Pensando bem (por uma vida mais sábia)
texto de Eugenio Mussak (educador e escritor)
tema : vergonha
"Há um tipo de vergonha 'tóxica', que ruboriza a face da pessoa, mesmo que ela não tenha motivos para se envergonhar. Afinal, por que as pessoas sentem vergonha?"
(...) Sempre tem alguém nos perguntando se não temos vergonha de alguma de alguma coisa, nem que seja de sermos nós mesmos.
A expressão "força de ego" é bastante utilizada em psicologia. Refere-se a uma noção freudiana clássica em que o bom funcionamento psicológico das pessoas pode ser avaliado de acordo com a maneira como elas lidam com o conjunto de fatores controladores do meio onde vivem - os códigos sociais e culturais, as regras sociais. Controles sempre existem, e é bom que existam, pois o equilíbrio das relações depende, em grande parte, deles. Se cada um fizesse o que lhe dá na telha, viveríamos em anarquia, o que contraria o princípio da civilização.
Até aí, tudo bem. Eu preciso entender meus limites e respeitar os ditames de bom convívio com os demais. Caso contrário, posso ser acusado de ser anti-social, egoísta, desagradável. Um verdadeiro sem-vergonha. Por isso, na educação de uma criança, faz parte ensinar-lhe os limites, até onde se pode avançar sem ferir o espaço dos outros, seja o espaço físico, seja o moral.
A noção da força do ego está atrelada ao equilíbrio entre o primitivismo dos desejos humanos e a sofisticação das regras sociais. Só que esse equilíbrio é o que, em física, poderia ser chamado de equilíbrio instável. Qualquer esforço ligeiramente maior, de um lado ou do outro, gera o desequilíbrio, a ruptura psicológica, o sofrimento emocional.
A espontaneidade de um menino que mostra seu "pipi" para o médico em uma festa pode se transformar em um trauma com repercussões sexuais se ele for severamente repreendido. E, se não o for, pode colaborar para um comportamento irresponsável no futuro. Mas há outra possibilidade. Um fato como esse também pode ser utilizado como um momento pedagógico sobre normas de conduta, desde que a comunicação usada pela pessoa em que a criança confia seja natural e clara, como a educação em geral deve ser.
O psicólogo alemão Erik Erikson, uma referência quando o tema é infância, adolescência e os reflexos dessas fases na idade adulta, dizia: "Na vida social, a pessoa está completamente exposta e está consciente de que está sendo vista. A vergonha surge quando a pessoa ainda não se sente pronta para ser vista". Como a cobrança social é cada vez maior - em termos de sucesso, realização, estética e posses -, é muito difícil alguém se considerar totalmente pronto para ser visto. E dá-lhe vergonha. Por outro lado, se alguém não demonstra vergonha jamais, pode ser acusado de ser alienado.
Não há vergonha em sentir vergonha. A questão central não é essa, pois a vergonha é normal. O importante é a análise da relação entre a vergonha que sentimos e o motivo que a fez aparecer. Às vezes, a vergonha é desproporcional e pode provocar traumas. O menino que mostra o "pipi" e é repreendido ou humilhado não entende o que há de errado no seu ato. E, pior, poderá envergonhar-se do seu corpo para empre.
Se um garoto sente vergonha de fazer uma pergunta ao professor durante a aula, pois tem medo da violência do controle do meio - no caso, as gozações dos colegas -, pode ser um sinal de que ele se sente inadequado no meio em que está inserido. Ele não se sente pronto para ser visto. Por outro lado, o garoto que desrespeita o professor e os colegas com atitudes de insdisciplina constante pode estar no extremo oposto. É arrogante porque nega o controle social e faz questão de explicitar sua revolta com a autoridade. Ele poderia ser chamado, facilmente, de sem-vergonha. Mais uma vez, estamos lidando com o equilíbrio instável da força do ego.
Sem-vergonha
O tema da vergonha normalmente é analisado sob a ótica da psicologia ou da sociologia, entretanto ele também pode ser visto por outras lentes, como a da biologia. Em seu livro A Expressão das Emoções no Homem e nos Animais, Charles Darwin afirma: "Enrubescer é a mais especial e a mais humana de todas as emoções". E conclui dizendo que sua causa, a vergonha, é a peça-chave para a vida em sociedade.
Enquanto as sociedades de animais são regidas pelos instintos, a sociedade humana é regida por regras construídas intencionalmente. Darwin explica que o rubor é uma conseqüência fisiológica causada pela preocupação com o que os outros pensam de nós mesmos. A função do rubor é embaraçar quem ruboresce e constranger quem observa. E, assim, seguimos na vida, dançando a valsa da humanidade em um salão decorado com as regras da sociedade.
