Lugar da delicadeza com o outro e com a própria Liberdade.

Onde se está de acordo com o único modo do humano de ser feliz

Monday, January 03, 2011

Mel de abelha

O que é a compulsão por leitura? Por que não se pára de querer mais e mais ler quando se consegue entender o que está escrito? Outro dia, andava pela rua Dom Bosco, no bairro da Boa Vista e vi uma frase escrita no muro do lado direito. Estava escrito: “Corno é assim mesmo, lê tudo que vê”. É. Aceito. Corno deve vir do grego “Cornus”. Como no caso da palavra “unicórnio”. Um único chifre. Chifre que é cornus em grego. Fiquei pensando nisso. Pois chego à conclusão de que pode virar corno quem não lê. Acho que essa idéia de poder a ter chifres deixou as cabeças mais pesadas ao circular por aí. É como cabelo procurar cabelo em sapo. E todo mundo sabe que quem procura acha.

Vou tentar explicar minha teoria. Outro dia um amigo doutor em literatura, que está agora em Nova York, aconselhou me a deixar um pouco os livros e ir viver. Nesses impulsos de estar sem sair a muito tempo e carente de alguma atenção, quase que por distração, fazia nascer cornos em alguém que nem conheço. É. O mundo é assim e não é de agora. Mas ainda acho que quem lê não tem como ganhar esse adereço. Desde que aprenda a ler. A língua do outro. Não um outro como nesse não casa que quase me punha a bancar a decoradora. Mas a língua de quem está com você. Difícil é perceber e conter a tristeza diante da decisão do outro.

Quando o outro já quer, mesmo se você sabe ler, você vai virar corno. E quando lê, não pode mesmo evitar esse sofrer. Mas vai que o outro percebe sua excessiva atenção e tem algum coração. Aprender a ler pode fazer você evitar que um avião em pleno vôo aterrisse e deixe o outro a navios ver. Mas acho melhor ter mais preocupações com o que vai dentro da cabeça.  Ainda mais agora que até presidenta a gente já tem. 

Ao invés de perder tempo em frases como: “corno, ser ou não ser?”. Melhor mesmo é aprender a ler. Porque relembrou a mineira agora comandante do nosso barco, inesquecíveis mesmo são as palavras de Guimarães Rosa. Porque "o correr da vida embrulha tudo. A vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem". E ler, ler, ler e ler.

E se deixar nessa compulsão levar para outra dimensão. O que me faz lembrar uma amiga assim. Ela lê: bula de remédio, manual de instrução, composição de produto limpeza ou higiene pessoal. Lê gibi, revista, jornal, carta, enciclopédia, dicionário e livro.

Ela lê de tudo e faz da leitura diária um abrigo. Não sai de casa antes de ler o jornal. Não compra um produto antes de ler o que está na embalagem. Lê cada item descrito no manual, afinal saber do óbvio não faz mal. Revisa textos de jornal, cartaz de artigo feminino e até artigo científico. Lê as placas nas ruas para os filhos, mesmo que idades não tenham pra isso. O resultado é que um deles perguntou aos quatro anos, antes de alfabetizado, por que farmácia tem acento e o mesmo não acontece com supermercado? Deu provas de ser super dotado? Na opinião apenas estava esse menino acostumado a ouvir tantas palavras por sua mãe já ter tanto falado.

Mas essa minha amiga, chamada Débora, de abelha ou agora abelhuda, talvez, na sua visão, tem mania de olhar os classificados e só assim ficou sabendo do fim de um noivado. Viu o apartamento dos amigos recém-casados ali anunciado. Mas, voltando ao tema do texto, se corno é aquele que lê tudo o que vê ou se aquele que faz isso pode um dia corno vir a ser. Acho que prefiro o risco de ser corno, o que qualquer um de nós está vida inteira a correr, do que parar de ler. No entanto, na pior das hipóteses a minha amiga Débora que lê tudo, vai ser a primeira saber. Na pior das hipóteses.

No comments: