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Saturday, December 19, 2015

Uma crítica para a viceralidade dos corpos em
Na Estrada”



Escrever é também devir outra coisa diferente de um escritor. Àqueles que lhe perguntam em que é que consiste a escrita, Virgínia Wolf responde: Quem é que vos fala em escrever? O escrito não fala disso está preocupado em outra coisa”.
Gilles Deleuze


RESUMO

Este estudo analisa a apresentação dos corpos no filme Na Estrada de Walter Salles Júnior. A narrativa de inadequação de tais corpos - enquanto corpos americanos do pós guerra - ao conceito de sociedade dos anos 50, na obra de Jack Kerouac. O romance estradeiro serve como metáfora do que a nova geração de corpos humanos deixou para trás. Ressignificando o conceito de loucura. Redesenhando a trajetória dos corpos, redefinida pelo formato da estrada, em sua linearidade do deslocamento.

SUBSTRACT

This study analyzes the presentation of bodies in the film On The Road, by Walter Salles. The narrative of inadequacy of these bodies - while American bodies postwar - the concept of society '50s, in the work of Jack Kerouac.The Roadster romance serves as a metaphor for what the new generation of human bodies left behind. Giving new meaning to the concept of madness. Redesigning the trajectory of bodies, redefined the road shape in its linearity of displacement.

I - INTRODUÇÃO


"As únicas pessoas para mim são os loucos, os que estão loucos para viver, loucos para falar, loucos para ser salvos, desejando tudo ao mesmo tempo, aqueles que nunca bocejam ou dizem uma coisa banal, mas queimam, queimam, queimam, como fabulosas velas romanas explodindo como aranhas através das estrelas "

Jack Kerouac


No romance estradeiro da geração beatnik Na Estrada (On The Road, Viking, 1957), escrito nos anos 50 por Jack Kerouac, os corpos estão em constante movimento de adesão às circunstâncias apresentadas naquele período do pós guerra nos Estados Unidos da América do Norte. Em negação ao padrão vigente, tais corpos cumprem uma diferente trajetória e um “padrão” de vida que se identifica no formato oferecido pelas rodovias que cortam o país. A inadaptação desses corpos ao modelo de sociedade imposto na época onde a propaganda e a modernização (industrialização) foram introduzidas e entranhavam-se à rotina do cidadão americano. Corpos em estado de alerta. Varando madrugadas. Atravessando as estradas. Alguns aspectos serão destacados destes corpos mutantes e de geografia constantemente mutável: O constante deslocamento migratório desse indivíduo (que dispersou da manada da qual fazia parte para interagir com comunidades estranhas ao universo dele) prevê um avançado processo de comunicação (aguçamento dos instintos de sobrevivência), o exercício da aceitabilidade imediata, da empatia com os outros corpos de passagem pela mesma trajetória; a flexibilidade das convenções estabelecidas em ambientes fixos (cidades, bairros, condomínios, famílias, círculos de amizade), a histeria sexual e superpotência do conatus quebrando padrões comportamentais que inclui sono, tolerância ao álcool e outras substâncias tóxicas.




I - INTRODUTION


The only people for me are the mad ones, the ones who are mad to live, mad to talk, mad to be saved, desarious of everything at he same time, the ones who never yawn or say a commonplace thing, but burn, burn, burn, like fabulous Roman candles exploding like spides across the stars”.

Jack Kerouac



In the road novel of the beatnik generation On The Road (On The Road, Viking, 1957), written in the 50s by Jack Kerouac, the bodies are in constant motion accession to the circumstances presented in that post war period in the United States of North America. In the denial current standard such bodies meet a different trajectory and a "standard" of life that identifies the format offered by highways that cross the country. the inadequacy of these bodies to the model of society imposed on the age where advertising and modernization (industrialization) were introduced and entrenched to the American citizen routine. Bodies on alert. Piercing dawn. Crossing the roads. Some aspects will be highlighted these mutants bodies and constantly changing geography: Constant migration shift that individual (who dispersed the herd from which part to interact with foreign communities to his universe) provides an advanced process communication (sharpening of survival instincts) , exercise immediate acceptance, empathy with the other bodies passing through the same path; the flexibility of conventions established in fixed environments (cities, neighborhoods, condominiums, families, friendship circles), sexual hysteria and conatus of superpower breaking behavioral patterns including sleep, tolerance to alcohol and other toxic substances.



