tio Severino, sentiu. Estendeu-se em reclamações por perder as tiradas e as risadas de Irene. Já imaginou? Naquele mundo de espera insólita e barulhos de sirene, que delícia! ouvir as risadas de Irene...
E ela brincando com tudo aqui, dizendo: "Se aperrei não minha gente, é só um pulinho ali nas Europas". A última notícia que tive foi de que precisava de sangue. Nem deu tempo das furadas por agulhas que serveriam a Irene, infelizmente. Minha tia tinha tantas tiradas, mas sangue dos outros, mesmo carecendo, não mais precisava.
Restou agora essa lembrança grudada. Feito superbond. Efeito borboleta. Batendo feito asas no juízo da gente. Em sua vida de gente humilde, sacrificada, titia Irene deixou uma lição que sustente! Faz fazer uma pergunta que já tem resposta: "por que será que entre tantas memómiras sonoras, a risada de Irene é a que mais fica presente?"
Pra dar a resposta sem rodeios, mesmo enxergando do lugar do meio, estou certa do porquê: Irene sempre escolhia em meio às tristezas, aperreios e fatos corridos da vida fazer piada com eles. Tudo sempre foi receita para uma risada nova!
Fico olhando pros filhos, netos, sobrinhos que Irene deixou me perguntando qual deles herdou seu talento? A verdade é que agora que a borboleta de Irene voou, a família ganhou mais uma tirada de Irene. Até na sua retirada partiu vinte anos e um dia depois que a mãe Joaninha. Depois de um passamento em pleno festivo dia das mães.
Tremo e não é de frio ou de medo. É de raiva. Sim, pelos sustos que tenho com o mundo... Tremo de frustração e de angústia. É raiva contida. Pelo meu modo simples. Tremo de horror e de revolta. Infantil demais?
Sim. A minha criança anda mesmo muito comigo, ultimamente. E é por tomar, vez por outras, seus olhos emprestados que vejo o mundo em susto e horror. O que enfrentam esses pobros olhinhos infantis nos dias de hoje... Minha criança, por fortúnio, não está sozinha. Anda na companhia do meu adulto. Por isso não há em seus olhos traço de sentimento pior: o abandono.
Mesmo com a voz ainda presa, o adulto fala por ela, quando é necessário. Embora nem sempre seja preciso. Mesmo em espírito deformado, por trêmulo, esse adulto está sempre com ela na lembrança e em sua presença vem socorrê-la. E vice e versa.
Mesmo no caos que se apoderou desse adulto, os pensamentos se organizam pela companhia da criança. Diante de quaisquer sentimentos, os pensamentos se organizam. Com raiva ou desesperança, o adulto se organiza diante desse destempero. Dessa destemperança.
Esse adulto que também sou enfrenta ainda com alguma coragem por estar perto da criança. Os horrores que, por desventura, se atrevem a atravessar em seus caminhos. Para proteger a criança, o adulto se organiza e mentaliza. Age com a mente. Com a razão. A união vai diluindo a raiva e revisa os fatos. A situação é cortada em pedaços feito carne para refogado. Tudo que escapou no momento do enfrentamento é fatiado.
Nesse mesmo instante revejo de um lugar mais alto. O que está mesmo em questão não foi ainda revelado em meio ao picadinho de frases em fúria, mal postas na mesa.
Wednesday, May 19, 2010
Não fosse tão úmido e verde escuro estaria agora polvilhado em açúcar e canela. Serveria mais se fosse apenas um Recife duro. Faria sorrindo em rodelas a alegria de meninos e meninas em cafés da manhã de ternura, em festa! Com presença de carinho de mãe no jarro de vidro sobre a mesa.
Mas no seu inverno o Recife não é assim... É cigarro molhado, feito charco de cinco mil substâncias para matar ratos e baratas. Socorrer por baratos o sujeito incauto em beco coberto de marcas. É mais triste que abandono de recifense esquecido na parada pelo último ônibus que passa apressado.
