Lugar da delicadeza com o outro e com a própria Liberdade.

Onde se está de acordo com o único modo do humano de ser feliz

Wednesday, September 26, 2007

“Cada fracasso ensina ao homem o que ele precisava aprender”
Charles Dickens


“Nem pai, nem mãe, nem parente algum
nos fará tanto bem quanto a mente bem dirigida”
Buda
Anjo, meu anjo bom! É 25 de junho de 2005,

Oro!
Conecto-me novamente a você. Sei que sempre está comigo. Posso ouvir sua música a cada instante e em todo o sempre que me sinto só. Ouço seu sorriso colando em meu ouvido. Ora cuidando dos meus filhos queridos, ora cuidando de mim, ora cuidando dos amigos. Amo a ti para sempre meu Anjo! Um sempre que é também o tempo todo. Estou muito feliz hoje porque é dia de festejar São João. Acendi velas por isso. E tenho fé novamente. Uma alegria nova junto com uma paz que não havia. É uma alegria calma, Clarice!

Mesmo calma. Sei quem fui. Sei como comecei. Lembrei de mim há pouco. Parece que precisava andar até onde andei me perder da minha alma algumas vezes e me fazer alguém nova de novo. Passou tudo. Perdoei a mim mesma e por motivos firmes, sólidos, eu existo. Estou no mundo para oferecer o melhor para os meus filhos. Fazê-los crescerem felizes, sem qualquer milímetro de dúvida.

E tornar o mundo melhor. O mundo ao meu redor. Sou teu instrumento, meu Anjo divino, e escrevo. E nessa busca, nesse processo de conquista de um mundo melhor tenho certeza que vou encontrar o meu lugar. Mesmo que pareça tão difícil encontrar sei que vou encontrar. Mesmo quando pareça tão difícil, já sei por onde começar.

Sinto-me como três verões e milhares de banhos de mar. Sinto o sal – salgado em espírito! – novamente brilhando ao refletir ao sol. Doce vai ser sempre esse encontro com o Mar que é o que eu preciso. Esse Amor de idas e vindas de um eterno “recomeço” de ondas. Sou do mar. Estou certa disso e não posso afastar-me dele. Faremos parte um do outro. E ele sempre existirá em minha vida. Toda a certeza da beleza da minha vida voltou. Mesmo que eu tenha escolhido caminhos tão diferentes. Tão próprios. Estou feliz agora e calma.

Agradeço aos meus filhos, meu Anjo da Guarda e aos amigos. Assim, com a calma que sinto, vejo-me de volta ao fluxo da vida. E muito feliz por estar mais presente na vida dos meus filhos queridos amados e tão lindos. Cada um com sua beleza seu modo seu jeito, tudo tão particular e novo na descoberta de estar no mundo todos os dias. Do mesmo modo reconheço a rotina dos amigos raros que tenho. Amo-os. Amo com força e intensidade viva, de corpo que sara.

Não deve se alimentar culpas, há as decisões a tomar. É necessário enfrentar a vida com toda a coragem da escolha. E me sinto por isso mais perto de Deus. Da Nossa Senhora Azul. Escolho sempre meus filhos. Por eles, respondo. Eu os amo. Mais que tudo! Eles eu escolhi. Eu quis e quero com todas as minhas forças. Eu amo muito meus filhos. Quero tê-los ao meu lado. A hora boa vai chegar. Vejo o futuro sendo construído agora. Tijolo por tijolo. Livro após livro. Derrota após vitória após vitória! Dia após dia, hora após hora. A cada minuto. Segundo por segundo, por milésimo! Outro mundo.

Sunday, September 23, 2007


"The question is: if I become completely still, would next moment ever come? The answer is: ‘no it wouldn’t come, I have to make it’; translated: if I don’t go to the person, would ever the person come to me? The answer: ‘No, if I don’t go to the person to make with her my next moment, nobody will come to me’. Even more translated in term [sic] of the past: ‘nobody at home came to me, I had to ask and beg and caress, and give warmth till the person would give me some attention”*

Clarice Lispector




Cresce em mim um estado de espírito que entende a vida. Um jeito de acordar onde entendo como agir na adversidade e no estalar da vida. Não é apenas com a alma ("vá com calma!") ou com fé (nem de mais, nem de menos). Facilito. Com o humor faço isso. Mas é que está avolumando-se em mim a força de recuperar minha criação pura. Como Ângela Pralini:



"Onde está minha corrente de energia? meu sentido de descoberta, embora esta assuma forma obscura? Eu sempre espero alguma coisa nova de mim, eu sou um frisson de espera - algo está sempre vindo de mim ou de fora de mim." (Um sopro de Vida, pág. 62)



Ângela já havia, no parágrafo anterior, declarado: "Estou sofrendo de amor feliz. Só aparentemente é que isso é contraditório. Quando se sente amor, tem-se uma funda ansiedade. É como se eu risse e chorasse ao mesmo tempo. Sem falar no medo que essa felicidade não dure. Preciso ser livre - não agüento a escravidão do amor grande, o amor não me prende tanto".