Em seu estado natural, o homem não se envergonha de nada, mas ele só está nese estado na infância. Na própria infância da humanidade, metaforicamente descrita nas escrituras bíblicas, o homem não se envergonha de andar nu. Foi só quando se viu expulso do paraíso que ele tratou de esconder seus genitais, "suas vergonhas". Talvez isso seja apenas um símblolo da vergonha de ter traído a confiança do criador e comido o fruto paoibido. A partir de então, teve iníco a humanidade controlada pela vergonha. Hoje, as religiões e o Estado valem-se do sentimento da vergonha para controlar as pessoas e manter o mínimo de equilíbrio social.
Portanto, a vergonha tem lá sua importância. Está ligada ao equilíbrio social e ao convívio humano. Sendo assim, estamos falando de algo humano, tanto do ponto de vista psicológico, quanto social e até biológico, como vimos. O problema está na vergonha desproporcional, tóxica, descabida, paralisante. Esta pode precisar de apoio profissional, mas pode também ser controlada à medida que o ego vai ganhando força, encontrando seus alicerces na maturidade, no autoconhecimento, na auto-aceitação.
(...)
Vamos concordar que a vida tem de ser vivida intensamente, mas não irresponsavelmente. Tentar ser feliz não é vergonha, a não ser que com sua felicidade você provoque a infelicidade de alguém mais. Mas isso, acredite, não é necessário, absolutamente."
mais do excelente texto no site: http://www.eugeniomussak.com.br/
Interessante observar que mesmo estarmos a apenas meio milênio da baixa Idade Média, onde ainda eram necessárias publicações sobre o mais básico controle de instintos e maneirismos ainda sofremos dessa doença que é a sobreposição dos egos de quem se sente fortalecido pelas vantagens do sistema. Nós, pobres e desfavorecidos mortais, dessa mesma sociedade, fazemos o movimento que fizeram negros, índios e orientais. Submetemo-nos aos horrores. Pressionados por um eterno sentimento apocalíptico. Seja apenas um certo fatalismo descuidado. Ou pior, a vitimização, um sentir-se fraco e sem saída diante de qualquer circunstância, que - mais que problemas - tornam-se "pesadelos".
Essa paralisia da qual o Eugênio Mussak fala é velha conhecida dos consultórios psiquiátricos e sessões de terapia. E em tudo que vejo no texto, só acrescentaria a diferença que faz ter bons amigos. Além dos mais belos sonhos, como já citava Ernesto Guevara.
texto de Eugenio Mussak (educador e escritor)
tema : vergonha
"Há um tipo de vergonha 'tóxica', que ruboriza a face da pessoa, mesmo que ela não tenha motivos para se envergonhar. Afinal, por que as pessoas sentem vergonha?"
(...) Sempre tem alguém nos perguntando se não temos vergonha de alguma de alguma coisa, nem que seja de sermos nós mesmos.
A expressão "força de ego" é bastante utilizada em psicologia. Refere-se a uma noção freudiana clássica em que o bom funcionamento psicológico das pessoas pode ser avaliado de acordo com a maneira como elas lidam com o conjunto de fatores controladores do meio onde vivem - os códigos sociais e culturais, as regras sociais. Controles sempre existem, e é bom que existam, pois o equilíbrio das relações depende, em grande parte, deles. Se cada um fizesse o que lhe dá na telha, viveríamos em anarquia, o que contraria o princípio da civilização.
Até aí, tudo bem. Eu preciso entender meus limites e respeitar os ditames de bom convívio com os demais. Caso contrário, posso ser acusado de ser anti-social, egoísta, desagradável. Um verdadeiro sem-vergonha. Por isso, na educação de uma criança, faz parte ensinar-lhe os limites, até onde se pode avançar sem ferir o espaço dos outros, seja o espaço físico, seja o moral.
A noção da força do ego está atrelada ao equilíbrio entre o primitivismo dos desejos humanos e a sofisticação das regras sociais. Só que esse equilíbrio é o que, em física, poderia ser chamado de equilíbrio instável. Qualquer esforço ligeiramente maior, de um lado ou do outro, gera o desequilíbrio, a ruptura psicológica, o sofrimento emocional.
A espontaneidade de um menino que mostra seu "pipi" para o médico em uma festa pode se transformar em um trauma com repercussões sexuais se ele for severamente repreendido. E, se não o for, pode colaborar para um comportamento irresponsável no futuro. Mas há outra possibilidade. Um fato como esse também pode ser utilizado como um momento pedagógico sobre normas de conduta, desde que a comunicação usada pela pessoa em que a criança confia seja natural e clara, como a educação em geral deve ser.