É noite de perigo e o Recife nunca pôde dar abrigo definitivo aos que vão se desmanchando feito papel pelas encostas. Recife nunca pôde se dar de presente em caminhões de lata para crianças que aprendem cedo a brincar com aquilo que mata. Meninos e meninas que guardam seus desejos, sonhos de brinquedos, por minguados que faltam. É overdose de desespero, de pancada, de dor que não passa...
Recife, no inverno, às vezes não vai nem com o café mais adoçado do amigo vigilante que me espia escrevendo em bloquinhos no assento do carro. Não Recife, não bastará teu carnaval para me fazer feliz. Rezo pela cartilha de Neruda que me diz do homem, da mulher, do pão e do vinho. Da mesa, da morada...
Homeless que sou, me abrigo em lugares distintos. Um dia um, n'outro outro. E assisto a seu modo o Recife oferecer um sorriso ao me olhar no rosto, feito reconhecimento, e a um só tempo, me expulsar. Justo em momentos que nos faríamos quites. Não, eu não entendo. É meu amigo vigilante quem vem e consola minha fragilidade de osso exposto. De criatura feita de mola.
Eu que ora sou espicho, ora rolha. Espicho e encolho. Numa hora pingo, mergulho e afogo. Quem dera não tivesse sequer encharcado... Podeira apenas dizer como imagem da minha tristeza que me sinto um desses pássaros capturados, logo de manhãzinha, nas matas atlânticas de teus arredores, Recife.
Cruelmente, esses homens que não têm o que fazer, nem se darão ao trabalho, usam outros canários para atrair suas presas. É assim no sexto e em outros quilômetros da Aldeia. Testemunho em gritos de buzina para espantá-los. Mas a verdade é que não vou conseguir socorrê-los ou fazê-los correr dali. Fugir das arapucas montadas em cercas rentes ao pasto.
Capim que sou só me resta acender esse cigarro molhado, sacar o bloquinho enquanto espero o ônibus. Meu único brinquedo. Eu que perdi meu caminhão de lata... E beber com alguma alegria matutina o café "talvez adoçado demais" do meu amigo vigilante. Para quem agradeço num cumprimento tímido, sem abraço.
Thursday, May 13, 2010
É tamanha solidão que expõe ao risco de perder-se. E no entusiasmo semelhante ao de uma criança, na euforia por algo novo mesmo que não seja bom ou real, nisso está a chave de acesso ao perverso.
Sem segredos a vida vira uma sucessão de fatos banais e de atos insólitos. A incredulidade de quem guarda um segredo faz dessa pessoa algo que se pode tocar. Como uma peça de madeira maciça.
A busca que hoje move a existência procura por um espaço onde não enxego palmo de mão diante do nariz porque fixo os olhos no chão. Não compreendo e por isso fui me tornando mais real. Por que há ganhos em não compreender? Quando compreender era ainda tudo o que queria. A intensidade é de um desconhecimento absoluto. Não posso ser atingida senão pelo caminho oposto da razão. São os instintos que me guiam nesse escuro. A luz acessa vai tornando meus sentidos despertos e os instintos desérticos.
Estou terna comigo mesma no dia de hoje porque espero pela aparição de Fátima. Não me obrigo mais ao silêncio. Não há mais imobilidade em mim. DOu-me ao desejo como um reflexo. Repetidas vezes te quero olhar de corpo inteiro. Até a exaustão. Não abandono mais o querer-te.
Meu desejo motor me tira do nada. Do meio do oceano. Do meio da estrada. Caminho certa por entre retrovisores ou navego por entre as ondinas do alto mar. Só desaparecerei por obra de uma tempestade descomunal. Sei que não há recompensa. Há o perigo ou a mansidão. Escolhe o primeiro.
Como um ser humano cheio de necessidades. Necessidades e vicissitudes que não se encontra no mercado. Nem se poderia guardar num armário. Não diminui minha existência. Meu mistério é que não está mais ao alcance de mim. Meu senso de direção foi afastando-me dele. COmo uma bússula confusa. Ao mesmo tempo em que expresso apenas o que está no desejo de compreensão do outro mais abandono a complexidade do pensamento e me aproximo da inteireza da vida. O imenso agora é apenas um grão de areia que machucava a retina. Eu grão de feijão.
