Lugar da delicadeza com o outro e com a própria Liberdade.

Onde se está de acordo com o único modo do humano de ser feliz

Friday, March 30, 2012


Na cabeça, um chapéu
Ali no canto esquerdo, ao lado da janela, Sabrina começava o dia. Ainda quase sem roupa, levanta da cama, estica o braço e pega o chapéu preto, de listras brancas e laço vermelho. No lugar das idéias que a reprimiam, vai o chapéu. Enfeitado.  Sabrina charmosa baixa o olhar, o rosto fica enigmático. Puxa aba um pouco mais para o lado.
- Alguém tem que ceder para que haja mais espaço. Não na minha aba.
Sabrina nunca mais quer saber de soluções prontas, prêmios, loterias, mudanças, inclusive de novos hábitos que evitem o caos em sua vida. Sabrina prefere o caos aos engessamentos, compulsões, desesperos de quem faz de tudo, mesmo sabendo que não vai ser feliz nessa vida. Disso tudo, Sabrina não quer nem ouvir falar. Muito menos conviver com pessoas que funcionam assim, sempre em moeda de troca. Não dão porque querem, mas por interesse. E não perguntam se você quer nem te dão o direito de escolher pelo que vai trocar.

Sabrina pôs seu chapéu agora e vai até o mercado comprar flores, porque hoje está um dia lindo. Um sol maravilhoso. Sabrina é solteira, maior de idade, trabalha, lê muito, desde menina. Sabe cozinhar, adora filme de qualquer nacionalidade, desde que diga alguma coisa, e pinta. Fica de um jeito que não consegue nem piscar diante de uma foto bonita, um quadro incrível. Esperou a idade adulta para começar a fumar ou beber.  Sabrina não tem satisfações a dar. Nem ao porteiro, nem ao padeiro, nem ao cozinheiro, muito menos aos que se dizem seus amigos e fazem perguntas para lhe desagradar.

Nessas horas, Sabrina adora ir ver o cuspidor de fogo. Vai para o circo vez enquanto porque acha inusitada a sensação de estar sob uma lona, mas nem presta muita atenção nos espetáculos, tão cansados. Passa a maior parte do tempo olhando para cima. A lona repuxada pelos furos deixa ver as estrelas. O céu ali como pano de fundo por trás da lona repuxada é o quadro que interessa muito mais a Sabrina.

Ela fica ali aqueles minutos debaixo da lona do circo só para ter a certeza da felicidade que vai sentir quando reencontrar o descampado. Sabrina não precisa de lona. Não quer se proteger da chuva. Detesta sombrinhas. Tudo que Sabrina precisa está na cabeça: O céu e o chapéu.

Thursday, March 29, 2012

Cappuccino



"Andar com cineasta é assim. A viagem vira filme". A frase fosse dita por espectador já era completa. Vindo de um escritor ganhou dimensão. Deslocamento é sempre um suspiro do espírito. A visão da estrada, luz do sol na janela. Das sensações, de saída, é certo o bem estar além das próprias fronteiras. As palavras lançadas ao longo dos quilômetros ficam com um jeito de grão deitados em terra adubada. Solução para ver tudo de um jeito diferente é sair da rotina, abrir para o novo, experimentar trocar experiência com quem mora em outro lugar, tem um dia - a - dia diferente do seu, aprendeu coisas distintas de você, ganhar a extensão da railway.

Foi uma noite de frases de efeito, sacadas bem humoradas, mimos tirados da cachola. Enquanto uma falava, a outra já pensava na cena que acrescentaria à conversa. De temas em temas falamos sobre romper os silêncios, que mantém na impossibilidade do isolamento, nos rompimentos com as próprias limitações e que tudo está no pensamento. Fomos ali contar uma história de mulheres que se juntaram em torno de um projeto de Litertura e cinema e ganhamos tudo isso de volta. Um fórum promovido pelo Departamento de Letras da UPE, Nazaré da Mata, e a Coordenadoria de Cinema. Leia - se o professor e doutor em Literatura, amigo, Alexandre Furtado e Carla Francine, gestora pública do audiovisual. Das realizadoras convidadas, esta narradora, Tuca Siqueira e Luci Alcantântara. "Brenda também bem que podia estar lá".

Essas Filhas de Lilith. Cida Pedrosa foi lá recuperar o mito e veja só o mundo novo que é possível. Uma visão e opinião sobre as coisas como aconteceu na Literatura do século XIX. Mulheres escrevendo e publicando. Ao lado dos homens. E, neste século XX e XXI, realizando. Fazendo Cinema. Em Pernambuco, Nordeste brasileiro. O encontro foi em Nazaré da Mata e foi uma experiência boa. A exibição dos filmes, comentários sobre a produção. Detalhes e investigações sobre dos roteiros. A conversa fluindo. As perguntas surgindo. E os cappuccinos sobre a mesa.

