Lugar da delicadeza com o outro e com a própria Liberdade.

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Friday, August 21, 2015

Que horas?

Que horas são?

Era tarde ainda. Edith esperava pelo ônibus depois de sair do trabalho. Era gerente da loja. Gostava de gerenciar e ensinar quem se interessava em aprender tudo sobre pedras precisosas. As candidatas a vendedoras chegavam sempre dispersas, cheias de sonhos, fantasias. Não sabiam que para permanecer ali era preciso organização mental, foco e supremacia de modos. Disciplina para ganhar poder e agradar pessoas muito ricas. Confiantes e desconfiadas.

Não era raro uma recém – contratada pondo se a chorar escondido. Porque fizera pergunta tola e fora indiscreta. O tom mais humilde para elogios soava invasivo, incorreto. Em geral eram dizimadas como bichos peçonhentos com olhares de repúdio ou desprezo. Cabia a Edith escolher e orientar para que não passassem por isso ou teria ela mesma que corrigir, agir de imediato. Caso contrário, na semana seguinte estaria à procura de uma nova candidata. Edith não era indelicada com elas. Mas era seca, sem falsas delicadezas.

Era dura, nunca cometera uma só descompostura na altura na voz, o tom era sempre o mesmo. Contido e até suave, veludo. Não tinha predileções, mas sabia pelo jeito delas andarem quem duraria mais tempo. Às vezes faltava paciência, ela metia um analgésico ou dois para dentro, massageava com o pulso como orientou aquele vizinho zen budista e pronto. Nunca fora vista com qualquer expressão triste ou alegre, era sempre Edith. Não rimava com palavras como "emoção" ou "discontração". 

Era de um profissionalismo impecável. Consciente das obrigações, do seu papel que sempre conseguia cumprir da melhor forma possível. Quase tive um troço quando soube que morreu de um câncer. O que mais me lembrava Edith era sua máxima: "É a pergunta quem dá início a tudo". Não esqueço uma tarde de setembro. Meu aniversário. Não sei, ao certo, por que Edith havia me escolhido, mas lá estava eu, vendedora da joalheria. Uma garota faminta cruzou a porta. Para sorte dela, não havia clientes. Edith já ia interceptá-la, quando mais rápida, ela perguntou com dengo e carisma:

- Tia, me dá um trocado? - Disse quase miando.

- Não tenho idade para ser sua tia, e para sempre vou trocar algo com você. Em minha bolsa há uma barra de chocolate, com leite e flocos crocantes. É seu, se responder à seguinte pergunta: Sabe guardar um segredo?

O branco dos olhos na pele negra iluminados. Mesmo conhecendo há anos, Edith, fiquei pasma com a velocidade com aquela menina aprendeu. Na pergunta seguinte já era outra:

- Pode me dizer que horas são?


Eu mesma aprendi muito trabalhando com Edith numa joalheiria da Rua Nova.

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