A mesma ternura que guardo para meus filhos vem se traduzindo em mim na aceitação do amor. E o que sempre foi meu maior medo transforma-se em minha grande liberdade de viver. O que me causava susto e temor agora me dá asas. Logo elas que me abandonavam no primeiro piscar de olhos da pessoa amada.
A crença na minha inutilidade é o que está me fazendo servir a senhor que antes eu não me atreveria. Se há mesmo um Deus sobre todas as coisas ele não deve apenas escrever certo por linhas tortas como também desenhar seu plano em páginas sobrepostas.
Seu roteiro surpreende os desavisados que confiam sua pena à mão solta do coração. Enquanto estou faminta alimento meu espírito com teu timbre sonoro. Chego a entender a loucura de um maestro que harmoniza tantos instrumentos. Escapou um assovio de pássaro do campo.
Friday, April 16, 2010
A esposa ficou olhando serena para a porta que acabara de fechar. O marido se foi. Foi sem lhe "atender" ao pedido de um carinho naquela manhã quente, de lua fértil. Não havia mais o que fazer. Deu de ombros. Vai ver ele se foi porque estava realmente na hora de ir. Costumava ser pontual e intolerante. Um homem, portanto, "coerente", diriam os amigos. Mas a verdade é que não estavam lá muito próximos por estes dias...
Mas, não foi mesmo, por nenhum desafeto que imperou a negativa. Apenas um simulado desprezo. Ficariam à noite, prometeu ele. Hora boa do dia. Hora em que não seriam interrompidos pela chegada da ajudante ou despertar dos niños. Estavam novamente de mudança. Mais uma vez de mudança. Ainda não havia mesinha de cabeceira ao lado da cama, nem móveis nos lugares devidos. Colchões espalhados pela sala. Eletrodomésticos encaixotados. Sossego perdido.
Aos sobressaltos ela notava que havia tempo não paravam para ouvir bossa nova, nem rock 'n roll. Não haveria mais um pingo de Amor? Secaria e depois morreria? Naquela manhã, o medo furou - lhe como um tiro seco.
Ele foi sem culpas. Com a certeza de que poderiam superar sem danos ou perdas, a má hora. Esperando pelo momento ideal. Ela, mesmo levantando para acompanhá - lo até a porta e até despedir - se com um beijo morno. Olhou atenta e achou que suas almas continuavam uma mesma. Por muito tempo ainda estariam ali.
A outra parte da sua preparou-se aos pouco para o desbunde. Boliu - se por alguns instantes. Erguer - se contorcidamente demorou mais que de costume. Durou enquanto lia um clássico, Willian Shakespeare. Depois de instantes levada, imóvel, decidiu! Hora de levantar porque a inércia começava a lhe dar nos nervos.
Tomou uma boa ducha, lavou bem os cabelos. Impregnou - os do cheiro de algas marinhas. Limpou bem a pele do rosto. Olhou - se no espelho liquefeito. Tocou a extensão de cada poro, esfregando com as pontas dos dedos cada centímetro de pernas entre as coxas. Do começo até o fim das costas. Hidratava - se. Por completo. No corpo um creme com o perfume que lhe dedicava às partes mais delicadas. Uma ponta de vaidade. Um pingo em suspiro evaporava do pescoço comprido.
Vestir - se era fácil. O despojamento de sempre. Só. Era assim que se achava bonita. Saiu para reabastecer a casa de coisas que encontraria no mercado... Começou a procurar em meio às folhas. Legumes... Nos mais frescos se deixou levar. Colhidos ali, há pouco. Pensamentos sobravam e soprava uma brisa leve que nem fios de cabelo soltos da cabeça em movimento.