O amor precisa ser opressivo. Gosto do amor suave que tece encontros e similitudes com delicado entendimento e acordo. E isso é profundo. Só não é necessário que me cause ansiedades, angústias. O amor, como o sangue, pode fluir em todo o meu corpo, em cada veia, sem que esmague meu peito como pedregulho. Eu quero um amor que me faça bem e compreenda antes, examine, não que venha "distorcer". Quero um amor calmo, fluido. Um Amor feliz.







O Nascimento

A enfermeira negra pesava, sem medo de erro, uns setenta quilos… distribuídos em seu um metro de cinqüenta e oito de altura. Muito mais nos quadris e nos seios, que exigem mesmo a palavra tetas, de tão fartos. E não encontrou outro jeito senão usar força a para fazer sair a criança e montou-se na barriga da mãe. Parecia mais envolvida na situação. Dizia: “Força, minha filha. Faça força nos quartos!!! Você vai ter que empurrar aqui, porque é por baixo que vai sair!!!”

E o corpo não respondia àquela voz firme e, ao mesmo tempo, macia. A tensão de músculo ia toda para o pescoço. Como se o aprendizado de uma vida que se viu sempre no grito, só soubesse mesmo acordar a musculatura do pescoço.

Debruçou-se rápida com os braços roliços empurrando com jeito. Usou o seu peso contra o alto do dorso. Como num instante de estalo, que não se ouviu, houve o desencaixe. A criança, finalmente, “descolou”. E saiu...

No princípio, não gritou. Mas, logo, o obstetra usou o costumeiro truque de “ensinar” com as mãos. O reflexo que faz ir buscar no sentido do que está fora, o ar necessário lá dentro, nos pulmões.

Do outro lado, do corredor da Avenida, não se tratava de maternidade pública. Nem havia uma enfermeira negra. Houve a escolha de introduzir na mulher, ali medida por uma ausência, um gélido metal na abertura por onde estava para sair uma vida inteira. Em meio àqueles quadris, a temperatura era fria. Estourou ele mesmo, o metal, a placenta.

Metal

- Dinheiro é sujo.
- Sujo é quem pega nele
- Mas dinheiro passa em tudo que é mão.. Se pegar em dinheiro: “Lave as mãos”

Há diferença entre pegar e ter dinheiro.

Pontos de Fusão e de Ebulição. Há diferença entre um ponto de fusão e outro. Um ponto de ebulição e outro, explica-se. O mistério está na distância. A distância entre as partículas que formam as substâncias. A distância, a distância, a distância varia. E é de acordo, ou em conformidade. Qual o estado físico em que o material se encontra? Esta é a pergunta a ser feita. Se o estado é sólido as partículas estão mais próximas. Muito mais entre si.



No estado gasoso a escolha é por estar mais distantes. No estado líquido, as partículas estão a uma distância mediana, intermediária.É. São as forças de atração que mantêm as partículas de qualquer substância juntas. O estado da substância é conseqüência das forças de atração que se formam entre elas. No estado sólido essas forças são maiores do que no líquido e neste, maiores do que no estado gasoso.



Quando material sólido é aquecido, é com intensidade que suas partículas começam a se movimentar. Intensamente. Dão vazão ao aquecimento, elas chegarão a superar as forças de atração que as mantêm juntas. Quando essas forças são superadas, atinge-se a temperatura de fusão, e o sólido começa a derreter. Muda de estado. Passando para o estado líquido quando as partículas permanecem geralmente mais afastadas.Continua o aquecimento.



O movimento continua. As partículas passarão a se movimentar ainda mais intensamente, até romper as forças de atração que existem no estado líquido. Quando essas forças são vencidas, atinge-se a temperatura de ebulição, ou seja, o liquido começa a ferver e passa para o estado gasoso, com o maior de todos os níveis de afastamento.E há a substância pura

Há o elemento puro. Ele não sofre com a pressão. Quanto maiores são essas forças, mais próximos os átomos permanecem. Esse ao elemento conta com uma estrutura mais compacta e uma densidade maior. Além disso, quanto maiores essas forças, maior é a temperatura necessária para separar os átomos. E isso significa dizer é preciso pontos de fusão e de ebulição maiores, quando maior é a densidade.

