Na cabeça, um chapéu
Ali no
canto esquerdo, ao lado da janela, Sabrina começava o dia. Ainda quase sem
roupa, levanta da cama, estica o braço e pega o chapéu preto, de listras
brancas e laço vermelho. No lugar das idéias que a reprimiam, vai o chapéu. Enfeitado.
Sabrina charmosa baixa o olhar, o rosto fica enigmático. Puxa a aba um pouco
mais para o lado.
- Alguém
tem que ceder para que haja mais espaço.
Sabrina
nunca mais quer saber de soluções prontas, prêmios, loterias, mudanças, inclusive
de novos hábitos que evitem o caos em sua vida. Sabrina prefere o caos aos
engessamentos, compulsões, desesperos de quem faz de tudo, mesmo sabendo que
não vai ser feliz nessa vida. Disso tudo, Sabrina não quer nem ouvir falar.
Muito menos conviver com pessoas que funcionam assim, sempre em moeda de troca.
Não dão porque querem, mas por interesse. E não perguntam se você quer nem te
dão o direito de escolher pelo que vai trocar.
Sabrina
pôs seu chapéu agora e vai até o mercado comprar flores, porque hoje está um
dia lindo. Um sol maravilhoso. Sabrina é solteira, maior de idade, trabalha, lê
muito, desde menina. Sabe cozinhar, gosta de filmes lentos e difíceis, de um
jeito que não consegue nem piscar. Não anda cuidando bem da saúde, mas esperou
a idade adulta para começar a fumar ou beber.
Sabrina não tem satisfações a dar. Nem ao porteiro, nem ao padeiro, nem
ao cozinheiro, muito menos aos que se dizem seus amigos e fazem perguntas para
lhe desagradar.
Sabrina
adora cuspidor de fogo. Vai para o circo vez enquanto porque acha inusitada a
sensação de estar sob uma lona, mas nem presta muita atenção nos espetáculos
cansados. Passa a maior parte do tempo olhando para cima. A lona repuxada pelos
furos deixa Sabrina ver as estrelas! O céu ali como pano de fundo por trás da
lona repuxada é o quadro que mais interessa a Sabrina.
Ela fica
ali aqueles minutos debaixo da lona do circo só para ter a certeza da
felicidade que vai sentir quando reencontrar o descampado. Sabrina não precisa
de lona. Não quer se proteger da chuva. Detesta sombrinhas. Tudo que Sabrina
precisa está na cabeça: O céu e o chapéu.