Ventos derrubam casas e pontes até. Já vi tetos desabarem. Alumínio leve é breve e certo. Ventos concêntricos viram furacões. Pés de vento levantam folhas nos parques durante o outuno. O vento levava os cabelos e junto iam pensamentos. Levantava a saia num balanço leve. No mercado, via - se ela levitar por entre balaios de laranjas vibrantes. Um colorido cítrico de mercado vivo.
Ouvia o ruído suspensa em dedilhado de ouvidos, rumores incertos para os quais não tinha sentidos. Parecia estar numa terra distante ouvindo o derramar de água cristalina. Ia esquecendo de tudo... Despertou do devaneio quando um rapaz de alguma idade, que a observava a se rir da graça, como a moça flutuava entre as frutas rotundas. Tão bem distribuídas em seus balaios.
Puxou de assunto, a qualidade das laranjas. Não se podia comparar àquela hora do dia frutas tão vigorosas e ao mesmo tempo maduras. Ao que ela lhe sugeriu que desse importância, além da aparência, ao verdadeiro sabor de cada fruta. O fato é que, àquela altura, as dúzias escolhidas viraram sacolas carregadas, que pelo peso, ela precisaria de ajuda para levar. Só até o final do quarteirão.
Não foi com presteza que ele se ofereceu, mas com naturalidade, a mesma que se estivesse ali para aquilo. Ela não havia chegado aos quarenta. Pedir ajuda fazia se imaginar aos setenta. Mas não viu, dessa vez, qualquer ameça à sua solitária rotina. em aceitar a gentileza. Sem dar muito espaço para os cuidados que denunciam os culpados levaram - se pelo caminho em conversas sobre frutas frescas até onde o carro estava estacionado.
Coincidência, a casa dele ficava ali ao lado. O rapaz fazia pesca submarina e não era do contexto do mercado. Ofereceu - se ao peso das sacolas e por estar capturado pela "corrente azul" que nela balançava. Ao ouvir isso, uma corrente submarina invadiu-a de imediato. A moça aceitou dessa vez o gentil convite "quer conhecer meu quarto?"
- Aceita uma água ?
- Gelada!, ela respondeu sem nem pressentir que não demorava. Embora o rosto já estivesse aquecido em maçãs. Vermelhas. Na boca ia um gosto antecipado de fruta madura... Foi também pela simples palavra dita e os lábios delicados do moço balbuciando qualquer que fosse a frase.
E aquele calor que não a abandonava, agora perseguia. Em geral não escolhia começar porque o primeiro piscar de lábios puxava outros seguidos. E a dificuldade traduzida em capítulos inteiros do romance inglês, agora era energia que fluida simples e líquida. Feito água aquecida. No copo abraçado com as mãos e na passagem estreita prima-irmã dessa rima. Ela virou pesca submarina. Repetia sem parar no pensamento. Ele retrucava sem medo que de pesquisar o mundo marítimo seu universo se faria.
Esqueciam - se das horas, e volte e meia desembalavam frutas ouvindo o barulho do mar. Quietos, em silêncio profundo. Céu inteiro lá em cima, sol em frestas. Mergulho absoluto em cantos de sereia. Ao passar dos anos foram vindo vozes sobre o barulho bom: Ray...Peyroux...Nina... Holiday.
Ela fruta colhida, doce. Feito Mimo. Ele, aos bagos. Comiam-se em dias corridos. Sucessivos. Com o passar de noites, contadas em mil e uma. Quando somente, então, foram descobrindo que há mistérios no mar e dissabores delicados na fruta.
Thursday, March 11, 2010
Já viu como nasce uma amora? Tal qual um pequeno rato desprovido de sua cor e pelagem. Aos poucos ultrapassa aquele branco pálido, quase transparente. O vermelho lhe aparece quando da metade do processo de amadurecimento. Só então vai depois tornar-se roxa. Intensa e completa em sua força de cor. Poucos se apercebem ao encontrar essa árvore pelo caminho. Uma amoreira tem folhas enormes. Enquanto seu fruto é miúdo. Os galhos são tão finos que não combinam com a idéia que fazemos ao ouvir a expressão "pé de amora". Frágil assim mesmo a especiaria vinda da China, dizem por aí, é ainda reguladora dos hormônios. Imagine tal poder está guardado em segredo ou falta de conhecimento mesmo entre tantas de nós. Apenas com ingesta do delicado fruto e nós diariamente estaríamos livres dos 'desastres ecológicos' tal qual furacões ou tormentas que nos ocorrem vez enquando...
