Uma crítica para a
viceralidade dos corpos em
“Na Estrada”
“Escrever é
também devir outra coisa diferente de um escritor. Àqueles que lhe
perguntam em que é que consiste a escrita, Virgínia Wolf responde:
Quem é que vos fala em escrever? O escrito não fala disso está
preocupado em outra coisa”.
Gilles Deleuze
RESUMO
Este estudo analisa
a apresentação dos corpos no filme Na
Estrada
de Walter Salles Júnior. A narrativa de inadequação de tais corpos
- enquanto corpos americanos do pós guerra - ao conceito de
sociedade dos anos 50, na obra de Jack Kerouac. O romance estradeiro
serve como metáfora do que a nova geração de corpos humanos deixou
para trás. Ressignificando o conceito de loucura. Redesenhando a
trajetória dos corpos, redefinida pelo formato da estrada, em sua
linearidade do deslocamento.
SUBSTRACT
This study analyzes
the presentation of bodies in the film On
The Road, by
Walter
Salles. The narrative of inadequacy of these bodies - while American
bodies postwar - the concept of society '50s, in the work of Jack
Kerouac.The Roadster romance serves as a metaphor for what the new
generation of human bodies left behind. Giving new meaning to the
concept of madness. Redesigning the trajectory of bodies, redefined
the road shape in its linearity of displacement.
I - INTRODUÇÃO
"As únicas
pessoas para mim são os loucos, os que estão loucos para viver,
loucos para falar, loucos para ser salvos, desejando tudo ao mesmo
tempo, aqueles que nunca bocejam ou dizem uma coisa banal, mas
queimam, queimam, queimam, como fabulosas velas romanas explodindo
como aranhas através das estrelas "
Jack Kerouac
No romance
estradeiro da geração beatnik Na
Estrada (On The Road, Viking, 1957),
escrito nos anos 50 por Jack Kerouac, os corpos estão em constante
movimento de adesão às circunstâncias apresentadas naquele período
do pós guerra nos Estados Unidos da América do Norte. Em negação
ao padrão vigente, tais corpos cumprem uma diferente trajetória e
um “padrão” de vida que se identifica no formato oferecido pelas
rodovias que cortam o país. A inadaptação desses corpos ao modelo
de sociedade imposto na época onde a propaganda e a modernização
(industrialização) foram introduzidas e entranhavam-se à rotina do
cidadão americano. Corpos em estado de alerta. Varando madrugadas.
Atravessando as estradas. Alguns aspectos serão destacados destes
corpos mutantes e de geografia constantemente mutável: O constante
deslocamento migratório desse indivíduo (que dispersou da manada da
qual fazia parte para interagir com comunidades estranhas ao universo
dele) prevê um avançado processo de comunicação (aguçamento dos
instintos de sobrevivência), o exercício da aceitabilidade
imediata, da empatia com os outros corpos de passagem pela mesma
trajetória; a flexibilidade das convenções estabelecidas em
ambientes fixos (cidades, bairros, condomínios, famílias, círculos
de amizade), a histeria sexual e superpotência do conatus quebrando
padrões comportamentais que inclui sono, tolerância ao álcool e
outras substâncias tóxicas.
I - INTRODUTION
“The only
people for me are the mad ones, the ones who are mad to live, mad to
talk, mad to be saved, desarious of everything at he same time, the
ones who never yawn or say a commonplace thing, but burn, burn, burn,
like fabulous Roman candles exploding like spides across the stars”.
Jack Kerouac
In the road novel of
the beatnik generation On
The Road (On
The Road, Viking, 1957),
written in the 50s by Jack Kerouac, the bodies are in constant motion
accession to the circumstances presented in that post war period in
the United States of North America. In the denial current standard
such bodies meet a different trajectory and a "standard" of
life that identifies the format offered by highways that cross the
country. the inadequacy of these bodies to the model of society
imposed on the age where advertising and modernization
(industrialization) were introduced and entrenched to the American
citizen routine. Bodies on alert. Piercing dawn. Crossing the roads.
