Que
horas são?
Era
tarde ainda. Edith esperava pelo ônibus depois de sair do trabalho.
Era gerente da loja. Gostava de gerenciar e ensinar quem se
interessava em aprender tudo sobre pedras precisosas. As candidatas a
vendedoras chegavam sempre dispersas, cheias de sonhos, fantasias.
Não sabiam que para permanecer ali era preciso organização mental,
foco e supremacia de modos. Disciplina para ganhar poder e agradar
pessoas muito ricas. Confiantes e desconfiadas.
Não
era raro uma recém – contratada pondo se a chorar escondido.
Porque fizera pergunta tola e fora indiscreta. O tom mais humilde
para elogios soava invasivo, incorreto. Em geral eram dizimadas como
bichos peçonhentos com olhares de repúdio ou desprezo. Cabia a
Edith escolher e orientar para que não passassem por isso ou teria
ela mesma que corrigir, agir de imediato. Caso contrário, na semana
seguinte estaria à procura de uma nova candidata. Edith não era
indelicada com elas. Mas era seca, sem falsas delicadezas.
Era
dura, nunca cometera uma só descompostura na altura na voz, o tom
era sempre o mesmo. Contido e até suave, veludo. Não tinha
predileções, mas sabia pelo jeito delas andarem quem duraria mais
tempo. Às vezes faltava paciência, ela metia um analgésico ou dois
para dentro, massageava com o pulso como orientou aquele vizinho zen
budista e pronto. Nunca fora vista com qualquer expressão triste ou
alegre, era sempre Edith. Não rimava com palavras como "emoção"
ou "discontração".
Era de um profissionalismo impecável.
Consciente das obrigações, do seu papel que sempre conseguia
cumprir da melhor forma possível. Quase tive um troço quando soube
que morreu de um câncer. O que mais me lembrava Edith era sua
máxima: "É a pergunta quem dá início a tudo". Não
esqueço uma tarde de setembro. Meu aniversário. Não sei, ao certo,
por que Edith havia me escolhido, mas lá estava eu, vendedora da
joalheria. Uma garota faminta cruzou a porta. Para sorte dela, não
havia clientes. Edith já ia interceptá-la, quando mais rápida,
ela perguntou com dengo e carisma:
-
Tia, me dá um trocado? - Disse quase miando.
-
Não tenho idade para ser sua tia, e para sempre vou trocar algo com
você. Em minha bolsa há uma barra de chocolate, com leite e flocos
crocantes. É seu, se responder à seguinte pergunta: Sabe guardar um
segredo?
O
branco dos olhos na pele negra iluminados. Mesmo conhecendo há anos,
Edith, fiquei pasma com a velocidade com aquela menina aprendeu. Na
pergunta seguinte já era outra:
- Pode me dizer que horas são?
Eu
mesma aprendi muito trabalhando com Edith numa joalheiria da Rua
Nova.