Tem crescido em mim o carinho e admiração por essa fruta. Por sua delicadeza, seu disfarce de nascer assim tão pálida e até feia posso dizer. E ainda por sua força. Sua missão. Por muito que já oferecesse em nos presentear com algum equilíbrio e ainda, dizem os especialistas, tem vinte e duas vezes mais cálcio que o leite. ALém de potássio, magnésio, ferro natural, proteína, fibra, zinco e levedura.
Podiam até reinventá-la como alimento para recém-nascidos e frequentadores do bar de costume. Adoraria erguer copos em sua cor. Lembrando o vinho extraído de uma prima muito distante, batizada uva. São tantos os mistérios da vida. E os da amora ainda tão pouco conhecidos como os que lhe olham pela pimeira vez em sua palidez horrenda não conseguem imaginar a formosura de seu ato final. Da forma para qual foi gerada. E os motivos para ser assim nascida me parecem mais ensinamento da natureza sobre a beleza das coisas...
Monday, March 08, 2010
O passo seguinte é ferver a água do café e porque só vai despertar os sentidos depois que o cheiro do pó coado invadir as narinas. Até a hora boa de acordar os filhos. O café da manhã já à mesa. "Tapioca quentinha meus queridos. Vamos levantar?". Proposta com nenhum espaço para negociação. Outra estratégia que uso é o cheiro do pão de queijo mineiro. Infalível.
"Mais um dia de aula, mais um dia de aula". Responde ainda meio torpe a versão criativa de Nemo em seus nove anos completos. Escapa aquele sorriso cúmplice, um beijo nele e na filha de seus quatorze. Para ela ainda não cabe, por completa, a frase que dedico a vocês desde o início do texto. Embora saiba que este é um dos projetos em sua vida, dos maiores e mais desafiadores como bem sabemos, tal qual foi nas nossas vidas.
Ela já caminha sozinha até a escola. Um beijo mais demorado com o silêncio contendo a frase no pensamento. Nessa hora, penso comigo que se ela tivesse pouco mais de idade eu inventaria de brincar em checar que lembrou, não apenas do lanche, mas também do protetor solar ... Cai como uma luva para esses tempos quentes e de tanta radiação solar, se é que me explico. Aliás, taí outra invenção necessária. O protetor solar. Nem precisar perguntar ao Bial.
Para vocês a frase vai inteira e cheia de outros pensamentos e reflexões. Completa nas lembranças de cada momento da história compartilhada. Dos terríveis espartilhos, aos cintos de castidade até nossos moderníssimos amigos do peito. Só mesmo as magazines queimam em suas liquidações. Nós não. Dedicamos uma gaveta para muitas versões dessa invenção. Não queimamos mais os sutiãs. Não é preciso. Nossas metáforam são outras. Acendemos velinhas perfumadas em noites mais românticas ou sopramos a do bolo de aniversário com primeiro pedaço dedicado a quem bem entendemos.
Ainda neste fim de semana vi um namorado chateado porque uma de nós dedicou o primeiro pedação ao melhor amigo. Afinal, o recém-chegado não compartilhou dos momentos difíceis, ora essa. É assim nos tempos modernos. Chaplin bem que avisou. Ajeite rejeita o automatismo porque sabe o valor da amizade. E como a vida ficaria tão impossível sem ela. Na nossa versão são muitas folhinhas viradas em calendários. Oito, quinze, vinte, trinta anos! Mudamos tantos hábitos. Dedicando lixo perecível para a compostagem e o reciclável para doação a escola. Essa rotina ainda mais frequente em nossas vidas que as conversas nos cafés ou no bar de sempre.
