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Saturday, December 19, 2015

Imagino-me numa máquina de escrever Hemington 15. A primeira que comprei com meu primeiro salário. Aqui, revejo minha colaboração ao portal de Literatura e Poesia, Interpoética:




Dez anos interpoéticos 



Para conseguir terminar a leitura de meus romances em paz, ficava debaixo da pia do banheiro, por trás de um pequeno box. Escondida e sozinha num canto contendo a emoção pela história e o fim inevitável e próximo. Os anos passaram, também as três primeiras décadas. E tudo caminhava diferente do planejado pela menina recolhida em seus livros. Num belo dia, com o céu de um azul intenso, clarinho e cheio de pássaros, recebi um telefonema que mudaria a vida. Era uma poeta do sertão, respeitável, uma amiga querida, que fazia o convite para assinar esta coluna, esta mesma que você leitor interpoético, lê neste exato intante da noite ou do dia. 

Era como se a poeta amiga fizesse uma proposta parecida à que fazem os pais aos filhos: andar de bicicleta sem rodinhas. Onde está a mágica sensação que torna esse domínio do necessário equilíbrio possível? E a menina que fui, com semelhante habilidade para façanhas como da minha filha (Lore leu 5.386 páginas do fenômeno Harry Potter num só mês de férias, além dos livros propostos pela escola como Os Miseráveis, de Victor Hugo, e O Nariz, de Luís Fernando Veríssimo), teria agora o desafio de também escrever. 
Aprendi a ler, depois do curso sobre Literatura Pernambucana com Luzilá e uma especialização em Literatura Brasileira com uma seleção de professores de causar inveja, além da autora de “Muito além do corpo”, incluindo Lourival Holanda, Alfredo Cordiviola, Zuleide Duarte. Além de Ivana (didática) e José Ricardo (metodologia). Mestres que ajudaram a concretizar em mim o eterno e o etério da Literatura. Como na origem da criação do perfume, que em sua evolução/tempo espaço, começou com uma invocação dos Deuses, o auxílio do fogo e, por conseguinte, da fumaça, transformei o ar que respirava em uma monografia, inspirada na obra de Clarice Lispector, também publicada pelo Interpoética. 

Mesmo infantil e cheia de erros, as publicações atraíram a primeira editora a convidar para publicação de um livro. Uma ocasião em que pude repensar, por quatro longos anos, tudo que tinha escrito. E de perdoar-me pela péssima literatura que tenha produzido. Também das asneiras ditas solta das amarras. Então passei a escrever como o homem que espreme os peixes que rouba do rio, no meio fio, ao meio dia. Usando a caneta para martelar a cabeça, como ele usava uma pedra sob o asfalto cobalto. E sucederam as festas, os encontros, os lançamentos, jornadas, aulas, palestras as trocas, livros e mais livros. Dia e noite, noite e dia, pensava no umbigo de vidro. 
A tela que nos expunha ao mundo. A quebra do tijolo feito da pasta de areia fundida. Pude ver melhor o Recife e o Rio. Até cruzar a ponte da Imperatriz e enxergar três canoas submersas, três jazigos imersos, numa sexta-feira fez frio. Foi quando comecei a entender melhor a força das coisas. O gosto (mais profundo) de cada uma. O modo como o mundo gira. E devolveu minha condição às citações dos estudos. Nessa volta à prosa, citei Robert Mauzi e sua versão de felicidade: Desfazer dos preconceitos, preferir a alegria aos humores, seguir suas inclinações, ao mesmo tempo em que as expurga. Nesses tempos refletia até mesmo sobre as teorias de Buffon sobre a probabilidade de uma agulha cair exatamente sob às linhas de uma folha. 

Os círculos concêntricos, as memórias que nos levam ao céu ou ao inferno, para citar agora Silvina Ocampo. A história de uma nordestina, como eu, de fazer pouca sombra, e o centro onde fixar o parafuso e fazer surgir a forma ao apertá-lo com força. Então chegou o outono e falei das folhas secas e marrons e das mais amareladas levadas pelo vento. Que também soprou páginas do calendário. 
Ocupei-me da boa vista que se tinha na boa vista antes de mexerem na boa vista. Somava imagens e sons como quem gira as pedrinhas de um caleidoscópio. Filosofei a respeito do grão que invade a ostra e o grão de fusão para chegar a um colar de pérolas. Também sobre as divergências entre os cínicos e o cão filósofo Diógenes, com sua lanterna na mão, vestindo apenas um barril à procura dos verdadeiros homens vocacionados a preterir suas vaidades pelas necessidades das cidades. 

De palavra em palavra, de frase em frase, buscava um pensamento que me salvasse. Um autor que me tirasse da imobilidade, do tédio, dos cuidados comigo mesma, do medo. Foi quando cheguei às alturas, ou simplesmente dei passos até a esquina. Mantendo acesso o desejo de ouvir um ser humano sendo sincero. Talvez para deixar de lado meus modos irisados, azuis e ternos. Foram tantas ideias soltas em páginas presas, que quis até o inverso. Dez anos se passaram, não de uma vez, mas aos poucos, frase a frase, mês a mês. De janeiro a dezembro. Da menor concha do mundo à vértebra exposta. E vieram resenhas, artigos, estudos. Os personagens e as pessoas como elas mesmas e como indivíduos. Homens, mulheres, crianças. 
Aprendi com todos. De cada publicação saí com mais saúde, com mais desejo, bebendo a verdade, num carnaval de cores visíveis e invisíveis. Falando sobre amor, cinema, vida e morte. A peleja diária de um eu Umbilina, impressionada com os recortes da arquitetura do edifício de Hannah, da imprensa, da objetividade, do copidesk, do idiota da desumanização. Aceitei um tiro que me atravessou de verdade, as dores de Sophia, a beleza do deserto e da travessia na companhia do Tuaregue. De Gaia e Gozo. E de um livro a mais em mim. 

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