A Forma
Preciso de um parafuso. E urge! Um parafuso que vai fixar o centro. Criar o ponto para unir. Então, minha forma não se desfaz. Então, minha forma não desfará. Farei uma festa por isso. Serei eu uma festa em mim e quem me deu o parafuso, vivamente fluirá em minhas formas.

O Toque
Perguntas? o médico prepara o espírito para chegar ao corpo...

- Vamos dar uma olhada... Já conhece a máquina. Já experimentou? Supermoderna. Veio da Inglaterra. O mais avançado tratamento que existe inclusive na Europa. Você fica de cabeça para baixo, enquanto examino...

Ela, sem qualquer surpresa, responde:

- Sim, eu me lembro de quando tive que experimentar, da última vez!

Sem suprimir o impacto:

- Pôxa, é a primeira vez que alguém responde assim... Não entendo porque instrumentos de metal. Tudo é muito primitivo. (E moderno, ao mesmo tempo)

A Lata

As de alumínio permitem aos catadores de lixo alguma renda. E há latas e latas. Umas são para depositar bebidas, lixo. Outras reservam filmes. Conservam obras de arte.

A Pressão

Cunhar uma única moeda. Requer... reservas de mercado?

A Quebra


Para romper a partícula-molécula do metal é preciso que ferva. As partículas quando submetidas às altas temperaturas, elas se agitam.

[1]* Varin, Claire. Línguas de Fogo. Editora Limiar, São Paulo, 2002
Dir-se-ia teu olhar coberto de uma bruma;

Teu olhar misterioso (é azul, verde ou se esfuma?)

Ás vezes terno e sonhador, às vezes cruel,

Reflete a palidez e a indolência do céu


Lembras os dias brancos, mornos e velados,

Que em prantos põem os corações enfeitiçados,

Quando, despertos por uma torção desconhecida,

Os nervos tensos zombam da alma adormecida.


Não raro imitas essas cores vaporosas

Que fulguram aos sóis das estações brumosas...

Como resplendes, horizonte assim molhado

Quando a flama do sol aquece o céu nublado!


Ó mulher perigosa, ó climas sedutores!

Hei de adorar a tua neve e os teus rigores?

E como arrancarei do inverno em que me enterro

Mais agudo prazer que os do gelo e do ferro


(versos de Baudelaire me fazem imaginar o diálogo que teria com Martha Medeiros... Tão gata em teto - fresco - de zinco. Aliás, são metais aqueles que com suas composições têm me ocupado...)

Wednesday, September 12, 2007

Clarice: O Xamã de Fogo

A crítica Lúcia Peixoto Cherem, em dossiê apresentado no começo deste ano, na revista Entrelinhas, escreve que “Tanto Hélène Cixous quanto Claire Varin têm de Clarice Lispector uma leitura bastante subjetiva”. Relação que se diz perigosa, facilmente apreendida na leitura de Clarin Varin. O que deixa professores de metodologia científica de cabelos em pé e aconselhar ao iniciado: “afaste-se de Clarice!”. A pergunta é: Como? E é um mistério responder. Se a força descrita nas palavras desse “Xamã” da atualidade, nos transporta para uma vida pré-humana divina “de uma atualidade que queima” é “de uma certa alegria cega e já feroz que começava a me tomar. E a me perder”.


Nas palavras G.H., e supõe-se a personagem mais distante do leitor da própria Clarice. E diz-se Xamã no sentido que diz Joseph Campbell; “homem ou mulher, que no final da infância ou no início da juventude, passa por uma experiência psicológica transfiguradora, que a leva a se voltar inteiramente para dentro de si mesma... Experiência xamânica ao longo de todo o caminho que vai da Sibéria às Américas, até a Terra do Fogo”. Desavisado, o jornalista Bill Moyers pergunta: “E o êxtase faz parte dela?” Para a afirmativa de Campbell. Em Clarice, há o êxtase no todo.


Línguas de Fogo - De Claire Varin


“Línguas de Fogo: Ensaio sobre Clarice Lispector”, da canadense Claire Varin, (Editora Limiar, 2002) revela as relações que a autora ucraniana, naturalizada brasileira e de origem judaica mantinha com o Português e outras línguas, não apenas as européias, durante o tempo que morou no exterior com o marido diplomata, como também o Iídiche (língua que já foi falada por 11 milhões de judeus no mundo, já naquela época, restrita a comunidades ortodoxas).


