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Sunday, September 22, 2013

Perder o quê?

Amanda. Não sei por que uma pessoa pode ser chamada assim. Por que se escolhe um nome, que é feito para que os outros saibam sobre você, que pode dizer logo tanto do que a pessoa tem que deveria estar no lugar mais escondido. Mas este era o nome da menina: Amanda. Que tinha vocação para ser várias coisas, inclusive todas ao mesmo tempo. E que, por hora, deixou-se apenas ser Jardineira.

E Amanda tinha tudo que uma pessoa precisa na vida: um regador chamado "Coragem". Um leão de pelúcia batizado "Impulso" e um abanador, produzido com palha seca, a quem deu nome de "Entusiasmo". Nos dias frios e cor de cinza, o regador de Amanda precisava apenas de uma faísca de luz, uma chama acessa, para refletir, pelo metal tão bem polido, algum brilho. Logo espantava a preguiça e animava a manhã mais invernosa.

Então, Amanda se ponha cedo para fora da cama e ia, sorrindo, regar as flores do jardim, que ela entendia, não eram delas. Estavam ali para que fossem cuidadas por ela. Como se o Universo tivesse destinado a ela a missão de aguá-las todos os dias. Com aquela alegria tola de Amanda, de quem não enxerga os perigos e tem vocação para escolher palavras que despertam o melhor ânimo. Assim fez com cada petúnia, frésia, gérbera ou magnólia que brotara ali. Flores a quem Amanda insistiu em dar acento, porque bem lhe cabiam. Mesmo quando alguma delas, sem avisá-la, fazia-se chamar sem circunflexo, agudo ou crase.

Nos dias de muito sol, e da iminência da chegada da música nas ruas, por celebração da farta colheita, Amanda comemorou e vibrou pelo tanto de flores nas ruas. Fez tudo que estava ao seu alcance, e até mesmo além dele, para vê-las nos palcos, floreando. Amanda, na companhia de seu leão mais que querido, assistiu a tudo se reconfortando.

Impulso era um bichinho alto, com a juba espessa, loira, que parecia pendões de trigo balançando ao sabor da brisa ou do vento mais forte. Era como um girassol, de tantas pétalas, voltando sua corola para a estrela maior da via láctea. E, por uma inexplicável mágica, os caminhos abarrotados de gente, pelas ruas estreitas da cidade, festejando e dançando, se abriam num simples movimento de Amanda e seu leãozinho.

Outono e primavera passaram sem que Amanda sequer percebesse que as estações mudavam. A companhia da mascote preenchia os dias de forma que Amanda não sentia falta sequer das flores. Até que, de repente, num dia de vendaval, pois era o mês de Agosto, afinal. Amanda recebeu a visita de um carteiro. Uma estranha sensação invadiu o coração de Amanda. Os olhos do carteiro estavam voltados para o chão. E não se ergueram sequer para enxergar se as mãos dele miravam direito onde estavam as mãos de Amanda, para as quais a carta estava destinada.

Amanda não sabia o que fazer. A carta estava endereçada a ela, com seu nome e endereço, mas o que poderia conter de tão trágico ali? O carteiro seguiu o caminho de volta ao portão, sem sequer olhar para o jardim cultivado por Amanda. A menina, que já era moça a esta altura, segurou a carta com uma leve taquicardia. Antes de abrir, pegou seu espanador, espanou bem a poeira da estrada e desprendeu o lacre que, superficialmente, prendia a aba do envelope vermelho.

De dentro, saiu uma nuvem escura, cor de chumbo, carregada de tristeza. A carta dizia que aquele jardim não deveria mais ser cuidado por Amanda. Que tem este nome e nem ela mesma sabe por que ou para quê. Para que serve um nome que já diz de você, aquilo que deveria estar mais em segredo?

Amanda juntou todas as coisas que tinha. Que era tudo o que uma pessoa precisa: um regador, chamado "Coragem". Um leão de pelúcia batizado "Impulso" e um abanador, de palha seca, a quem ela deu nome de "Entusiasmo". E seguiu sua viagem até outro lugar. Outro jardim que se queira cultivar por Amanda.

Além do que a gente já sabe que Amanda tem, ela, às vezes, esquece que ganhou do universo, quando nasceu, a mania de perder. Amanda perde tudo que se pode pegar com as mãos. Então, perdeu aquela carta também. O que mais intriga, até os dias de hoje, já uma mulher, é que a vocação para perder lhe deu a ausência do medo. E isso é difícil de entender. Afinal, onde se abrigar nos dias frios? Sob que teto acolher pensamentos amadores, como estes, pertencentes à Amanda? Pode ter escapado um detalhe: Se perdeu o que tinha, embora reste o que alguém precisa ter, não há motivo para temer.

O fato é que, a mania de perder, tirou tanta coisa de Amanda, tirou tudo! Inclusive o que nem chega a ser bom conselheiro. Agora, que não tem mais motivo, Amanda terá coragem, impulso e entusiasmo para viver a própria vida? Quem sabe o extraordinário seja demais? E Amanda, finalmente aprendeu que o necessário faz viver em paz? Talvez troque flores por livros, e deixe de lado o ordinário e o extra. O que Amanda só entendeu com esta perda é que, para muita gente no mundo, é preciso estar em guerra, permanente, contra quem ama. E isso, está no nome de Amanda. Tem como evitar?




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