II - O DISCURSO SOBRE OS PAIS E A PATERNIDADE PERDIDA

Meu pai olhou a minha mão e disse, não tem calos. Isso é por que você não trabalha”.
Sal Paradise, no filme “Na Estrada”,
de Walter Salles, baseado no romance de Jack Kerouac


A aventura do personagem de Jack Kerouac, Sal Paradise, que em poucas páginas irá conhecer o frenético e admirado Dean Moriarty (Neal Cassady) - um sedutor vagabundo egoísta e auto-centrado ao ponto de se tornar o centro das atenções dos poetas que compõem o grupo de Sal, como no caso de Carlo - começa com a morte do pai. O pai que é também o grande fantasma que assombra o espírito livre de Dean Moriarty. É pouco depois da morte do pai que Sal irá dar início à grande aventura de cruzar o continente americano, estando ou não na companhia de Moriarty e do séquito de admiradores dependentes da energia e do brilho de Dean que o cercam. Sal também acabava de se curar de uma doença que tinha a ver com a morte do pai e a “medonha sensação de que tudo estava morto”. É sob o impacto da notícia de que Dean (Neal) estava em Nova York, depois de cumprir o período da pena no reformatório. O delinquente juvenil envolto em mistério, recém-casado com uma garota de 16 anos, chamada Louanne. Tomando como referência o livro de Gilles Deleuze A Literatura e A Vida, e que o devir escritor está em outro lugar, e não nele mesmo, nas memórias ou na infância, caso contrário seria obrigado compreendê-lo numa visão psicanalística “pai-mãe”, compreende-se rápido o que pretende Kerouac ao matar o pai de Sal, pouco antes que a história comece.

Escrever é também devir outra coisa diferente de um escritor. Àqueles que lhe perguntam em que é que consiste a escrita, Virgínia Wolf responde: Quem é que vos fala em escrever? O escrito não fala disso está preocupado em outra coisa”.
Gilles Deleuze

Com o pai morte (ao contrário do pai de Dean/Neal que anda perambulando como um mendigo ou bêbado nas ruas e assombrando o personagem com suas aparições ou falsas aparições) Sal pode empreender a viagem que não passava do estágio da intenção, dos planos, para se configurar na realidade, enquanto a vida dele “Na Estrada”. Diria Deleuze que este é um grito de um animal não domesticado ou domesticável, um grito que é pode ser apreciado por que se trata mais de uivar para a lua. Como explicita o poema de Allen Ginsberg. Para Dean Moriarty, retratado como um americano forte, saudável, olhos claros e loiro, no filme (adaptação) de Walter Salles, “o sexo era a primeira e única coisa sagrada e importante na vida, ainda que ele tivesse que suar e blasfemar para ganhar o pão”. Este corpo de Dean Moriarty vai ser mostrado e se mostrar no romance e no filme como máquina de fazer sexo com homens e mulheres. De máxima potência. A morte do pai, e com ele dos significados existenciais, como laços de família são desfeitos. Passam a não existir como norma. O corpo de Dean Moriarty e os corpos que lhe cercam comungam da ausência de regras. Corpo movido por excessivo conatus. A Paixão pelo sexo é o princípio motor da vida, dos encontros, tudo que pode ser vivido a partir do acaso. Ao contrário da figura do pai de Sal, extinta e que não lhe causa mais a dor existencial de antes da chegada de Dean (Neal Cassady), a figura da mãe vai estar presente quando, sem qualquer aviso prévio, ele baterá à porta da casa de Sal pedindo para que ele o ensine a escrever. O feito teria sido sugerido por ocasião da visita de Sal à espelunca onde estava hospedado Dean com L. em frente ao café do Hector, que virou uma referência para Dean depois de um encontro casual com o dono do lugar que iria abrigar o casal. Nessa visita, Sal narra o despudor de Dean que recebe a ele, Chad e Carlo (no filme propositalmente “confundido” com o fictício Leon Levinsky (na realidade Allen Ginsberg), abrindo a porta sem roupa (no livro, de cuecas. No filme, sem ela). Louanne pode ser vista pelos visitantes também nua em pele, no filme. Enquanto no livro, ela pula da cama onde acabaram de fazer amor. Não é descrito no livro que, neste momento, Dean ordene que ela se levante para fazer um café para eles. Mas que o dono do pequeno apartamento estaria na cozinha fazendo o café, enquanto Dean se ocupa do sexo com L. que é o que mais importa na vida.


