Reflexo em céu aberto
Reflexo na água da chuva. Do outro lado da rua, dois homens carregando o espelho onde reflito minha sombra. São sobras de mim. Do meu túmulo, falo. Não sei mais sentir. Não é apenas o medo. Habituei à dor. Penso na precisão de Henri Cartier Bresson. Aguardar pelo instante do ser suspenso. E conseguir um reflexo na água da chuva que lembra bicicleta e alma ao mesmo tempo.
É uma das reflexões mais frequentes. Se desaparecesse? Se a água da chuva derretesse as moléculas frágeis de açúcar? Esta é uma marca fixa dessa geração de múltiplas e interruptas ligações. Um frame a mais e tudo se desfaz. E mais... Serão sempre duas moléculas de hidrogênio para uma de oxigênio, pelo menos enquanto o amor for líquido. Uma para viver o instante. Outra para garantir que haverá mais. Haverão outros. Quem não compreende essas pausas fica assustado e se prende. Ou aprende a não ficar se sentindo acuado no canto da parede.
Sei sobre passes de mágica. Tive que aprender a linguagem do novo. O lúdico, fluido e múltiplo modo do amor. Ia viver essa existência sem compreender se minha estrutura rígida não tivesse rachado. Vira uma armadilha que você mesmo arma e lhe captura. Quis tentar entender ao máximo. Isso complica. Não quer dizer que não se refaça quem inventa outro horizonte que chegar a algum lugar.
Como na canção dos Beatles. All we need is love. É assim, principalmente entre brasileiros. E brasileiras. Tudo o que queremos é o amor. Ou suas outras formas. Parece a única maneira de nos perdoar por morar no paraíso. Ganhar um solo em que se plantando tudo dá. Pena que não se distribui o pão e o chão. E crianças guardam seus sonhos em suas caixas de origem. Ser amado e ficar livre também pode ser um risco. A busca por alguma alegria e prazer precisa incluir o aprendizado da completude do ser.
Então, minha imagem brota da liberdade de estar suspensa. De experimentar os fenômenos da Natureza. Quanto mais grandiosa ela for. As duas feras ficam duelando. Solidão e liberdade. Culpa e vontade de amor. Coragem de olhar para frente às vezes por inventar estar descrente que o amor acontece novamente um dia. Sempre. O amor acontece sempre que alguma fenomenologia aparente se mistura a acasos. Frases que encaixam. Imagens e similitudes que cabem no coração e na mente. Isso que também pode ser chamado de força de uma alegria contente. E brota uma verdade de ir crescendo.
É preciso querer com o coração e disciplinar os momentos. Editá-los. Usar palavras gentis e gerenciar atos nos fatos que envolvem o sentimento. É para quem é solar. Não pode escurecer ou anoitecer. Fazer o relógio marcar apenas as horas do dia. Porque nisso vai incluido epifanias. Como congelar um instante em fotografia.
Empenho no que sobrou desse tempo esforço danado em ser responsável pelo meu e pelo sentimento. Porque seduzir é mesmo uma compulsão, às vezes. Mais força demonstro ao resistir. Pelo menos é real. E não reflexo em céu aberto, por espelho da água da chuva onde encontro com precisão imagem de mim mesma que inventei. Como na fotografia citada que revela o inconsciente ótico do fotógrafo. Soube quando a psicanálise revelou o inconsciente pulsional e mostrou o que eu não via.