O fato é que é preferível a verdade, faça sofrer ou não, que qualquer "bem intencionada" mentira. Até mesmo porque o Amor só existirá no instante depois. Pelo menos é o que preferimos nós filósofos. Sobre o amor, Barthes já observava: o amor é um assunto mais obsceno, para nossos contemporâneos, do que o sexo. Mais incômodo. Mais íntimo. Mais difícil de dizer, de mostrar, de pensar. Digamos que a sexualidade tornou-se uma espécie de regra, à qual não há como não se submeter. O amor seria antes uma exceção. A sexualidade faz parte de nossa saúde. O amor seria antes uma doença, em todo caso um distúrbio. A sexualidade é uma força. O amor seria antes uma fraqueza, uma fragilidade, uma ferida. A sexualidade é uma evidência; o amor, um problema ou um mistério. Pode-se duvidar, inclusive, de sua existência ou, no mínimo, de sua verdade: e se fosse apenas um sonho, uma ilusão,uma mentira? Se por toda parte existisse apenas o sexo e o egoísmo?
Se o amor só existisse, como sugeria La Rochefoucauld , na medida em que falássemos dele? (…) Amar é poder desfrutar ou regozijar-se de algo ou de alguém. É, portanto, também poder sofrer, já que prazer e alegria dependem aqui, por definição, de um objeto exterior, que pode estar presente ou ausente, dar-se ou recusar-se. “Em relação a um objeto que não é amado, escreve Espinosa, nenhuma querela nascerá; não sentiremos tristeza se vier a perecer, nem ciúmes se cair em mãos de outro, nem temor, nem ódio, nem perturbação da alma…”, Estamos longe disso, e basta dizer que o amor nos prende como a ele nos prendemos. Se nada amássemos, nem nós mesmos, nossa vida seria mais tranqüila do que é. Mas é que também já estaríamos mortos.
Não se pode viver sem amor, explica Espinosa, já que é o amor que faz viver: “Em razão da fragilidade de nossa natureza, sem algo de que gozemos, a que estejamos unidos e por que sejamos fortalecidos, não poderíamos existir.” O amor é uma potência – potência de gozar e de regozijar-se – mas limitada. Por isso ele marca também nossa fraqueza, nossa fragilidade, nossa finitude. Poder gozar e poder sofrer caminham juntos, como a alegria e a tristeza, e é o que significa e ao temor, ao gozo e à falta, enfim ao trágico e à insatisfação. (…) O que é o amor? Espinosa dá esta bela definição: “O amor é uma alegria acompanhada da idéia de uma causa exterior.” Amar é regozijar-se de. Mas, e se a causa faltar? Resta, então, apenas a mágoa ou a falta. É onde se pode pensar a relação entre duas definições do amor, que dominam toda a história da filosofia.
Há a de Espinosa, que já era, no essencial, a de Aristóteles: “Amar, dizia este último, é regozijar-se.” E há em seguida a de Platão, que parece dizer bem o contrário. O amor, para Platão, não é primeiramente um alegria. O amor é falta, frustração, sofrimento: O que não temos, o que não somos, o que nos falta, eis os objetos do desejo e do amor.” São dois amores diferentes, que os gregos designavam por duas palavras diferentes: philia, para a alegria de amar, e eros, para a falta.(…) A falta e a alegria, Eros e philia, não são menos diferentes um do outro. Eros é primeiro, claro, já que a falta é primeira: vejam o recém-nascido que busca o seio, que chora quando lho retiram. É o amor que toma, o amor que quer possuir e guardar, o amor egoísta, o amor passional; e toda paixão devora. Te amo: te quero. Como este amor seria feliz? É preciso amar o que não temos, e sofrer com essa falta; ou então ter o que não falta mais (já que o temos) e que por isso amamos cada vez menos (já que só sabemos amar o que falta). Sofrimento da paixão, tédio dos casais. Ou então é preciso amar de outra maneira: não mais na falta, mas na alegria, não mas na paixão mas na ação – não mais em Platão mas em Espinosa.
Se o amor só existisse, como sugeria La Rochefoucauld , na medida em que falássemos dele? (…) Amar é poder desfrutar ou regozijar-se de algo ou de alguém. É, portanto, também poder sofrer, já que prazer e alegria dependem aqui, por definição, de um objeto exterior, que pode estar presente ou ausente, dar-se ou recusar-se. “Em relação a um objeto que não é amado, escreve Espinosa, nenhuma querela nascerá; não sentiremos tristeza se vier a perecer, nem ciúmes se cair em mãos de outro, nem temor, nem ódio, nem perturbação da alma…”, Estamos longe disso, e basta dizer que o amor nos prende como a ele nos prendemos. Se nada amássemos, nem nós mesmos, nossa vida seria mais tranqüila do que é. Mas é que também já estaríamos mortos.
