No livro de Robert Mauzi, L'Idée de bonheur dans la littératura et la pensée fraçaise au XVIIIe. siécle, Albin Michel, 1979, pp. 261/262. Está a seguinte citação que em 1738 Mirabeau faz em carta ao amigo Vauvenargues, sobre os princípios que norteiam a sua conduta:
- desfazer-se de preconceitos,
- preferir a alegria aos humores,
- seguir as suas inclinações... Ao mesmo tempo em que as expurga.
A fora o entusiasmo juvenil, Mirabeau reinventava a felicidade do homem de sua época. Antes dele, outros fizeram muito mais preocupados com a salvação da alma. Vide Santo Agostinho. Como bem descreve Pascal Bruckner em seu A Euforia Perpétua, "no seu tempo... enumerava nada menos que 289 opiniões diferentes sobre o assunto, o século XVIII consagrou-lhe cerca de 50 tratados e nós não cessamos de projetar sobre os tempos antigos ou sobre outras culturas concepções e obsessões que só a nós pertencem."Pascal pontua, desde o início (p.13) os lugares onde nós situamos essa felicidade:
"Tanto existe felicidade na ação como na contemplação, na lama como nos sentidos, na prosperidade como na penúria, na virtude como no pecado." E relembra Diderot:"As teorias sobre a felicidade, mais não explicam que a história daqueles que as elaboram. É uma outra história a que nos interessa: a da vontade de felicidade como paixão própria do Ocidente desde as revoluções Francesa e Americana".
Para logo depois destacar os paradoxos que enfrenta o projeto de ser feliz:
1. Versa sobre um objeto de tal modo fluido que se torna intimidatório dada toda sua imprecisão
2. Desemboca no tédio ou na apatia a partir do momento em que se realiza (no sentido de que a felicidade ideal seria uma felicidade sempre saciada, sempre renascida que evitaria a dupla pena da frustração e da plenitude).
3. Enfim, ilude o sofrimento ao ponto de se encontrar desarmado perante ele a partir do momento em que surge.
Pascal desenvolve cada um desses tópicos: "No primeiro caso a própria abstração da felicidade explica a sua sedução e a angústia que origina. Não somente desconfiamos dos paraísos pré-fabricados como nunca estamos seguros de sermos verdadeiramente felizes. Querer saber se o somos é já sinal de o não sermos.
Daí que a predileção por este estado se encontre também ligada a dois comportamentos, o conformismo e a inveja, as doenças conjuntas da cultura democrática: o alinhamento pelos prazeres majoritários, a atração pelos eleitos que a sorte parece ter favorecido".
O segundo tópico, Bruckner entende o conceito na sua forma laica, mais contemporânea, usando a Europa como ambiente, nominando o efeito de "advento da banalidade":
"esse regime temporal que surgiu com o dealbar dos tempos modernos e viu triunfar a vida profana, reduzida ao seu prosaísmo, após a retirada de Deus.
A banalidade ou a vitória da ordem burguesa: mediocridade, sensaboria, vulgaridade."Finalmente, examina o 3o. Ponto: a dor.
"Por último, tal objetivo, visando eliminar a dor, substitui-a apesar de tudo no âmago do sistema. Ainda que o homem de hoje igualmente sofra por não querer mais sofre, como também se pode adoecer à força de procurar a saúde perfeita.
O nosso tempo conta-nos uma estranha fábula: a de uma sociedade dedicada ao hedonismo, para a qual tudo se torna causa de irritação e de suplício". E sentencia:"A infelicidade não é só a infelicidade: é, ainda pior, o fracasso da felicidade".
Pascal Bruckner conclui então, com o que compreende por "dever de felicidade":"essa ideologia própria da segunda metade do século XX e que conduz a tudo avaliar sob o prisma do prazer e do desagrado, esse convite à euforia que lança no opróbrio e na dor os que não lhe correspondem.
Duplo postulado: por um lado, tirar o melhor partido da vida; pelo outro, afligir-se, penalizar-se por tal não ser conseguido."Além dos múltiplos significados do Bem Supremo e idéias fixados (saúde, riqueza, corpo, conforto, bem-estar e outros "talismãs"), Pascal lembra que "contrariamente ao lugar-comum sem descanso repetido desde Aristóteles não é verdade que todos nós procuraríamos a felicidade, valor ocidental e historicamente datado.
Outros existem como liberdade, justiça, amor, amizade que ganham supremacia sobre ela".E ainda pergunta:"E como saber o que todos os homens procuram desde a origem dos tempos sem cair em generalidades vagas?"
RESPOSTA: "Não se trata de estar contra a felicidade mas sim contra a transformação desse frágil sentimento num pensamento coletivo estupidificante perante o qual todos se deverão inclinar nos aspectos químicos, espirituais, psicológicos, informáticos, religiosos. Os saberes e as ciências mais elaborados devem confessar a sua importância para garantirem a felicidade aos povos e aos indivíduos".
Ao jovem Mirabeau e seus "postulados", segue o recado subversivo: "amo demais a vida para não querer ser feliz!".
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