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Saturday, April 02, 2011

Condicionamento



Joana está tão apegada, tão presa ao que espera da própria coerência, disciplina, pontualidade e cumprimento das obrigações que acaba se desorganizando. Condicionada a fazer o certo de uma forma tão pesada, que faz errado por exaustão. Agora a pouco perdeu o tino e a vontade de, por exemplo, fazer aquela faxina na casa. Não suporta lavar pratos e todos os dias abrir a torneira de cara com aquela antipática pia. A montanha de roupas no tanque cresce diante dos olhos de Joana como se fosse um Monte Everest.

Não sente vontade de nada. Apenas necessidades básicas. O prazer em fazer as coisas dissolve como pastilha efervescente em contato com o suor da mão pesada. Mãe da obrigação e de olhar crítico. Quando criança era sempre levada para benzedeira. Diagnóstico: mau olhado. Sua criatividade travava com tudo. Não relaxava a menina um só minuto. “É como se tivesse perdido a chave do cadeado com que trancou a imaginação”, arrisca palpite meu filho com a mesma idade que tinha Joana.

Ainda hoje, até no instante em que respira ou se permite uma pausa para o café e aquela cervejinha com camarão suspira de angústias. Condicionada e viciada num mesmo modo igual. Sempre parece ter como propósito mexer uma ferida aberta por tédio e na pressa de vê-la cicatrizar, catuca. Joana está presa pelo tempo que não capturou em seus preciosos instantes da coisa.

 
Melancólica, entediada, fraca. Não há nela força nem ânimo para se reinventar em coisas simples como a roupa ou o sapato e a bolsa. É tudo tão previsível, sobre forte controle e rigidez de espírito que  Joana sente fortes dores de cabeça novamente. Mesmo depois de tratar do labirinto com medicação, ininterrupta. Coisa que durou quarenta longos dias. Imaginar que poderia trocar isso por uma viagem de descanso. Está apenas se levando e carregando a vida de todo dia. Precisou várias vezes mudar de casa, destruir-se para reconstruir. E implodir tudo que poderia ter sido se não estivesse tão determinada a sê-lo.

Joana quer força e sentido demais. E erra a mão. Porque não quer nada o tempo todo e quando quer não tem controle. Porque controlou o desejo todo o tempo. Não planejou com carinho, curtindo cada etapa. Cada instante.

“Estou cansada de mim mesma e de rodopiar no pilar do mesmo conflito”, diz Joana. “Exauri minhas forças querendo chegar longe e acabei não indo a lugar nenhum. Tudo que tenho hoje são lembranças”.

Situação pesada. Grande fardo o de Joana. Até a morte ficou parecendo mais leve, solução para o caso de imediato. Mas Joana não vai morrer agora. Muito provavelmente. Embora fume todos os dias, talvez para isso, não vá nunca ao médico e pareça lutar com afinco. Às vezes sai para beber com os amigos como se não houvesse amanhã. Aí, o outro dia chega, e Joana não sabe o que fazer, parece , no entanto, perdida por estar viva ainda. Levanta mais exaurida e desorganizada.

Garrafas d’água e caçambas de fazer gelo para encher. O almoço por fazer, casa por limpar, pratos por lavar, o lixo – tão maior que do dia anterior – para recolher. Sem falar na montanha de roupas crescendo. E aquela pia antipática à sua frente. Observando-a todos os dias, quando ficam cara a cara. Na terapia, Joana descobriu que busca no caos proteção. Talvez para manter distância de si mesma. Dos terríveis condicionamentos.

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