Lugar da delicadeza com o outro e com a própria Liberdade.

Onde se está de acordo com o único modo do humano de ser feliz

Sunday, May 18, 2008


"Você acredita que cada lugar tem seu momento do dia, quando se torna verdadeiramente vivo? Não é bem isso o que quero dizer. Na verdade é antes o seguinte: parece existir um instante em que a gente se dá conta, muito por acaso, de que pisou no palco exatamente no momento em que era esperado. Tudo está arranjado para você - espera por você. Ah, o dono da situação! Você fica cheio de si. E ao mesmo tempo sorri, furtivo, malicioso, porque a Vida parece se opor a conceder-lhe essas entradas, na verdade parece empenhada em tirá-las de você, tornando-as impossíveis, segurando-o nos bastidores até que seja tarde demais... Ao menos uma vez você derrotou a velha bruxa.

Tive um desses momentos quando vim aqui pela primeira vez. Imagino que é por isso que volto sempre. Retorno ao cenário de meu triunfo, ou à cena do crime, onde pelo menos uma vez agarrei a velha meretriz pela garganta e fiz com ela o que bem quis.

Pergunta: Por que sou tão amargo em relação à Vida? E por que a vejo como uma mendiga num filme americano, arrastando-se embrulhada num xale imundo com suas velhas garras segurando um cajado?

Resposta: O resultado direto do cinema americano agindo sobre uma mente fraca.

De qualquer modo, "a breve tarde de inverno chegava ao fim", como dizem, e eu andava por aí, indo para casa ou não indo, quando me dei conta de que estava aqui, encaminhando-me para esta mesa do canto.

Dependurei meu casaco inglês e meu chapéu de feltro cinza no cabide atrás de mim e, depois de conceder ao garçom tempo suficiente para que pelo menos vinte fotógrafos registrassem sua imagem até se saciarem, pedi um café.

Ele serviu-me uma taça daquele líquido tão meu conhecido, meio roxo, com reflexos esverdeados suspensos, e afastou-se, arrastando os pés, e eu me sentei apertando as mãos em torno da xícara, porque lá fora o frio estava de amargar.

De repente me dei conta de que mesmo sem querer eu estava sorrindo. Levantei lentamente a cabeça e vi no espelho do outro lado. Sim, lá estava eu sentada, apoiada na mesa, com meu sorriso rasgado e malicioso, tendo diante de mim uma xícara de café com sua vaga pluma de vapor e, ao lado da xícara, um pires branco com dois torrões de açúcar.

Abri bem os olhos. Teria ficado ali por uma eternidade, como me pareceu, e agora por fim voltava à vida..."


























Thank you! K. Mansfield

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