Some aspects will be highlighted these mutants bodies and constantly
changing geography: Constant migration shift that individual (who
dispersed the herd from which part to interact with foreign
communities to his universe) provides an advanced process
communication (sharpening of survival instincts) , exercise immediate
acceptance, empathy with the other bodies passing through the same
path; the flexibility of conventions established in fixed
environments (cities, neighborhoods, condominiums, families,
friendship circles), sexual hysteria and conatus of superpower
breaking behavioral patterns including sleep, tolerance to alcohol
and other toxic substances.
II - O DISCURSO
SOBRE OS PAIS E A PATERNIDADE PERDIDA
“Meu pai olhou a
minha mão e disse, não tem calos. Isso é por que você não
trabalha”.
Sal Paradise, no
filme “Na
Estrada”,
de Walter
Salles, baseado no romance de Jack Kerouac
A aventura do
personagem de Jack Kerouac, Sal Paradise, que em poucas páginas irá
conhecer o frenético e admirado Dean Moriarty (Neal Cassady) - um
sedutor vagabundo egoísta e auto-centrado ao ponto de se tornar o
centro das atenções dos poetas que compõem o grupo de Sal, como no
caso de Carlo - começa com a morte do pai. O pai que é também o
grande fantasma que assombra o espírito livre de Dean Moriarty. É
pouco depois da morte do pai que Sal irá dar início à grande
aventura de cruzar o continente americano, estando ou não na
companhia de Moriarty e do séquito de admiradores dependentes da
energia e do brilho de Dean que o cercam. Sal também acabava de se
curar de uma doença que tinha a ver com a morte do pai e a “medonha
sensação de que tudo estava morto”. É sob o impacto da notícia
de que Dean (Neal) estava em Nova York, depois de cumprir o período
da pena no reformatório. O delinquente juvenil envolto em mistério,
recém-casado com uma garota de 16 anos, chamada Louanne. Tomando
como referência o livro de Gilles Deleuze A
Literatura e A Vida,
e que o devir escritor está em outro lugar, e não nele mesmo, nas
memórias ou na infância, caso contrário seria obrigado
compreendê-lo numa visão psicanalística “pai-mãe”,
compreende-se rápido o que pretende Kerouac ao matar o pai de Sal,
pouco antes que a história comece.
“Escrever é
também devir outra coisa diferente de um escritor. Àqueles que lhe
perguntam em que é que consiste a escrita, Virgínia Wolf responde:
Quem é que vos fala em escrever? O escrito não fala disso está
preocupado em outra coisa”.
Gilles Deleuze
Com o pai morte (ao
contrário do pai de Dean/Neal que anda perambulando como um mendigo
ou bêbado nas ruas e assombrando o personagem com suas aparições
ou falsas aparições) Sal pode empreender a viagem que não passava
do estágio da intenção, dos planos, para se configurar na
realidade, enquanto a vida dele “Na Estrada”. Diria Deleuze que
este é um grito de um animal não domesticado ou domesticável, um
grito que é pode ser apreciado por que se trata mais de uivar para a
lua. Como explicita o poema de Allen Ginsberg. Para Dean Moriarty,
retratado como um americano forte, saudável, olhos claros e loiro,
no filme (adaptação) de Walter Salles, “o
sexo era a primeira e única coisa sagrada e importante na vida,
ainda que ele tivesse que suar e blasfemar para ganhar o pão”.
Este corpo de Dean Moriarty vai ser mostrado e se mostrar no romance
e no filme como máquina de fazer sexo com homens e mulheres. De
máxima potência. A morte do pai, e com ele dos significados
existenciais, como laços de família são desfeitos. Passam a não
existir como norma. O corpo de Dean Moriarty e os corpos que lhe
cercam comungam da ausência de regras. Corpo movido por excessivo
conatus. A Paixão pelo sexo é o princípio motor da vida, dos
encontros, tudo que pode ser vivido a partir do acaso. Ao contrário
da figura do pai de Sal, extinta e que não lhe causa mais a dor
existencial de antes da chegada de Dean (Neal Cassady), a figura da
mãe vai estar presente quando, sem qualquer aviso prévio, ele
baterá à porta da casa de Sal pedindo para que ele o ensine a
escrever. O feito teria sido sugerido por ocasião da visita de Sal à
espelunca onde estava hospedado Dean com L. em frente ao café do
Hector, que virou uma referência para Dean depois de um encontro
casual com o dono do lugar que iria abrigar o casal. Nessa visita,
Sal narra o despudor de Dean que recebe a ele, Chad e Carlo (no filme
propositalmente “confundido” com o fictício Leon Levinsky (na
realidade Allen Ginsberg), abrindo a porta sem roupa (no livro, de
cuecas. No filme, sem ela). Louanne pode ser vista pelos visitantes
também nua em pele, no filme. Enquanto no livro, ela pula da cama
onde acabaram de fazer amor. Não é descrito no livro que, neste
momento, Dean ordene que ela se levante para fazer um café para
eles. Mas que o dono do pequeno apartamento estaria na cozinha
fazendo o café, enquanto Dean se ocupa do sexo com L. que é o que
mais importa na vida.
