Pós - Tudo
Chupou com tanta força a laranja que lambuzou-se toda daquilo. Que tensão contida havia nela agora. Aquele nino fazia mesmo delirar. Minutos antes que enviasse mensagem ela acordou de súbito pensando nas palavras dele. O que fora aquele capítulo? Uma confessa expectativa de inseri-la no universo louco dele? Era Literatura ao relato?
Sem perceber ela estava mais entregue e vulnerável do que gostaria. Pensava ainda naquele texto e só parou quando James Joyce ajudou a enxergar melhor em seu diálogo envolvendo Richard e Beatrice (Justice), no livro "Exilados": Queria tanto ver o texto por que escrevia sobre ela ou por que era ele quem escrevia? Leria por mais fortes e cruéis fossem as palavras ali expostas? Foi por muito pouco que não saiu ao encontro dele. Acreditando na própria invenção, cruzou o portão de casa e o longo caminho que separa-o da sua porta para ir até o mercado comprar laranjas. Citricamente avaliava sua atitude. Num dia da criação.
Porque para o poeta naquele dia há um divórcio e um violamento. Um homem rico que se mata. Ali havia uma mulher que se maltrata. E ela estava atenta como outras mulheres. Por motivos outros que não de esposa, por motivos de mulher. Não havia mais o funcionamento regular e ela não se guardava, mas estava presa, sem querer, ao próprio pensamento. Ao desejo dela mesma de somente querer aquele nome que zunia.
Dava voltas na cabeça, no quarteirão. Voltou para casa num arrependimento mudo. Por que acordou de súbito? Por que havia ainda uma sintonia de pensar nele e receber, no mesmo instante preciso, um sinal de vida, de querer? Talvez, há sempre várias hipóteses, porque pensava nele quase ininterruptamente.
Porque os exageros servem para construir verdades mais prolongadas e sólidas diante do passar do tempo. Não amava a si mesma o bastante? Não tinha amor de sobra ou, pelo menos, o suficiente para não aceitar "nigalhas"? A laranja ganhou outro nome a partir daquele dia. E seu doce cítrico uma quase melodia. Estava num estado de pensar que não incomodava tanto. Mas reprimia e repressão não é bom. Estava com tanto mais senso crítico que preferia não considerar hipótese de viver mais um instante de lençóis brancos em temperatura fria.
Ele queria, pensava consigo mesma. Mais uma vez, em oito meses de dimetria. As festas, as cores, as bebidas, as mulheres, o carnaval, as fantasias. E no raiar do dia, era ela quem ele queria. O que matava a ambos, em lenta mansidão de preguiça. Preguiça de entender porque era aquele encontro que mais os atraía. Era medo do apego ou da força de uma força da combinação dominante que envolvia os dois? Não fosse tão sob medida! Alguma coisa de pele, no modo de pensar, nas palavras fazia de ambos cada vez mais próximos de si mesmos.
Ficava tudo sempre com muito mais para depois. Havia a tensão do momento e era tanto e suficiente para tanto mais depois. Chupou a laranja, ao voltar do mercado, e tentou conseguir dormir porque talvez no sonho ele viesse ao seu encontro, sorrateiro, como em várias vidas vividas.
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