O incomôdo que vai levá-la a denunciá-lo e fugir para Denver se traduz numa indiferença de Moriarty às necessidades vitais dela, como alimentação e higiene, ou ao que mais se passa com ela. No livro, fica em aberto o número de motivos, verdadeiras razões para que ela colocasse em risco (novamente) a liberdade de Dean. Embora o narrador oferece à visão do dia seguinte ao encontro no tal pequeno apartamento onde passaram a noite toda na farra, fumando, bebendo e emporcalhando o lugar, quanto então Dean acorda Louanne para que ela limpe e dê conta da faxina, submetendo-se a todas as vontades dele. O pai de Sal (ou narrador) está morto nesta hora. Por que a narrativa dele enxerga o lado dela. Defende o direito dela de continuar dormindo e não ser acordada para limpar o que todos sujaram. A aceitação de Sal à fragilidade do caráter de Dean diante dos seus desejos. A importância da morte do pai para esta etapa onde entra em vigor uma nova ordem pode ser relembrada na história de vida do filósofo de Amsterdã, Benedito Espinosa, que enquanto o pai estava vivo acreditava que seria uma afronta, ou provocar sofrimento ao pai dele, Miguel, nascido judeu, convertido cristão-novo sob ameaça da morte dele e dos filhos. Toda a filosofia libertadora do polidor de lentes do século XVII começa a ser escrita em 1660 e publicada em 1663, quando Bento (como seu pai chamava) já tinha 28 e 31 anos, respectivamente. O pai morrera antes mesmo da excomunhão em 1647, ano fatídico em que Espinosa, nascido em 1632 completaria 25 anos. Assim como a filosofia de Espinosa nasce depois da morte do pai, da mesma forma tem início a vida “On the Road” de Sal paradise, do próprio Keroac. Para quem compôs Ray Charles, aconselhando-o a “bater a estrada” - ou “pegar a estrada” (“hit the road, Jack”). Música, filosofia de Espinosa e romance estradeiro de Kerouac - o filme de Walter Salles? - tornam-se hit. “Ele estava me enrolando, eu sabia, ele sabia que eu sabia (essa era a base do nosso relacionamento)”. Ou seja, o oposto da função, do papel, do esteriótipo do pai: o anti-édipo. Corpo livre para todo tipo de sexo.

III - A vida de animal livre do homem. Reescrevendo trajetórias e percursos da raça humana

Não temos um corpo somos um corpo”
Maurice Merleau Ponty

O livro “On The Road” é uma reescritura da realidade e do ritmo de vida dos corpos nos idos anos cinquenta, nos Estados Unidos. O homem, animal racional, se desloca pelos Estados da Confederação Americana e ultrapassa suas fronteiras (chegando também ao México e Argentina), num constante movimento migratório solitário. Um initerrupto deslocamento geográfico e de si mesmo. O modelo intitulado de “vida na estrada” é adotado a partir da quebra, de alguma ruptura no afeto, na conexão com o ambiente social. Foi o que se deu na vida de Sal. Após a perda do pai e a chegada do enigmático, louco, insaciável, voraz, vivaz e esperto Dean Moriarty a Nova York, Sal Paradise - assim como outros do seu grupo, inclusive o próprio Dean - passaram a se deslocar indo “passar” por Virgínias, Carolinas, Ohio, Alabama, Luisiana, Texas, Novo México. Nunca morar, como diz a canção Tom Wait, na abertura do filme de Salles “Home, I’ll never be”. Imaginemos um rapaz de vinte e cinco anos saindo de Nova York encarnando um espírito de descobrimento e revelação do mundo (interior e exterior)