O incomôdo que vai
levá-la a denunciá-lo e fugir para Denver se traduz numa
indiferença de Moriarty às necessidades vitais dela, como
alimentação e higiene, ou ao que mais se passa com ela. No livro,
fica em aberto o número de motivos, verdadeiras razões para que ela
colocasse em risco (novamente) a liberdade de Dean. Embora o narrador
oferece à visão do dia seguinte ao encontro no tal pequeno
apartamento onde passaram a noite toda na farra, fumando, bebendo e
emporcalhando o lugar, quanto então Dean acorda Louanne para que ela
limpe e dê conta da faxina, submetendo-se a todas as vontades dele.
O pai de Sal (ou narrador) está morto nesta hora. Por que a
narrativa dele enxerga o lado dela. Defende o direito dela de
continuar dormindo e não ser acordada para limpar o que todos
sujaram. A aceitação de Sal à fragilidade do caráter de Dean
diante dos seus desejos. A importância da morte do pai para esta
etapa onde entra em vigor uma nova ordem pode ser relembrada na
história de vida do filósofo de Amsterdã, Benedito Espinosa, que
enquanto o pai estava vivo acreditava que seria uma afronta, ou
provocar sofrimento ao pai dele, Miguel, nascido judeu, convertido
cristão-novo sob ameaça da morte dele e dos filhos. Toda a
filosofia libertadora do polidor de lentes do século XVII começa a
ser escrita em 1660 e publicada em 1663, quando Bento (como seu pai
chamava) já tinha 28 e 31 anos, respectivamente. O pai morrera antes
mesmo da excomunhão em 1647, ano fatídico em que Espinosa, nascido
em 1632 completaria 25 anos. Assim como a filosofia de Espinosa nasce
depois da morte do pai, da mesma forma tem início a vida “On
the Road”
de Sal paradise, do próprio Keroac. Para quem compôs Ray Charles,
aconselhando-o a “bater a estrada” - ou “pegar a estrada”
(“hit
the road, Jack”).
Música, filosofia de Espinosa e romance estradeiro de Kerouac - o
filme de Walter Salles? - tornam-se hit.
“Ele
estava me enrolando, eu sabia, ele sabia que eu sabia (essa era a
base do nosso relacionamento)”.
Ou seja, o oposto da função, do papel, do esteriótipo do pai: o
anti-édipo. Corpo livre para todo tipo de sexo.
III - A vida de
animal livre do homem. Reescrevendo trajetórias e percursos da raça
humana
“Não temos um
corpo somos um corpo”
Maurice
Merleau Ponty
O livro “On
The Road”
é uma reescritura da realidade e do ritmo de vida dos corpos nos
idos anos cinquenta, nos Estados Unidos. O homem, animal racional, se
desloca pelos Estados da Confederação Americana e ultrapassa suas
fronteiras (chegando também ao México e Argentina), num constante
movimento migratório solitário. Um initerrupto deslocamento
geográfico e de si mesmo. O modelo intitulado de “vida
na estrada”
é adotado a partir da quebra, de alguma ruptura no afeto, na conexão
com o ambiente social. Foi o que se deu na vida de Sal. Após a perda
do pai e a chegada do enigmático, louco, insaciável, voraz, vivaz e
esperto Dean Moriarty a Nova York, Sal Paradise - assim como outros
do seu grupo, inclusive o próprio Dean - passaram a se deslocar indo
“passar” por Virgínias, Carolinas, Ohio, Alabama, Luisiana,
Texas, Novo México. Nunca morar, como diz a canção Tom Wait, na
abertura do filme de Salles “Home,
I’ll never be”.
