O vício só cai feito luva quando as mãos estão nuas e frias... Não há nenhuma aventura ou ventura nisso. Há pressa. A pressa que não dispõe o tempo. Tempo que não chega nunca. Vazio que não se encerra. É nesse vazio de uma noite fria e sem mãos (que dirá Lua!) que me abraço à esperança de um fio de hora. Não há agora mais urgente que o vazio. A ausência de um desejo criativo escava e ara a terra apenas para o espaço em branco. Reto, estreio e platão como um poço. Uma caverna.
Como uma linha que liga eu ponto a lugar nenhum e reescreve em alguns segundos de morte as lembranças que me trouxeram a este lugar incômodo e com gosto tão amargo. Se há morcegos à minha volto, não os noto.
Percebo tão somente o esvaziamento do meu tempo presente que avisto nenhum futuro. Presentes, confesso, estão os pensamentos obscurecidos pelo que não disse, pelo que não me permiti sentir. Fui como uma seta para lugar desconhecido e não objetivo. Afinal, num mundo de tanta fumaça e agentes poluentes parece sempre haver espaço para mais um desejo vaizio e tóxico.
Nunca fui dada a este universo sem a presença da luz. Não antes de me perder por passos tão autônomos. É evidente que foram também autômatos. Robóticos. "Precisa reacenter o fiozinho que lhe conectava a você". Alguém me diz com força e minha alma parece ter ouvidos moucos. Batata! Movimentos loucos... É certo que, não por acaso, tive a chance de conhecer pessoas por ser mesmo dada à sorte.
Preciso dizer que das vezes em que quase morri, vi muita luz ao redor. E deve ter sido impulso de quem se preparou para oferecer o peito, o calor dos braços e o colo ao filho que me resgatou. É verdade que houve um grito imperativo da anestesista (creiam, também madrinha de crisma!) dizendo repetidas vezes com força: "RESPIRE!". Posso dizer sem medo? Tudo isso que me trouxe de volta...
Não, não acredito em fantasmas. E sim na consciência construindo suas imagens. Havia correria na sala, isso eu vi. Mas seria incompleto não admitir: nem todas as imagens eram matéria. Criei holografias? Sim, sou suficientemente criativa e lúdica, sei disso. Além de idealizar muito. Só por isso vou recontar com detalhes e sem qualquer susto de reler e enxegar: que tolice!
Era um caminho branco da senhora Azul de braços tão abertos! Flutuava sobre o mar imenso, pleno e, insisto, de tanta luz e leveza que me deixaria para sempre na eternidade incompleta do parto. Nada do que vivi e vi com susto me atormentaria agora, é certo. Por outro lado, não teria o calor dessas memórias amorosas, das alegrias que tive e vivo ao lado dos filhos. É tanta e
tamanha a ternura. O reconhecimento que tenho, a admiração pela personalidade de um e de outro.
Me são os melhores companheiros de viagem. Divertidos e criativos. Acendo quando estão perto. É Registro: são convivas de um pensamento raro. Exercito, mesmo quando não posso, a atenção e o olhar com carinho porque primo pela mesma felicidade completa que não é descoberta recente.
Seria exagero dizer que em cada instante reservado às nossas brincadeiras com as palavras vivo particular aprendizado? Não se escuto histórias sobre seres velozes feitos de terra, ar, fogo e água. E os silêncios, então!? Sou grata. Devo estar apenas numa fadiga de quem subia o morro e ficou estagnada? Sem o tal fiozinho é bem provável! É que passo minutos concentrada em enxergar apenas as sementes ainda não germinadas espalhadas pelo chão. Os desenhos de folhas e gravetos largados dos galhos entre raízes mal arranjadas.
Uma noite de lua e estalo: olho para o céu estrelado. Sei que me repito, mas quem sabe descubro uma nebulosa ou desvendo cada tipo de nuvem dos dias chuvosos e dos ensolarados. O senhor Outono não me ocupa mais. Farei em breve chegar a Primavera e logo percebo com mais delicadeza as cores variadas do crepúsculo e dessa madrugada que não termina, mesmo em meu estado de alerta desacordado. Ainda posso ser-para-a-vida num simples acerto de contas com o meu ponto de vista e o meu modo. Ânimo minha alma. Ouça-me agora! É hora de voltar à superfície. Vida longa à descendência desse feminino que veio do sopro do barro. E aos seres imaginários. Aos autores que em suas obras completas assinaram juntos obra que fala de Abtu e Anet, da Salamandra, do A Bao A Qu, do Basilisco e das Garouas,
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