Boa condução, platéia preparada, palestrantes numa disposição. Enfrentariam mais forte frio. Conhecimento vivido numa oralidade para além das quatro horas. O auditório, inicialmente cheio, depois das considerações finais, cedeu lugar para aquela conversa junto à porta, sinal de passagem. Cantinho escolhido pelo grupo dos mais interessados. Boa peleja aquela que seja para inaugurar novos caminhos. Arar a terra, aguar e fazer sementes plantadas brotarem. Além dos agradecimentos, ficaram umas vinte pessoas, ali envolvidas, instigadas e resistindo. No papo para o lugar de passagem, umas cinco. Já serão cinco! Motivação na digestão dos cappuccinos.

Àquela hora restava somente a satisfação do dever cumprido no caminho até em casa? Deu mais. Deu para ir sorrindo, porque andar com cineasta é assim. Cada viagem é uma história, um filme. E vice versa, visse? Natural pensar num roteiro e num conto na volta ao Recife? Ganhamos mais esse ponto, brilhando ali, ao lado do pôr do sol, numa das estradas da Mata Norte.

Thursday, March 08, 2012


Olhar contemporâneo

Responda, sem pensar, quais as três primeiras coisas que você, mulher, enxerga assim que desperta?  Aposto que tem um despertador na lista no lugar da antiga resposta “meu marido”. Arrisco dizer que, na maioria dos casos, a mulher enxerga a hora, em seguida vem o celular e a xícara de café! Porque, à exceção daquela que acabou de parir, invariavelmente despertado pela necessidade de alimentar o recém - nascido, as mulheres de hoje são despertas por elas mesmas.

             Não há figuras masculinas ao lado na cama, pelo menos em mais da metade dos lares brasileiros, comandados por mulheres “solteiras”. Na melhor das hipóteses, adormecem eventualmente ao lado do amante, mas elas estão sozinhas na cama, na devastadora maioria dos dias do calendário. O que não significa dizer que a casa não esteja povoada de avós, pais, filhos, outros parentes ou colegas que racham o custos do apê.  Surpreendeu? Dá uma olhada!

Olhar contemporâneo é isso: abrir o jornal, dar uma olhada nas manchetes e chegar a mesma conclusão: é. O mundo mudou. Somente para este ano de 2012, os que estimam o consumo, anunciaram que pelo menos 717 bilhões serão oriundos da riqueza feminina. Mulheres economicamente ativas vão deixar essa montanha de notinhas nos caixas.

O que significa aumento de mais de três por cento em relação ao ano de 2011, quando elas fizeram circular cerca de 693 bilhões. Acredito que a conta inclui compras da “nova mulher”, como travestis e gays que assumem a despesa com produtos antes chamados “femininos”. E vice e versa.

Como “todo amor é uma forma de comparação”, já dizia Guimarães Rosa, os economistas não contentam: Quanto isso representa em relação ao consumo dos homens? Desleal. Elas venceram. Score elevado de 67% contra 40% de consumo masculino. Como mulheres da classe C representam metade da população brasileira é possível deduzir destinação do dinheiro.

Assinale aí: Supermercado (comida e bebida!), Serviços (água e luz, condomínio, aluguel, operadoras de telefonia, internet, canais por assinatura), escola, remédios, livrarias e papelarias, também mercearias, fiteiros, bares, botecos, lojas de tecidos, armarinhos, roupas, lingeries, cosméticos, higiene pessoal, salões de beleza. E, por outro lado, certamente também posto de gasolina, manutenção do carro, lojas de ferragens e material de construção.

O resumo da ópera: Elas e eles mudaram e estão pagando outras contas. Mas, pela primeira vez, a parte maior foi paga por elas, que ainda recebem menores salários? Por quê mesmo?

Saturday, March 03, 2012

Opinião sobre o prazer

"Prefiro dizer que as paixões não são contentamentos ou desprazeres nem opiniões, mas tendências, ou antes, modificação da tendência que vêm da opinião ou do sentimento e que são acompanhadas de prazer ou desprazer".

Leibniz

Só pode haver mérito em se apaixonar. Mergulhar profundamente em cada aspecto da vida. Família, trabalhos, estudos, projetos e, não se engane, também no Amor. Há na palavra algo além do que comportaria em significado "Pathos" ou "Paschein". Mas do que passividade, pelo impulso determinante tão associado à figura do apaixonado e seu sentimento, a Paixão é justo o que faz mudar de lugar. É o que rompe com a tendência da condição e ações do eu.


E, sim, há diferentes formas de uma paixão se manifestar ou nos modificar. E se não houver mudança não há de ter sido algo que mereça a palavra, o nome, o seu real significado. Porque é muito simples para o passivo dizer que está apaixonado por alguém ou alguma coisa. A verdade brota é dos olhos dos outros. Do incômodo dos outros. Da negação/afirmação dos outros.


E seria preciso se conhecer muito para ententer o que ficou em você. Para entender as razões que levam ao inevitável movimento de estar apaixonado perdidamente, em conflito. A maioria de nós não se observa e deixa passar. Só identifica quando a patologia é sintoma das obscuridades em dilema eternamente irreconhecível por quem não se permite. Nada é mais forte que um ser envolvido em todas as suas dimensões. Corpo, aura, alma, espectros e ciclos concêntricos da vida.

É fácil diferenciar algo que não merece ser reconhecido como fruto de uma paixão. Porque é algo que não fará diferença se não fizer parte da sua vida. Porque "Paixão" (com minhas aspas), que muda, é eterna.