Imaginemos um rapaz de vinte e cinco anos saindo de Nova York
encarnando um espírito de descobrimento e revelação do mundo
(interior e exterior)
V - REFLEXÕES
SOBRE A OBRA CINEMATOGRÁFICA
Em entrevista ao
Segundo Caderno, do Jornal O Globo, de 17 de março de 2012, o
produtor de cinema romeno, Martin Karmitz, de 73 anos, fala sobre o
trabalho com o cineasta brasileiro Walter Salles, realizador, em
parceria com a Zoetrope, produtora de Francis Ford Coppola e a Film
4, da adaptação ao romance de Jack Kerouac (1922 – 1969), "On
the road". Disse ele: “Só um cineasta com formação cultural
plural como a de Walter Salles, um homem viajado, poderia alcançar
uma tradução possível para a obra de Kerouac”. A afirmação
pressupõe estreita relação da experiência de vida do cineasta
possibilitou ir além do conhecimento ou afinidade com autor e o
estilo de vida daquele grupo de jovens da época na construção do
espírito impresso na película. O romance marcou época e
influenciou gerações. Não apenas entre os Beats. Em contraponto,
nos jornais de pernambuco, o premiado cineasta Cláudio Assis afirma
- durante lançamento do filme dele “Febre do Rato”, em 22 de
Junho de 2012 - que não viu nem precisa ver o filme feito por
Salles. Talvez por considerar insuficiente argumento da afinidade de
estilos de vida dos viajantes em questão. Ou por condenar as
escolhas feitas no impacto midiático do filme.
O caráter de
conhecimento profundo de um tema para que seja alvo de crítica é
desconsiderado por Assis, que o sugere empirismo agregue mais valor
ao cinema que o próprio resultado estudado por críticos. De forma
precisa, sobre a matéria prima da massa cinzenta do Cinema
Brasileiro, Octávio Paz, chama atenção sobre a importância do
ritmo da obra em audiovisual:
"o valor
está nos signos que nos revela e na possibilidade de combiná-las,
possibilidade que só se dá como construção rítmica, noção de
pausa e aceleração, rarefação e excesso, silêncio e estrondo,
ligação e fissura, mecânica e delírio".
Octávio Paz
Em resumo, a
respiração: com o espectador um documentário é máquina de
significar. O que há para ser filmado são os ritmos do mundo.
“Falta-nos pensar a questão do ritmo na integralidade”. É a
proposta de Cezar Mingliorin, em artigo da Cinética. E no lugar de
adaptação, usar o conceito de transposição, sugere Beto Brant. É
preciso acreditar na captura do instante diante das câmeras. Caso
contrário não será solucionada interface entre obra de ficção
documental. Ensinou com sua obra o fotógrafo francês Henri Cartier
Bresson. Também na documentação da realidade. O filme divide a
narrativa frenética e ininterrupta de Jack Kerouac em espaços
contados, quase milimetrados, de imagens dos corpos na estrada e nos
ambientes onde o enredo é contado. A abertura chega a ser
matemática. Cerca de cinco minutos para cada ambiente. A música e
trilha sonora fariam por si a captura do leitor andarilho ou beatnik.
Apesar de todo argumento, não viverá pela eternidade ou pelo tempo
que sobrevive o romance Kerouaquiano.
Bibliografia:
KEROUAC, JACK. On
The Road. New York City, Vicking Press Book, 1957
PAZ, Octávio.
Signos em rotação. Rio de Janeiro: Perspectiva, 2003.
PAZ, Octávio. O
arco e a lira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982.
BRESSON, Robert.
Notas sobre o cinematógrafo. São Paulo: Iluminuras, 2008.
BRESSON, Robert.
Notas sobre o cinematógrafo. São Paulo: Iluminuras, 2008.
SALLES, WALTER.
MARTIN KARMITZ. “On The Road”, Zoetrope, Film4, 2012
O GLOBO. Segundo
Caderno. 17 de Março de 2012.
1 comment:
aloha aku ia oukou, i ka ike oukou hoʻolako i ka loa kiʻi, a me hopefully pono
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