Eu e Jimmy* (trecho)
Lembro-me ainda de Jimmy, aquele rapaz de cabelos castanhos e despenteados, encobrindo um crânio alongado de rebelde nato.
Lembro-me de Jimmy, de seus cabelos e de suas idéias. Jimmy achava que nada existe de tão bom quanto a natureza. Que se duas pessoas se gostam nada há a fazer senão amarem-se simplesmente. Que tudo o mais, nos homens, que se afasta dessa simplicidade de princípio de mundo, é cabotinismo, e espuma. Se essas idéias partissem de outra cabeça, eu não toleraria ouvi-las sequer. Mas havia a desculpa do crânio de Jimmy e havia, sobretudo a desculpa de seus dentes claros e de seu sorriso limpo de animal contente.
Jimmy andava de cabeça erguida, o nariz espetado no ar, e, ao atravessar a rua, pegava-me pelo braço com uma intimidade muito simples. Eu me perturbava. Mas a prova de que eu já estava nesse tempo imbuída das idéias de Jimmy e sobretudo do seu sorriso claro, é que eu me repreendia essa perturbação. Pensava, descontente, que evoluíra demais, afastando-me do tipo padrão - animal. Dizia-me que é fútil corar por causa de um braço; nem mesmo de um braço de uma roupa. Mas esses pensamentos eram difusos e se apresentavam com a incoerência que transmito agora ao papel. Na verdade, eu apenas procurava uma desculpa para gostar de Jimmy. E para seguir suas idéia. Aos poucos estava me adaptando à sua cabeça alongada. Que podia eu fazer, afinal?
(...)
Minha avó, uma velhinha amável e lúcida, a quem contei o caso, inclinou a cabecinha branca e explicou-me que os homens costumam construir teorias para si e outras para as mulheres. Mas, acrescentou depois de uma pausa e um suspiro, esquecem-nas exatamente no momento de agir... Retruquei a vovó que eu, que aplicava com êxito a lei das contradições de Hegel, não entendera palavra do que ela disse. Ela riu e explicou-me bem-humorada:
- Minha querida, os homens são uns animais.
Voltávamos, assim ao ponto de partida? Não achei que esse fosse um argumento, mas consolei-me um pouco. Dormi meio triste. Mas acordei feliz, puramente animal. Quando abri as janelas do quarto e olhei o jardim fresco e calmo aos primeiros fios de sol, tive a certeza de que não há mesmo nada a fazer senão viver. Só continuava a me intrigar a mudança de Jimmy. A teoria é tão boa!
*publicado na Folha de Minas. Belo Horizonte, em 24 de dezembro de 1944 - conto antigo reproduzido no jornal sem autorização da autora.
1 comment:
gostei, muito bom o conto... =D
abraço!
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