Não se pode viver sem amor, explica Espinosa, já que é o amor que faz viver: “Em razão da fragilidade de nossa natureza, sem algo de que gozemos, a que estejamos unidos e por que sejamos fortalecidos, não poderíamos existir.” O amor é uma potência – potência de gozar e de regozijar-se – mas limitada. Por isso ele marca também nossa fraqueza, nossa fragilidade, nossa finitude. Poder gozar e poder sofrer caminham juntos, como a alegria e a tristeza, e é o que significa e ao temor, ao gozo e à falta, enfim ao trágico e à insatisfação. (…) O que é o amor? Espinosa dá esta bela definição: “O amor é uma alegria acompanhada da idéia de uma causa exterior.” Amar é regozijar-se de. Mas, e se a causa faltar? Resta, então, apenas a mágoa ou a falta. É onde se pode pensar a relação entre duas definições do amor, que dominam toda a história da filosofia.
Há a de Espinosa, que já era, no essencial, a de Aristóteles: “Amar, dizia este último, é regozijar-se.” E há em seguida a de Platão, que parece dizer bem o contrário. O amor, para Platão, não é primeiramente um alegria. O amor é falta, frustração, sofrimento: O que não temos, o que não somos, o que nos falta, eis os objetos do desejo e do amor.” São dois amores diferentes, que os gregos designavam por duas palavras diferentes: philia, para a alegria de amar, e eros, para a falta.(…) A falta e a alegria, Eros e philia, não são menos diferentes um do outro. Eros é primeiro, claro, já que a falta é primeira: vejam o recém-nascido que busca o seio, que chora quando lho retiram. É o amor que toma, o amor que quer possuir e guardar, o amor egoísta, o amor passional; e toda paixão devora. Te amo: te quero. Como este amor seria feliz? É preciso amar o que não temos, e sofrer com essa falta; ou então ter o que não falta mais (já que o temos) e que por isso amamos cada vez menos (já que só sabemos amar o que falta). Sofrimento da paixão, tédio dos casais. Ou então é preciso amar de outra maneira: não mais na falta, mas na alegria, não mas na paixão mas na ação – não mais em Platão mas em Espinosa.
André Comte-Sponville descreve longamente, sobre o amor, deseperadamente: "Te amo: sinto-me feliz porque existes". Todo casal feliz, e apesar de tudo existem alguns, é uma refutação do platonismo. Eros é a falta e a paixão amorosa: é o amor que prende ou quer prender. Philia é a potência e a alegria duplicada pelas do outro: é o amor que regozija e compartilha. Olhem a mãe e o filho. O filho toma o seio: é Eros, o amor que toma, é a própria vida. E a mãe dá o seio: é philia, o amor que dá, graças ao qual tudo continua e muda. Pois a mãe foi primeiro um filho: como todos, começou tomando. Mas aprendeu a dar, pelo menos a seus filhos, e é o que se chama um adulto. No início existe apenas Eros (há apenas o isso, como diz Freud), e talvez disso não escapemos: cada um começa tomando e não pára nunca. Mas, enfim, trata-se de aprender a dar, ao menos um pouco, ao menos à vezes, ao menos àqueles que amamos àqueles que nos fazem bem ou nos regozijam (…) Dar sem tomar? Regozijar-se sem querer possuir nem guardar?
Seria philia liberada de Eros, seria o amor liberado do eu, a alegria da falta, e foi o que os primeiros cristãos- quando foi preciso traduzir para o grego a mensagem do Cristo – chamaram ágape, que pode ser traduzido indiferentemente por amor ou caridade. É o amor liberado do eu, e por isso sem fronteira, sem margem, sem limite. Que deles sejamos capazes, duvido muito. Mas, enfim, isso indica pelo menos uma direção, que é a do amor: o amor não é o contrário do egoísmo; é seu efeito, sua foz - como um rio se lança no mar -, enfim seu remédio ou, como diria Espinosa, sua salvação. Vais passar toda tua vida a buscar um seio, ou a querer guardá-lo, ou a dele sentir saudades, quando há um mundo inteiro a ser amado? Nunca se ama demais. Ama-se mal e mesquinhamente. O amor é falta ou plenitude?"