Esse dia-a-dia que nos ocupa tanto e muitas vezes diminui a frequência dos nossos encontros. Nossas conversas e análises bebidas em pequenos ou grandes goles desse vinho. Temos fotas digitais em nossas comunidades que mostram. Estivemos aqui e ali e continuamos. Vamos indo. Porque a mentira pregada tantas vezes de que mulheres não sabem ser amigas não grudou em nós. Passou direto por nossos ouvidos. Ficou retida no nosso detector como tantas outras tão convenientes, exceto para gente. Continuamos fazendo diferente - ao nosso modo - a diferença valer de um jeito mais construtivo e amoroso.
Sem as violências de antes, embora elas não tenham desaparecido do planeta. Mas que já são julgadas de outra forma. Sob outra ótica. Inclusive por nós mesmas. Afinal ainda somos e seremos sempre, eu suspeito, quem vai parir e amamentar ou alimentar nos branços contra o peito os recém chegados ao planeta. Não apenas com o leite e o aconchego da nossa voz terna, do nosso cheiro. Mas principalmente com as nossas idéias que definitivamente mudaram. E transformam cada vez mais este mundo.
Wednesday, February 24, 2010
Então subo na árvore e você deseja que quebre uma perna. Deseje-me sorte apenas. Como eu alimento por ti os melhores desejos. Os mais positivos. De sucesso e glória. Em busca da força que ainda credito a mim mesma, vou acendendo esse ponto de pólvora, até as minhas veias suportarem.
Tuesday, February 16, 2010
Anjo Caído
Foi com muita coragem que enfrentei o anjo. E contive seu desejo por mim. Deu a si mesmo um nome tão áspero que emudeci. Mas encarei sem medo seus olhos verdes e vivos. Tão vivo era o anjo caído quanto suas mãos quentes e graúdas. Inquietas.
É pequeno o meu corpo inteiro para as tais mãos... E ele continuo com o seu grunido em meu ouvido, dizendo coisas que Deuses não duvidariam porque assim o conheceram. Antes de perder suas asas e descer ao mundo dos homens, este anjo cumpria missão abissal no Olympo. Entre todos os supremos seres divinos ele era responsável pela segurança da grande Hera. E se perdeu no convívio forçado. Perdeu a confiança do grande Zeus, irmão e marido da figura de mulher marcada pelo ciúme e pelo uso abusivo do poder a ela investido.
A este anjo não foi dado o perdão. Nem notoriedade a seus atos condenáveis. Silenciosamente foi enviado para outra dimensão onde ninguém jamais teria notícia do acontecido e mesmo da sua existência. E assim, naquela noite de tambores, ensurdecido e ainda torpe por suas perdas, o anjo deu-se ao Pátio de São Pedro. Fixou sua força em meus olhos e me tomou nos braços como quisesse vingar mal que não cometi. Confundiu-me com Hera em minha força de genitora e por uso da pena e quis passar seu destino a limpo.
Enfeitiçado que estava ainda pela imagem da Deus rixosa confundiu-me sem que houvesse tempo para esclarecer o mal entendido. Tomou-me nos braços fortes feito grandes troncos de árvores e apertou seus lábios contra meus ouvidos. Naquele momento exato de fogos ao alto ele mesmo explodia e por tudo queria depositar em meu corpo seu apelo de gozo. Erguia-me roçando meus seios, umbigo e coxas por seu dorso desejando com força beber-me ali. Eu suspensa já, com os pés fora do alcance do chão, erguida pelo anjo caído segurei seu desejo com meus olhos frágeis num apelo mudo de sorte outra que não aquela da troca. De tão inútil sentimento de vingança em outro corpo por pura troca.
Foi com coragem firme que enfrentei o anjo caído e seus olhos verdes vivos que despiam-me desde o primeiro instante que me fitaram. O encontro exalou um cheiro estranho entre aqueles outros corpos suados e despertou ali no meio do pátio um luminosidade vermelha de entranhas de cabra. Tingiu o lugar perfumando o entorno, deixando naquele carnaval uma centelha de fogo eterno acesa.