Lugar da delicadeza com o outro e com a própria Liberdade.

Onde se está de acordo com o único modo do humano de ser feliz

Sunday, October 03, 2010

Abrigo


Está ficando tarde. E há algo que eu preciso te dizer: tanta coisa mudou em nossas vidas. Somente o Amor que sinto continua preso em mim. É preciso que saia. Que brote. Vou com a espada em punho, abrir a fenda que separa blocos maciços. Pôr com cautela sua lâmina. Para que abra caminho com todo zelo, todo cuidado. E para que nenhuma das pedras, por sobre eles, caiam em nossas cabeças. Esse jeito que procuro te revela apenas a primeira prova do valor que tem. A dimensão. Nem um fio de luz consegue passar hoje por essa brecha. Desejo iluminar esse lugar tão hermeticamente isolado por camadas espessas de areia e calcário. É noite ainda. Espero amanhecer para que ação seja exata. Precisa, porque necessária.  

Não houve palavras entre nós. Houve um número. Houve a ausência de paredes. De espaço próprio. Um filete de tempo. Dez deles. Dias dias. Foi do que precisava. Mas este silêncio e a distância que prescindo agora poderia torná-los meses. Mais de dez semanas se passaram. Reencontramos nossas lendas. Isolados como o ambiente por nós protegido. O sonho é de construção tão sólida quanto a matéria de que somos feitos. Há um ar rarefeito nessa caverna neste exato momento. É mister que se ventile o lugar. Que se ilumine. Que você se aninhe. Que eu me encontre também aninhada no teu peito. Erguida por teus braços de árvore altiva. Macieira no jardim. Tu alimento que me salvou de uma fome sem nome e sem fim.

Nosso segredo ultrapassará anos. Mil anos. O que sinto é terno. De um enlace igual e permeado por definição de nós mesmos. O sentimento de segurança que é tão raro e que antes compreendíamos estar em outro lugar. Agora que esse tempo passou, não é sincero abandonar o tesouro da criação do mundo em ambiente tão frio. Tão sem luz ou calor. Ao abrir essa fenda, com a precisão de abrir caminho por entre as muralhas firmes em atrito, será descoberto um novo universo. Um novo abrigo. Um lugar de onde brota água limpa e pura. Ergo punhos em direção ao encontro dos blocos. É tua a espada que carrego. E vejo agora em sua lâmina reluzir o primeiro raio de sol. É a manhã que chega. Abri.

1 comment:

Dinaldo Lessa said...

Que felicidade temos sem o abrigo do outro?