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Tuesday, June 19, 2012


Um bom vinho

Ali na prateleira estava seu sonho. Seu vinho português preferido: Carcavelos. Não por acaso, produzido numa das menores regiões demarcadas de Portugal. Ainda, localizada na costa de Estoril, próxima da Foz do Tejo. Ex – Costa do Sol. Distante apenas dez quilômetros de Lisboa. Tudo na história daquela garrafa interessava a Marta.
Interessava, por exemplo, que Carcavelos fora demarcada em 1908, que fora o Marquês de Pombal seu principal defensor. Seu modo de estar, plenamente, rodeada de urbanizações. Mas, principalmente, pelo fato de produzir um vinho generoso. Feito em bica - aberta. Tal como outras regiões esta corre sérios riscos de extinção.
Marta era uma mulher severa e muito sozinha. Tinha hábitos que remetiam as pessoas mais antigas. De uma organização simples, quase franciscana. Mas com este requinte. Gostar de origens. Ter um apego às coisas com significados e tradições. E coincidências como datas. Quer saber uma que pegou Marta? Ela nasceu no mesmo dia em que a região de Carcavelos foi demarcada. Exatos dois séculos depois que o Marquês do Pombal, enviou vinho da sua quinta Oeiras, para a corte de Pequim, na China.
Isso foi em 1752. Ela se pergunta se, naquela época, era mais fácil conseguir uma garrafa. Por ser uma região ocupada pela vinha muito pequena, e, por esta razão, o Carcavelos dificilmente se encontrar no mercado. Para que todos entendam melhor a grande afeição de Marta, preciso dizer que trata-se de vinho licoroso, de graduação alcoólica com variação de 18º a 20º e que alguém já tomou como melhor indicado enquanto aperitivo ou vinho de sobremesa, pelo grau de doçura.
Assim como é a própria Marta, que produz mais pensamentos livres de impurezas que doçura, em suas dores caladas. Por empenho e força de buscar as infindáveis características da bebida preferida feita em uvas pisadas. Sobre seu vinho, costuma dizer para amigos que carrega suavidade em tema e paladar aveludado. Só esconde saber do seu envelhecimento rápido. Pelo tempo de dois anos em casco, bastante para introdução da rolha e para que seja engarrafado. Selado. Identificado por uma família com rótulo. Para, então, ser comercializado.
Carcavelos vem com ligeiro tanino e é rico em álcool natural. Tudo que aprendi com Marta. Que conheceu Carlos, por intermédio de Fátima, depois de Marta lhe apresentar ao vinho. Formam, hoje, dois casais. Completos em suas essenciais parcerias para todo o sempre.           
Como no último final de semana em que estivam juntos. Marta, Carlos, Fátima e uma rara garrafa de Carcavelos. Conversaram muito, ajudando a compreender seus mistérios. A preencher seus vazios. Reviram aflições que só solidões despertam. Numa daquelas interações de seres mais completos. Foram duas noites indescritíveis. Como fossem pintadas por Monet. Uma bela lua, vento soprando cabelos na varanda. Até o vinho Carcavelos, presente fisicamente em todos. Nos copos e nos corpos, deixaram espreguiçadeiras balançando, em direção à leve noite de sono. Em abraço ampliado.
No sonho de Fátima, sem qualquer explicação, estava a imagem de Carlos. Não como o amigo de sempre, porque nunca esteve interessada amorosa ou sexualmente nele. Marta despertou estranhando a sim mesma. E serviu um café da manhã, mais forte que o de costume, para existências agora incompletas e confusas, espectros difusos.
Chegou à conclusão de que, embora gostasse muito da amiga Fátima, naquela troca, tomaram muitas liberdades. E que agora, o melhor mesmo seria uma amizade à distância. Para que o vazio deixado, Fátima fará que seja preenchido por novos parceiros. Escolhidos para a ocasião, como vestidos, ou como são, por Fátima, os vinhos. Ambas sentem falta de ponderações ajuizadas em cumplicidades de amizade de tão longa data. Mas, ao mesmo tempo, tanto para Marta quanto para Fátima ficou a lição, de que não se pode ter tudo, ao mesmo tempo na vida. Ou bem um homem, ou bem um bom vinho.

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