Amanda. Não sei por que uma pessoa pode
ser chamada assim. Por que se escolhe um nome, que é feito para que os outros
saibam sobre você, que pode dizer logo tanto do que a pessoa tem que deveria
estar no lugar mais escondido. Mas este era o nome da menina: Amanda. Que tinha
vocação para ser várias coisas, inclusive todas ao mesmo tempo. E que, por
hora, deixou-se apenas ser Jardineira.
E Amanda tinha tudo que uma pessoa precisa
na vida: um regador chamado "Coragem". Um leão de pelúcia batizado
"Impulso" e um abanador, produzido com palha seca, a quem deu nome de
"Entusiasmo". Nos dias frios e cor de cinza, o regador de Amanda
precisava apenas de uma faísca de luz, uma chama acessa, para refletir, pelo
metal tão bem polido, algum brilho. Logo espantava a preguiça e animava a manhã
mais invernosa.
Então, Amanda se ponha cedo para fora da
cama e ia, sorrindo, regar as flores do jardim, que ela entendia, não eram
delas. Estavam ali para que fossem cuidadas por ela. Como se o Universo tivesse
destinado a ela a missão de aguá-las todos os dias. Com aquela alegria tola de
Amanda, de quem não enxerga os perigos e tem vocação para escolher palavras que
despertam o melhor ânimo. Assim fez com cada petúnia, frésia, gérbera ou
magnólia que brotara ali. Flores a quem Amanda insistiu em dar acento, porque
bem lhe cabiam. Mesmo quando alguma delas, sem avisá-la, fazia-se chamar sem
circunflexo, agudo ou crase.
Nos dias de muito sol, e da iminência da
chegada da música nas ruas, por celebração da farta colheita, Amanda comemorou
e vibrou pelo tanto de flores nas ruas. Fez tudo que estava ao seu alcance, e
até mesmo além dele, para vê-las nos palcos, floreando. Amanda, na companhia de
seu leão mais que querido, assistiu a tudo se reconfortando.
Impulso era um bichinho alto, com a juba
espessa, loira, que parecia pendões de trigo balançando ao sabor da brisa ou do
vento mais forte. Era como um girassol, de tantas pétalas, voltando sua corola
para a estrela maior da via láctea. E, por uma inexplicável mágica, os caminhos
abarrotados de gente, pelas ruas estreitas da cidade, festejando e dançando, se
abriam num simples movimento de Amanda e seu leãozinho.
Outono e primavera passaram sem que Amanda
sequer percebesse que as estações mudavam. A companhia da mascote preenchia os
dias de forma que Amanda não sentia falta sequer das flores. Até que, de
repente, num dia de vendaval, pois era o mês de Agosto, afinal. Amanda recebeu
a visita de um carteiro. Uma estranha sensação invadiu o coração de Amanda. Os
olhos do carteiro estavam voltados para o chão. E não se ergueram sequer para
enxergar se as mãos dele miravam direito onde estavam as mãos de Amanda, para
as quais a carta estava destinada.
Amanda não sabia o que fazer. A carta
estava endereçada a ela, com seu nome e endereço, mas o que poderia conter de
tão trágico ali? O carteiro seguiu o caminho de volta ao portão, sem sequer
olhar para o jardim cultivado por Amanda. A menina, que já era moça a esta
altura, segurou a carta com uma leve taquicardia. Antes de abrir, pegou seu
espanador, espanou bem a poeira da estrada e desprendeu o lacre que,
superficialmente, prendia a aba do envelope vermelho.
De dentro, saiu uma nuvem escura, cor de
chumbo, carregada de tristeza. A carta dizia que aquele jardim não deveria mais
ser cuidado por Amanda. Que tem este nome e nem ela mesma sabe por que ou para
quê. Para que serve um nome que já diz de você, aquilo que deveria estar mais
em segredo?
Amanda juntou todas as coisas que tinha.
Que era tudo o que uma pessoa precisa: um regador, chamado "Coragem".
Um leão de pelúcia batizado "Impulso" e um abanador, de palha seca, a
quem ela deu nome de "Entusiasmo". E seguiu sua viagem até outro
lugar. Outro jardim que se queira cultivar por Amanda.
Além do que a gente já sabe que Amanda
tem, ela, às vezes, esquece que ganhou do universo, quando nasceu, a mania de
perder. Amanda perde tudo que se pode pegar com as mãos. Então, perdeu aquela
carta também. O que mais intriga, até os dias de hoje, já uma mulher, é que a vocação
para perder lhe deu a ausência do medo. E isso é difícil de entender. Afinal, onde se
abrigar nos dias frios? Sob que teto acolher pensamentos amadores, como estes,
pertencentes à Amanda? Pode ter escapado um detalhe: Se perdeu o que tinha,
embora reste o que alguém precisa ter, não há motivo para temer.
O fato é que, a mania de perder, tirou
tanta coisa de Amanda, tirou tudo! Inclusive o que nem chega a ser bom
conselheiro. Agora, que não tem mais motivo, Amanda terá coragem, impulso e
entusiasmo para viver a própria vida? Quem sabe o extraordinário seja demais? E
Amanda, finalmente aprendeu que o necessário faz viver em paz? Talvez troque
flores por livros, e deixe de lado o ordinário e o extra. O que Amanda só
entendeu com esta perda é que, para muita gente no mundo, é preciso estar em
guerra, permanente, contra quem ama. E isso, está no nome de Amanda. Tem como
evitar?