Claire Varin, nascida em Montreal, no Quebec embarca na viagem de refazer os lugares por onde esteve Clarice. Conquistou a confiança de Elisa Lispector, a irmã mais velha e também escritora, já falecida. “Clarice não falava outra língua além do português em casa?”. Não, lacônico, é a resposta de Elisa que acaba por revelar, que os pais falavam iídiche em casa e conceder-lhe o manuscrito: “Vivo ‘de ouvido’, vivo de ter ouvido falar”.


De onde pode afirmar que Clarice Lispector “sonha acordada com as palavras”. Prova com trecho do livro Perto do Coração Selvagem em que a personagem Joana confidencia ao seu amante que Lalande é dessas “inventadas”. Diz que gostava de brincar com elas tardes inteiras e que a tal palavra “é como lágrima de anjo” e “é também mar de madrugada, quando nenhum olhar ainda viu a praia, quando o sol nasceu”. Para Varian, Lalande é o lugar de origem da menina que ouvia o iídiche, é “a terra mãe desconhecida, sentida e reconhecida”. Cita, então, “terra” em várias línguas: “land alemã e inglesa, lande francesa onde só crescem certas plantas selvagens e dos land, o pais nomeado na própria língua materna de Clarice”.


Revelação que está na página 27 (fazem bem os atentos aos números) como pedra de toque do seu livro que cita uma a uma os passos e obras de Clarice detalhando datas e outros números, bem mais específicos. A obra de Clarice é composta por oito romances, uma novela e oito livros de contos. “Línguas de Fogo: Ensaio sobre Clarice Lispector” ajuda o leitor a identificar a construção das seis pontas da estrela judaica pela exatidão dos intervalos exigidos para que cada livro seja publicado. Ou mesmo no número de páginas para compor cada conto, muitos com a ajuda de Olga Borelli.


Embora fossem as referências da menina, a escritora ocupou-se em domar a língua portuguesa, para Claire numa ansiedade de estrangeira que emprega a língua de adoção, “exigindo desta o máximo de adequação a seus pensamentos e sentimentos”. Pensamento reiterado nas palavras da própria Clarice; “Tentativa de sensibilizar a língua para que ela trema e estremeça e meu terremoto abra fendas assustadoras nessa língua livre – mas eu preso e em processo de que não tomo consciência e ele segue sem mim”, no livro Um Sopro de Vida. E que o máximo desse “cavalgar”.


O repertório da crítica literária traz análises de todas as obras, explorando trechos de “Perto do coração selvagem”, “Um Sopro de Vida”, “Descoberta do Mundo”, “A paixão segundo G.H.”, “Uma Aprendizagem ou O Livro dos Prazeres”, “Água Viva”, “A hora da estrela”, além dos contos. Dedica um capítulo à paixão de Clarice Lispector pelos números. Do testemunho de Olga Borelli de que, ao se tratar de um conto, dizia; “Dê um pouco de espaço para não passar da página 13”. E da ordem dos números na construção de autora que “no espaço entre seu 7º. E seu 17º. Anos amadureceu o primeiro de seus sete romances, numa década, símbolo da criação universal, segundo os pitagóricos”.


Dos dezenove capítulos da vida de Joana que irradiam fora do tempo cronológico, o que Varin explica em nota: A soma dos dois números (1+9) que compõem o número de capítulos é igual a 10, que nos leva novamente à totalidade, ao retorno à unidade após o fechamento do ciclo. Assim o décimo e último capítulo da segunda parte de Perto do Coração Selvagem intitula-se “A Viagem”; mostra-nos Joana ao cabo de um outro círculo de vida, sozinha sobre um barco “forte e bela como um jovem cavalo”.


É espantosa e finamente tensa a relação do detalhamento do texto e contexto de Clarice nas línguas de fogo de Varin. Não é possível evitar a sensação da extrema presença como na obra da escritora e professora da Sorbonne, Hélèlen Cixou, uma das grandes responsáveis pela maior recepção de Clarice nos outros países.


Claire Varin preocupa-se também com o universo ao redor que influencia e é influenciado por Clarice, que vai curando o Brasil do que Autran Dourado chamou de “solidão lingüística”. E que estamos distantes não apenas da Europa e da África, mas separados do resto da América do Sul hispânica. “Clarice não escapou à regra” – “Depois de ter bebido até se saciar nas fontes da cultura do Velho Continente – entre suas paixões literárias: Emily Brontë, Fiodos Dostoievski, Julien Green, Herman Hesse, Katherine Mansfield -, ela põe em destaque a questão das literaturas nacionais,”. Afirma que põe de lado a palavra vanguarda no seu sentido europeu, pensando, por exemplo, se o nosso movimento de 1922 seria considerado vanguarda por outros países.