V - REFLEXÕES SOBRE A OBRA CINEMATOGRÁFICA

Em entrevista ao Segundo Caderno, do Jornal O Globo, de 17 de março de 2012, o produtor de cinema romeno, Martin Karmitz, de 73 anos, fala sobre o trabalho com o cineasta brasileiro Walter Salles, realizador, em parceria com a Zoetrope, produtora de Francis Ford Coppola e a Film 4, da adaptação ao romance de Jack Kerouac (1922 – 1969), "On the road". Disse ele: “Só um cineasta com formação cultural plural como a de Walter Salles, um homem viajado, poderia alcançar uma tradução possível para a obra de Kerouac”. A afirmação pressupõe estreita relação da experiência de vida do cineasta possibilitou ir além do conhecimento ou afinidade com autor e o estilo de vida daquele grupo de jovens da época na construção do espírito impresso na película. O romance marcou época e influenciou gerações. Não apenas entre os Beats. Em contraponto, nos jornais de pernambuco, o premiado cineasta Cláudio Assis afirma - durante lançamento do filme dele “Febre do Rato”, em 22 de Junho de 2012 - que não viu nem precisa ver o filme feito por Salles. Talvez por considerar insuficiente argumento da afinidade de estilos de vida dos viajantes em questão. Ou por condenar as escolhas feitas no impacto midiático do filme.
O caráter de conhecimento profundo de um tema para que seja alvo de crítica é desconsiderado por Assis, que o sugere empirismo agregue mais valor ao cinema que o próprio resultado estudado por críticos. De forma precisa, sobre a matéria prima da massa cinzenta do Cinema Brasileiro, Octávio Paz, chama atenção sobre a importância do ritmo da obra em audiovisual:

"o valor está nos signos que nos revela e na possibilidade de combiná-las, possibilidade que só se dá como construção rítmica, noção de pausa e aceleração, rarefação e excesso, silêncio e estrondo, ligação e fissura, mecânica e delírio".
Octávio Paz

Em resumo, a respiração: com o espectador um documentário é máquina de significar. O que há para ser filmado são os ritmos do mundo. “Falta-nos pensar a questão do ritmo na integralidade”. É a proposta de Cezar Mingliorin, em artigo da Cinética. E no lugar de adaptação, usar o conceito de transposição, sugere Beto Brant. É preciso acreditar na captura do instante diante das câmeras. Caso contrário não será solucionada interface entre obra de ficção documental. Ensinou com sua obra o fotógrafo francês Henri Cartier Bresson. Também na documentação da realidade. O filme divide a narrativa frenética e ininterrupta de Jack Kerouac em espaços contados, quase milimetrados, de imagens dos corpos na estrada e nos ambientes onde o enredo é contado. A abertura chega a ser matemática. Cerca de cinco minutos para cada ambiente. A música e trilha sonora fariam por si a captura do leitor andarilho ou beatnik. Apesar de todo argumento, não viverá pela eternidade ou pelo tempo que sobrevive o romance Kerouaquiano.

Bibliografia:

KEROUAC, JACK. On The Road. New York City, Vicking Press Book, 1957
PAZ, Octávio. Signos em rotação. Rio de Janeiro: Perspectiva, 2003.
PAZ, Octávio. O arco e a lira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982.
BRESSON, Robert. Notas sobre o cinematógrafo. São Paulo: Iluminuras, 2008.
BRESSON, Robert. Notas sobre o cinematógrafo. São Paulo: Iluminuras, 2008.
SALLES, WALTER. MARTIN KARMITZ. “On The Road”, Zoetrope, Film4, 2012
O GLOBO. Segundo Caderno. 17 de Março de 2012.


1 comment:

Obat Kelenjar Getah Bening Di Ketiak said...

aloha aku ia oukou, i ka ike oukou hoʻolako i ka loa kiʻi, a me hopefully pono