Trinta anos de A Hora da Estrela
Clarice morou num navio. Depois, no Brasil. Viveu os primeiros meses em Maceió, os primeiros anos no Recife e os primeiros momentos da carreira de jornalista no Rio de Janeiro. Os primeiros instantes de esposa foram em Belém do Pará. Depois, em Natal, no Rio Grande do Norte, até mudar-se para Nápoles (Itália) e Berna (Suíça). Na Europa, ainda esteve na França, Inglaterra e conheceu outros lugares até voltar para a América. Dessa vez, a do Norte. Foi para a capital dos Estados Unidos, Washington. Com dois filhos, (e mais dois livros - A cidade sitiada e O Lustre - além de Perto do Coração Selvagem - 1943) voltou ao Brasil e ao Rio de Janeiro. Clarice não morou em São Paulo, mas a cidade, atenta aos valores culturais, é a primeira a anunciar uma exposição (Clarice - A Hora da Estrela, na Estação da Luz, Museu da Língua Portuguesa) nos trinta anos do último romance da escritora. Ano também da sua partida.
Há uma única data de regristro da morte de Clarice: nove de dezembro de 1977. Datas para o seu nascimento foram muitas. A autora da biografia Uma vida que se conta, Nádia Battella Gotlib, relata: "Nas duas últimas décadas de vida, Clarice adota diferentes datas de nascimento. Embora alguns documentos seus continuem fiéis ao ano de 1920, e embora a crítica adote, durante longo tempo, o de 1925. Clarice registra as de 1921, 1926, 1927...".
Haia Lispector nasceu numa pequena aldeia, Chechelinik, distrito de Olopolko, na Ucrânia. Filha de Pedro e Marieta Lispectos, irmã de Elisa e Tânia, segundo declara, no dia 14 de novembro de 1920. Tinha apenas alguns dias quando a família partiu no navio Cuyaba, em Hamburgo, Alemanha, com destinho ao Brasil. Sua primeira certidão registra 10 de dezembro de 1920 como sua data de nascimento. No segundo documento de identidade o tradutor público do Recife, Arthur Gonçalves Filho, certifica como sendo dois meses antes, 10 de outubro.
Informações sobre o surgimento de uma vida, fluidas como as ondas do mar, primeiro lugar habitado por Clarice. O ser humano recém-nascido só reencontraria a terra firme meses depois. Fevereiro de 1921 é a data estimada para a chegada da família a Maceió. Período em que o Diário de Pernambuco publica no topo da seção "Telegrammas", a notícia da vinda de 10 mil refugiados acampados perto de Constantinopla depois de negociação entre uma comissão de russos e interessados no Brasil. A família muda-se para o Recife por volta de 1924. Clarice viveu no Recife até os nove anos de idade. Estudou no grupo escolar João Barbalho e no Ginásio Pernambucano. TIrou foto na Praça do Derby. Andou pelas ruas da cidade, como cita no conto Felicidade Clandestina, "pulando, que era o meu modo estranho de andar pelas ruas de Recife".
Clarice Lispector declarou, na derradeira entrevista, concedida a Affonso Romano de Sant'Anna e Marina Colasanti, sua identificação com a "heroína" do seu último livro, Macabéia, uma nordestina migrante e pobre. Declarou em outras que preferia a comida de Pernambuco. Morou na Praça Maciel Pinheiro, numa casa de esquina que hoje leva o nome de Maison Clarice. Preservada graçasa aoas proprietários comerciantes. Em frente, há o que supõe ser uma estátua em homenagem à escritora, mas que em nada revela a delicadeza de Clarice. Ainda há tempo para um pouco mais.