O psicólogo alemão Erik Erikson, uma referência quando o tema é infância, adolescência e os reflexos dessas fases na idade adulta, dizia: "Na vida social, a pessoa está completamente exposta e está consciente de que está sendo vista. A vergonha surge quando a pessoa ainda não se sente pronta para ser vista". Como a cobrança social é cada vez maior - em termos de sucesso, realização, estética e posses -, é muito difícil alguém se considerar totalmente pronto para ser visto. E dá-lhe vergonha. Por outro lado, se alguém não demonstra vergonha jamais, pode ser acusado de ser alienado.
Não há vergonha em sentir vergonha. A questão central não é essa, pois a vergonha é normal. O importante é a análise da relação entre a vergonha que sentimos e o motivo que a fez aparecer. Às vezes, a vergonha é desproporcional e pode provocar traumas. O menino que mostra o "pipi" e é repreendido ou humilhado não entende o que há de errado no seu ato. E, pior, poderá envergonhar-se do seu corpo para empre.
Se um garoto sente vergonha de fazer uma pergunta ao professor durante a aula, pois tem medo da violência do controle do meio - no caso, as gozações dos colegas -, pode ser um sinal de que ele se sente inadequado no meio em que está inserido. Ele não se sente pronto para ser visto. Por outro lado, o garoto que desrespeita o professor e os colegas com atitudes de insdisciplina constante pode estar no extremo oposto. É arrogante porque nega o controle social e faz questão de explicitar sua revolta com a autoridade. Ele poderia ser chamado, facilmente, de sem-vergonha. Mais uma vez, estamos lidando com o equilíbrio instável da força do ego.
Sem-vergonha
O tema da vergonha normalmente é analisado sob a ótica da psicologia ou da sociologia, entretanto ele também pode ser visto por outras lentes, como a da biologia. Em seu livro A Expressão das Emoções no Homem e nos Animais, Charles Darwin afirma: "Enrubescer é a mais especial e a mais humana de todas as emoções". E conclui dizendo que sua causa, a vergonha, é a peça-chave para a vida em sociedade.
Enquanto as sociedades de animais são regidas pelos instintos, a sociedade humana é regida por regras construídas intencionalmente. Darwin explica que o rubor é uma conseqüência fisiológica causada pela preocupação com o que os outros pensam de nós mesmos. A função do rubor é embaraçar quem ruboresce e constranger quem observa. E, assim, seguimos na vida, dançando a valsa da humanidade em um salão decorado com as regras da sociedade.
Em seu estado natural, o homem não se envergonha de nada, mas ele só está nese estado na infância. Na própria infância da humanidade, metaforicamente descrita nas escrituras bíblicas, o homem não se envergonha de andar nu. Foi só quando se viu expulso do paraíso que ele tratou de esconder seus genitais, "suas vergonhas". Talvez isso seja apenas um símblolo da vergonha de ter traído a confiança do criador e comido o fruto paoibido. A partir de então, teve iníco a humanidade controlada pela vergonha. Hoje, as religiões e o Estado valem-se do sentimento da vergonha para controlar as pessoas e manter o mínimo de equilíbrio social.
Portanto, a vergonha tem lá sua importância. Está ligada ao equilíbrio social e ao convívio humano. Sendo assim, estamos falando de algo humano, tanto do ponto de vista psicológico, quanto social e até biológico, como vimos. O problema está na vergonha desproporcional, tóxica, descabida, paralisante. Esta pode precisar de apoio profissional, mas pode também ser controlada à medida que o ego vai ganhando força, encontrando seus alicerces na maturidade, no autoconhecimento, na auto-aceitação.
(...)
Vamos concordar que a vida tem de ser vivida intensamente, mas não irresponsavelmente. Tentar ser feliz não é vergonha, a não ser que com sua felicidade você provoque a infelicidade de alguém mais. Mas isso, acredite, não é necessário, absolutamente."
mais do excelente texto no site: http://www.eugeniomussak.com.br/
Interessante observar que mesmo estarmos a apenas meio milênio da baixa Idade Média, onde ainda eram necessárias publicações sobre o mais básico controle de instintos e maneirismos ainda sofremos dessa doença que é a sobreposição dos egos de quem se sente fortalecido pelas vantagens do sistema. Nós, pobres e desfavorecidos mortais, dessa mesma sociedade, fazemos o movimento que fizeram negros, índios e orientais. Submetemo-nos aos horrores. Pressionados por um eterno sentimento apocalíptico. Seja apenas um certo fatalismo descuidado. Ou pior, a vitimização, um sentir-se fraco e sem saída diante de qualquer circunstância, que - mais que problemas - tornam-se "pesadelos".
Essa paralisia da qual o Eugênio Mussak fala é velha conhecida dos consultórios psiquiátricos e sessões de terapia. E em tudo que vejo no texto, só acrescentaria a diferença que faz ter bons amigos. Além dos mais belos sonhos, como já citava Ernesto Guevara.
No comments:
Post a Comment