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Monday, May 23, 2011

Visita inesperada

Revi seu rosto com tanta surpresa! Não havia mais aquela fragilidade de sempre. Era um rosto lunar e rubro em maçãs. A forma - que aqui chamamos de corpo - tinha outros contornos. Era maior. Aparentava um metro e oitenta. Não era mais franzina e miúda. Pequena e magra como conheci. Estava em vestes brancas e face rosada. Alta. Bem mais alta que qualquer humano que conviva. Estava acompanhada de dois guardiões. Quem entendi do assunto diz que é sempre assim. Que são guias e não ingressam nos mesmos ambientes. Masculinos no que compreendi. Roupas confortáveis e claras. Entrou no meu quarto, observando cada detalhe de sua simplicidade de cama, janela e roupas em sacolas e malas. Prontas para viagem. Elegante, austera. Ela me olhou com certa preocupação, de início. Curiosidade sobre um amuleto no banquinho que eu mesma fiz. Era do amante que tornava aquela noite menos vazia que as outras noites dos últimos meses. O amuleto que trazia em seu pescoço e eu mesma abri obedecendo o pedido mudo dele. Olhou com ar de aprovação. Sorriu e saiu.

Acordei no instante seguinte. Todos haviam ido. À exceção do amante que continuava ali. O que restou em mim foi uma sensação de calma. Boa companhia. Um certa tranquilidade por sempre reprimir movimentos assim. Logo mais à tarde, pude reler cartas antigas. Cartas que nunca mais havia tocado. Menos ainda com tamanha ternura. Sua imagem em companhia de seus guias não me sai da cabeça. Minha avó paterna está em plena harmonia. Ela que ousou ficar sozinha num tempo em que matrimônios não se desfaziam. Quem sabe também alguma paz será reservada a mim, que como ela, depois da benção em testemunhas, rompi. 

Ela inovou muito mais. Temperava a carne com hortelã. E seu último pedido à nora foi uma cerveja gelada. Quando todos os móveis foram levados pela cheia só falava feliz do moço bonito do corpo de bombeiros que a salvou e a trouxe para um lugar seguro, nos braços. Criava galinhas, comia ovo de capoeira e fazia uma delícia de sobremesa com grão de milho batido em pilão com açúcar e canela chamada "tabaco 60". Uma casa simples que dividia com o filho, que fora seminarista e formou-se em duas faculdades com quatro pós graduações. São muitas lembranças que trago. Ficaram maiores ainda com a visita inesperada.

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