Centro: "é preciso fixar o parafuso central para que a forma permaneça"
A história de Macabéa , uma nordestina de fazer pouca sombra, que é levada para o Rio de Janeiro por uma tia, contada por Clarice é a reprodução - ou pretende ser, como propõe a autora - da imagem refletida em espelho manchado de ferrugem dessa que representa tal segmento da população que insiste em resistir, mesmo ao passar dos anos.
"Parte daquela raça anã teimosa que um dia vai talvez reivindicar o direito ao grito".
Como traduz Eduardo Portella no prefácio "O grito do silêncio", em A Hora da Estrela, Clarice Lispector, Rocco:
"Com emprego de balconista numa grande loja de departamentos para a época, Macabéia é um sujeito - broto do que também podia ser compreendido como estudo da depreciação do humano frente às relações geradas e realidade recriada com o impulsionamento do sistema capitalista."
Nada disso. E tudo isso a um só tempo. Estão ali questões também culturais e de gênero. Como se vê na "dignidade" adquirida pelo namorado de Macabéia por trazer uma morte nas costas. Ainda mais, e principalmente, na escolha de um autor (Rodrigo S.M.) para a obra.
Escolha que merece destaque em análise de Lúcia Helena em Nem Musa Nem Medusa e onde a autora que conviveu com Clarice esclarece:(pag.62)
"Esta máscara subjetiva e masculina chama a atenção do leitor pelo inevitável enclave não só com a biografia da escritora, criada em menina em Alagoas e no Recife, mas também com a "biografia" das duas nordestinas personagens, de modo que uma espécie de dramaturgia da subjetividade vai sendo entramada, espraiando - se por todo o texto, e conduzida por um processo de tecelagem cujos recursos se sustentam com base na ironia, na antítese e na repetição"
É mesmo no "parafuso" que a análise pretende se centra ou girar em seu entorno. Aquele que é o objeto de consumo "apreciado" na vitrine pela personagem. Na vitrine da vida dessa personagem não há jóias ou vestidos bonitos. Mas um parafuso !
Benedito Nunes (O Drama da Linguagem, pag.35) lembra referindo - se a uma leitura de A Cidade Sitiada: " o humor em A Cidade Sitiada neutraliza a realidade dissolvendo - a numa sucessão de aparências equívocas. Maquinais nos sentimentos e cercados de coisas rígidas".
Faz lembrar previsões sobre a conquista do bem - estar (viver mais próximo do feliz) de Condorcet: "o progresso das artes mecânicas trará um novo padrão de conforto e felicidade à massa da humanidade".
Relação entre processo civilizatório e o conceito focado neste estudo em Felicidade, de Eduardo Gianetti. Está no primeiro texto intitulado "A bifurcação pós - iluminista" apresentado pelo personagem Melo, um erudito historiados de idéias que leu em demasia e encontra dificuldade em acreditar no que quer que seja; atualmente desempregado, aos outros três amigos que participam de encontros para entender melhor e discutir a felicidade:
"na terra prometida da razão secular (...) as desigualdades entre os indivíduos e as nações diminuiriam, a paz internacional seria alcançada e a adoção do livre - comércio e de uma língua universal selariam a fraternidade entre os povos. O avanço do saber científico e a difusão da educação popular dissipariam as trevas da superstição e da intolerância. (...) O enredo é familiar: a estrada da razão e da virtude leva ao regaço da felicidade."
É no parafuso ainda solto que Macabéa pode centrar a força de sua formação. Se "felicidade" é uma palavra doida inventada pelas nordestinas que vivem aos montes por aí, a loucura é uma forma solta, sem amarras. Precisa fixar suas bases, reconhecer sua dimensão e formatar seu próprio entendimento para existir.
Trecho do estudo A Felicidade em Clarice Lispector, 2002, Pós-graduação em Letras UFPE, Literatura Brasileira.
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